LINGUAGEM MÉDICA


ANUS, ANULUS

        Conforme registram os dicionários latinos, há em latim três palavras muito semelhantes: anus (com a primeira sílaba longa), com o sentido de círculo, anel; anus (com a primeira sílaba breve), cujo sentido é de mulher velha, bruxa, feiticeira; e annus (com dois n), que significa o período de tempo equivalente a uma revolução da Terra em torno do Sol.[1][2] De annus, em latim (com dois n), derivam anné, em francês; anno, em italiano; año, em espanhol, e ano, em português.

        Anulus é diminutivo de anus (círculo); significa, portanto, pequeno círculo ou anel, e deve ser escrito com um único n. A grafia com dois n é incorreta e parece ter surgido, segundo Ernout et Meillet por uma falsa relação etimológica com annus.[3] Annulus (com dois n) seria diminutivo de annus, inadmissível por se tratar de uma unidade de tempo fixa e irredutível.

        A Terminologia Anatomica [4] designa de anulus fibrosus a parte fibrosa do disco intervertebral, que deve ser traduzido por anel fibroso e não por anulus fibroso.

        O emprego em latim de anus como termo anatômico, para designar a parte terminal do reto, é bem antigo, e se encontra em várias passagens dos livros de Celsus, que datam do século I d.C.[5]

        A origem do termo é duvidosa. Segundo Skinner o mesmo procede do sânscrito âs, sentar.[6] A maioria dos lexicógrafos, entretanto, admite que o anus foi assim chamado por sua forma circular, em função do esfíncter externo, verdadeiro anel muscular.

        Do latim, anus passou para as línguas modernas, conservando a mesma grafia em francês, inglês e alemão. Em português acrescenta-se um acento circunflexo na primeira vogal (ânus), enquanto em italiano e espanhol houve mudança da terminação us para o - ano.
 

Referências bibliográficas

1. QUICHERAT, L.,DAVELUY, A.- Dictionnaire latin-français. Paris, Lib. Hachette, 1876.
2. SARAIVA, F.R.S. - Dicionario latino-português, 9.ed. Rio de Janeiro, Liv. Garnier, 1993.
3. ERNOUT, A.,MEILLET, A.- Dictionnaire étymologique de la langue latine. Histoire des mots, 4.ed. Paris, Ed. Klincksieck, 1979.
4. FEDERATIVE COMMITTEE ON ANATOMICAL TERMINOLOGY. - Terminologia anatomica. Stuttgart, Georg Thieme Verlag, 1998, p.27.
5. CELSUS, Aulus Cornelius: De Medicina. The Loeb Classical Library, Cambridge, Harvard University Press, 1971, p.46, 280, 286.
6.. SKINNER, Henry A.: The origin of medical terms, 2.ed. Baltimore, Williams & Wilkins, 1961, p. 34.

 
Publicado no livro Linguagem Médica, 4a. ed., Goiânia, Ed. Kelps, 2011.  

Joffre M de Rezende
Prof. Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás
e-mail: pedro@jmrezende.com.br
http://www.jmrezende.com.br