LINGUAGEM MÉDICA
 

CÃIBRA, CÂIMBRA

        As duas formas coexistem em português. Qual seria a preferível?
        Cãibra (ou câimbra), no sentido de contração muscular espasmódica e dolorosa, tem sua origem no germânico kramp, de que resultou krampf, em alemão; cramp, em inglês; crampe, em francês; cambro, em italiano, e calambre, em espanhol.
        Em português, a palavra cãibra ter-se-ia formado a partir do francês crampe por metátese, abrandamento da última sílaba e ditongação, na seguinte seqüência: crampe > campra > cambra > caimbra (cãibra).[1]
        A forma cambra é encontrada em textos arcaicos e em dicionários do século passado.[2][3][4][5] Sobrevive ainda na linguagem médica popular, na expressão "cambra(s) de sangue", usada como equivalente de disenteria, provavelmente em virtude do tenesmo retal.[6]
        Em latim, a contração muscular dolorosa era chamada de spasmus.[7] Segundo Skinner[8], o texto médico em que aparece pela primeira vez o termo germânico em substituição a spasmus é de autoria de Van Helmont (1577-1644).
        Mas voltemos ao português: cãibra ou câimbra?
        Consultando-se os principais léxicos da língua portuguesa encontramos as seguintes posições:

        1. Registram somente cãibra: Aulete,[9], Moraes (10.ed.) [10], Séguier.[11]
        2. Registram somente caimbra (sem acento circunflexo na primeira sílaba): Nascentes, [12] e Silveira Bueno, [13]
        3. Registra somente câimbra (com acento circunflexo na primeira sílaba) Luis Rey.[14]
        4. Registram ambas as formas Heckler et al.[15] e o Vocabulário Ortográfico da Academia Brasileira de Letras.[16]
        5. Registra ambas as formas, considerando incorreta a forma câimbra, Laudelino Freire. [17]
        6. Registra, na mesma entrada cãibra, cambra e quembra, mas não câimbra, J.P. Machado. [18]
        7. Registram câimbra, como variante da palavra, com remissão para cãibra, o que pressupõe preferência para esta última forma: Cândido de Figueiredo, [19]; Prado e Silva, [20] Aulete-Garcia, [21] Michaelis, [22] Aurélio Ferreira, [23] Houaiss, 2001.[24]

        Pedro Pinto diz textualmente: "Câimbra é grafia errônea"[25] e Calbucci ensina que "a grafia escorreita é cãibra e não câimbra".[26]
        Convém, talvez, rememorar que o til em português nada mais é que a letra n colocada sobre a vogal para indicar o som anasalado da mesma. Durante o período de formação da língua portuguesa empregava-se indiferentemente m, n ou ~ para indicar o som nasal. A confusão persistiu por muito tempo e podemos encontrar em clássicos da literatura portuguesa e brasileira a mesma palavra grafada de duas maneiras.[27]
        Na reforma ortográfica de 1943, o emprego do til foi assim definido: "Usa-se o til para indicar a nasalização e vale como acento se outro acento não figura no vocábulo".
        O objetivo da reforma ortográfica foi o de tornar mais fonética a escrita e, assim, a forma cãibra atende melhor a esse propósito.
        A melhor opção, por conseguinte, é cãibra e não câimbra.
 

Referências bibliográficas

1. CUNHA, A.G. - Dicionário etimológico. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1982.
2. MORAES SILVA, A. - Dicionário da língua portuguesa. Lisboa, Typographia Lacerdina, 1813.
3. CONSTANCIO, F.S. - Novo dicionário crítico e etimológico da língua portuguesa, 3.ed. Paris, Angelo Francisco Carneiro, 1845.
4. FARIA, E. - Novo dicionário da língua portuguesa, 2 ed. Lisboa, Typographia Lisbonense, 1856.
5. LACERDA, J.M.A.A.C. - Dicionário enciclopédico ou Novo dicionário da língua portuguesa. Lisboa, F. Arthur da Silva, 1874.
6. SÃO PAULO, F. - Linguagem médica popular no Brasil. Salvador, Itapuã, 1970.
7. CELSUS, A.C. - De Medicina. The Loeb Classical Library, Cambridge, Harvard University Press, 1971.
8. SKINNER, H.A. - The origin of medical terms, 2.ed. Baltimore, Williams & Wilkins, 1961, p.127.
9. AULETE, F.J.C. - Dicionário contemporâneo da língua portuguesa. Lisboa, 1881.
10. MORAIS SILVA, A. = Grande dicionário da língua portuguesa, 10.ed. (12 vol.), Lisboa, Confluência, 1949-1959.
11. SEGUIER, J. – Dicionário prático ilustrado. Porto, Lello & Irmão Ed., 1981.
12. NASCENTES, A. - Dicionário da língua portuguesa. Academia Brasileira de Letras, 1961-1967.
13. BUENO, F.S. - Grande dicionário etimológico-prosódico da língua portuguesa. São Paulo, Ed. Saraiva, 1963.
14. REY, L. - Dicionário de termos técnicos de medicina e saúde. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan S.A., 1999.
15. HECKLER, E., BACK, S., MASSING, E.R. - Dicionário morfológico da língua portuguesa. São Leopoldo, Unisinos, 1984.
16. ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS - Vocabulário ortográfico da língua portuguesa, 3. ed. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1999.
17. FREIRE, L. - Grande e novíssimo dicionário da língua portuguesa, 3.ed. Rio de Janeiro, José Olympio Ed., 1957.
18. MACHADO, J.P. - Dicionário etimológico da língua portuguesa, 3.ed. Lisboa, Livros Horizonte, 1977.
19. FIGUEIREDO, C. - Dicionário da língua portuguesa, 13.ed. Lisboa, Liv. Bertrand, 1949.
20. GRANDE DICIONÁRIO BRASILEIRO MELHORAMENTOS, 8.ed. São Paulo, 1975.
21. AULETE, F.J.C., GARCIA, H. - Dicionário contemporâneo da língua portuguesa, 3.ed. Rio de Janeiro, Ed. Delta, 1980.
22. MICHAELIS - Moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo, Cia. Melhoramentos, 1998.
23. FERREIRA, A.B.H. -Novo dicionário da língua portuguesa, 3.ed. Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, 1999.
24. HOUAISS, A., VILLAR, M.S. – Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro, Objetiva, 2001
25. PINTO, P.A. - Dicionário de termos médicos, 8. ed. Rio de Janeiro, Ed. Científica, 1962.
26. CALBUCCI, E. - Questiúnculas de português. São Paulo, Revisora Gramatical, 1953 , p. 15.
27. SAID ALI, M. - Gramática histórica da língua portuguesa, 3.ed. São Paulo, Melhoramentos, 1964, p. 37-38.
 

Publicado no livro Linguagem Médica, 4a. ed., Goiânia, Ed. Kelps, 2011.  

Joffre M de Rezende
Prof. Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás
e-mail: pedro@jmrezende.com.br
http://www.jmrezende.com.br