BAÇO
O baço é designado
nos diversos idiomas por termos oriundos de mais de uma raiz etimológica.
A palavra original grega usada por Hipócrates para nomear o baço
é splén, da qual derivam todos os termos médicos
relacionados com este órgão, tais como esplênico, esplenite,
esplenectomia, esplenomegalia etc.
Em latim o baço era
designado por lien, conforme se encontra nos livros de Celsus.[1]
Skinner observa com muita propriedade que lien é quase
a mesma palavra grega, com perda das duas consoantes iniciais.[2]
De lien deriva,
em português, o adjetivo lienal, com o mesmo sentido de esplênico.
Em alemão o baço
é denominado milz e, em italiano, milza. Segundo Guttmann,
milz
provém
do alto-alemão milde que significa mole, macio, esponjoso,
atributos característicos do órgão.[3]
Em inglês o baço
recebe dois nomes: o primeiro, pouco usado, milt (primitivamente
milte);
o segundo, spleen, de uso generalizado, procede do grego através
do francês antigo splen, forma arcaica igualmente encontrada
na língua inglesa, até sua ulterior evolução
para spleen.[4]
Na língua francesa
o baço é chamado de rate, que também significa
fêmea do rato. Segundo Dauzat, rate, víscera, origina-se
do neerlandês râte, favo de mel.[5]
Em espanhol e português
temos, respectivamente, bazo e baço, de origem controvertida.
Três possíveis étimos são admitidos:
1. Corominas ensina que bazo,
nome de víscera, provém de bazo, adjetivo, cujo significado
é "moreno tirado a amarillo".[6] Em seu apoio, Carolina de Michaelis
identifica baço no Cancioneiro da Ajuda, com o sentido de
"moreno escuro".[7]
2. Gonçalves Viana
deriva baço do latim opacium, comparativo de opacum,
pela queda da vogal inicial e abrandamento de p em b.[8]
3. José Pedro Machado,
citando Piel (Miscelania de etimologia portuguesa e galega),
considera baço vocábulo erudito, oriundo do grego hepátion,
através do latim.[9]
Nascentes, em seu DicionárioEtimológico
admitiu que o termo anatômico tenha-se originado do adjetivo baço,
"por causa da cor vermelha do órgão".[7] Posteriormente,
julgou preferível considerar o substantivo de origem incerta, enquanto
o adjetivo baço seria derivado do latim
badium,
"moreno pálido".[10]
Na história da medicina
o baço sempre constituiu um desafio à curiosidade dos investigadores
que buscavam compreender a sua função no organismo. A teoria
dos humores da medicina hipocrática, que orientou o pensamento médico
durante mais de vinte séculos, atribuía-lhe a função
de produzir bile negra, um dos quatro humores do corpo, de cujo equilíbrio
dependeria a saúde. O excesso de bile negra seria responsável
pela "melancolia" (melanós, negro + kholé, bile).
Em alemão, milzsucht,
literalmente "enfermidade do baço", tem o mesmo sentido de hipocondria.
Em inglês, spleen conservou várias acepções
decorrentes desse conceito, tais como tristeza, melancolia, tédio,
irritabilidade, impaciência, impetuosidade, temperamento irascível,
rabugento etc.
Do inglês, spleen
passou por empréstimo para outras línguas e se encontra registrado
em muitos léxicos da língua portuguesa com o sentido de tédio,
hipocondria, melancolia. [11][12][13]
O próprio termo
hipocondria revela o seu vínculo etimológico com o baço
(Do grego hypó, abaixo de + chóndros,
cartilagem).
Em linguagem literária
encontram-se os adjetivos splénico e spleenático,
adaptados do inglês e inteiramente dispensáveis na língua
portuguesa.
Referências bibliográficas
1. CELSUS, A.C. - De Medicina. The Loeb Classical Library,
Cambridge, Harvard University Press, 1971.
2. SKINNER, H.A. - The origin of medical terms, 2.ed.
Baltimore, Williams & Wilkins, 1961, p. 381.
3. GUTTMANN, W. - Medizinische Terminologie, 4.ed. Berlin,
Urban & Schwarzenberg, 1911.
4. OXFORD ENGLISH DICTIONARY (Shorter), 3.ed. Oxford,
Claredon Press, 1978.
5. DAUZAT, A., DUBOIS, J., MITTERRAND, H. - Nouveau dictionnaire
étymologique et historique, 3.ed. Paris, Larousse, 1964.
6. COROMINAS, J. - Breve diccionario etimológico
de la lengua castellana, 3.ed., Madrid, Ed. Gredos, 1980.
7. NASCENTES, A. - Dicionário etimológico
da língua portuguesa. Rio de Janeiro, Liv. Francisco Alves, 1932.
8.. VIANA, A.R.G. - Apostilas aos dicionários
portugueses. Lisboa, Liv. Clássica Ed., 1906, p. 173.
9. MACHADO, J.P. - Dicionário etimológico
da língua portuguesa, 3.ed. Lisboa, Livros Horizonte, 1977.
10. NASCENTES, A. - Dicionario etimológico resumido.
Rio de Janeiro, INL, 1966.
11. VIEIRA, D. - Grande dicionário português
ou Tesouro da língua portuguesa. Porto, Ernesto Chardron e Bartholomeu
H. de Moraes, 1871-1874.
12. MORAIS SILVA, A. - Grande dicionário da língua
portuguesa, 10.ed. (12 vol.), Lisboa, Confluência, 1949-1959.
Publicado no livro Linguagem Médica, 4a. ed., Goiânia, Ed. Kelps, 2011.
Joffre M de Rezende
Prof. Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás
e-mail: pedro@jmrezende.com.br
http://www.jmrezende.com.br