LINGUAGEM MÉDICA
 

ALOPÉCIA, ALOPECIA


        O termo alopécia provém do grego alopexia, de alópex, raposa, através do latim alopecia.
        A raposa apresenta com freqüência queda de pêlos, ou como um fenômeno natural, ou em decorrência de enfermidade, o que é mais comum em animais velhos.[1]
        O emprego do termo para expressar queda generalizada ou localizada de cabelos, barba e outros pêlos do homem, é bem antiga, datando dos tempos hipocráticos, e resultou, possivelmente, da comparação do aspecto das pessoas com o das raposas desprovidas de pêlos.
        Há referência à alopécia em trabalhos de Galeno, que a comparou à doença das velhas raposas.[2] Plinius empregou alopecis, referindo-se à cauda da raposa[3] e Celsus denominou alopecia area uma superfície lisa, sem pêlos.[4]
        Para a incorporação definitiva do vocábulo à medicina oficial muito contribuiu Ambroise Paré. É de sua autoria o seguinte trecho, recopilado e traduzido por Pedro Pinto: "A alopécia é queda dos pêlos da cabeça e algumas vezes de supercílio, da barba e de outras partes..." "Assim a chamaram os médicos como doença das raposas, por que são estas sujeitas a tal depilação".[2]
        A denominação de alopecia areata, dada a uma das formas de alopécia, é atribuída a Sauvages e data de 1763.[5]
        A palavra alopecia, em português, deve ser proparoxítona (alopécia) ou paroxítona (alopecía)?
        O sufixo -ia tem sido motivo de constantes desacordos em terminologia médica.
        Embora seja de uso corrente entre os médicos a pronúncia alopecia, há vozes discordantes entre os lexicógrafos que defendem a forma alopécia (proparoxítona).
        Adotam a forma paroxítona os dicionários de Aulete, [6] Nascentes [7], Michaelis [8], Houaiss, [9] e o Vocabulário Ortográfico da Academia BrasileiradeLetras.[10] Registram alopécia (proparoxítona) os léxicos de Domingos Vieira [11], Adolfo Coelho [12] e Silveira Bueno. Este último autor assim justifica a prosódia adotada: "A origem grega exige a acentuação paroxítona alopecía. Mas o latim alopecia autoriza a acentuação proparoxítona".[13] Aurélio Ferreira consigna as duas formas, mencionando que a forma alopécia é a mais usada.[14]
        O'Reilly de Sousa adverte que "a verdadeira prosódia é a do i breve, de acordo com o étimo. Entretanto, em virtude de uma convenção, segundo a qual a bem da regularidade da língua, acompanhando a sua própria índole e respeitando leis de analogia, recebem acento tônico os derivados de raiz grega que significam moléstia ou defeito físico, ainda que o i originário seja breve (V. Ramiz Galvão: Vocabulário Etimológico, Ortográfico e Prosódico das Palavras Portuguesas derivadas da Língua Grega), temos a prosódia alopecia (com i longo) consignada por Nascentes e Figueiredo".[15]
        A uniformidade prosódica sugerida pelo grande helenista, que foi Ramiz Galvão, para as palavras terminadas com o sufixo grego -ia, não é compartilhada por outros estudiosos da língua portuguesa, como Rebelo Gonçalves, que assim se expressou sobre esta questão:
        "Se fôssemos pensar na regra exata, a regra seria precisamente respeitar um princípio que se impõe, na nossa língua, a toda reprodução de palavras gregas ou formação de palavras novas por meio de elementos helênicos: seguir a acentuação exigida pela forma latina intermediária, quer dizer, a acentuação de uma forma verdadeira ou apenas suposta teoricamente, pois ao latim manda a filologia recorrer como base prosódica dos nossos helenismos. Iríamos, porém, longe demais, se o fizéssemos nessa categoria de palavras terminadas em ia".[16]
       Torna-se evidente que devemos respeitar a forma paroxítona em termos formados diretamente do grego, e que o uso consagrou; porém, na vigência de formas paralelas, como no caso de alopecia, devemos nos inclinar para a forma proparoxítona da prosódia latina, considerando, sobretudo, que o termo nos veio através do latim.
        Na Nomenclatura Dermatológica, de Francisco Rebelo, encontra-se a forma alopécia, muito embora a preferência dos dermatologistas seja para alopecia, na proporção de 4:1 dos artigos indexados pela BIREME.
   

Referências bibliográficas

1. LITTRÉ, E., ROBIN, Ch.: Dictionnaire de médecine, de chirurgie, de pharmacie, de l’art vetérinaire et des sciences qui s'y rapportent, 13.ed. Paris, Baillière et Fils, 1873.
2. PINTO, P.A.: Língua materna. Rio de Janeiro, Tip. São Benedito, 1934, p. 130-134.
3. PLINIUS: Naturalis historia. The Loeb Classical Library. Cambridge, Harvard University Press, 1979.
4. SKINNER, H.A.: The origin of medical terms, 2.ed. Baltimore, Williams & Wilkins, 1961, p. 18
5. MORTON, L.T.: A medical bibliography (Garrison and Morton), 4.ed. London, Gower, 1983, p. 284.
6. AULETE, F.J.C.: Dicionário contemporâneo da língua portuguesa. Lisboa, 1881.
7. NASCENTES, A.: Dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro. Academia Brasileira de Letras, 1961-1967.
8. MICHAELIS: Moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo, Cia. Melhoramentos, 1998.
9. HOUAISS, A., VILLAR, M.S: Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro, Objetiva, 2001
10. ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS: Vocabulário ortográfico da língua portuguesa, 3. ed., Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1999.
11. VIEIRA, D.: Grande dicionário português ou Tesouro da língua portuguesa. Porto, Ernesto Chardron e Bartholomeu H. de Moraes, 1871-1874.
12. COELHO, F. A.: Dicionário manual etimológico da língua portuguesa. Lisboa, P. Plantier Ed., 1890.
13. BUENO, F.S.: Grande dicionário etimológico-prosódico da língua portuguesa. São Paulo, Ed. Saraiva, 1963/1967.
14. FERREIRA, A.B.H.: Novo dicionário da língua portuguesa, 3.ed. Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, 1999.
15. SOUSA, M.O. : Vocabulário etimológico, ortoépico e remissivo. Rio de Janeiro, Ed. Melson S.A., s/d, p. 23.
16. GONÇALVES, F. R.: Linguagem médica. Rev. Ass. paul. Med. 10: 50-79, 1937.
17. RABELLO, F.E.: Nomenclatura dermatológica. Rio de Janeiro, 1974, p. 24-26   

Publicado no livro Linguagem Médica, 4a. ed., Goiânia, Ed. Kelps, 2011.  

Joffre M de Rezende
Prof. Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás
e-mail: pedro@jmrezende.com.br
http://www.jmrezende.com.br