CATEGUTE
Categute é
a forma aportuguesada do inglês catgut, estando já
incorporada ao léxico do nosso idioma. Consta do VocabulárioOrtográfico
da Academia Brasileira de Letras e de quase todos os dicionários
contemporâneos.
Não se justifica,
portanto, o uso, em português, da palavra em sua forma original inglesa,
como se vê frequentemente em textos médicos.
A origem da palavra inglesa
catgut
não
é muito clara. Etimologicamente significa intestino de gato (de
cat,
gato + gut, intestino). Corresponde ao latim
chorda,
do
grego khordé,
cujo sentido primitivo era de intestino,
tripa [1], e que passou a designar fios preparados com intestino de animais,
usados em instrumentos musicais, nos chamados
instrumentos de corda.
O substantivo chorda,
em latim, antes empregado somente nesta acepção, passou a
ser usado posteriormente como sinônimo de funis, no
sentido de cabo de fios vegetais torcidos. Nas línguas neolatinas
ampliou-se ainda mais o seu significado. [2]
As cordas de origem animal,
usadas em instrumentos musicais, são feitas de preferência
com intestino de carneiro. Mais raramente utiliza-se de intestino de outras
espécies. Não há referência ao uso do gato para
esse fim.
Causa estranheza, portanto,
a denominação, em inglês, de catgut.
A explicação
que se encontra na Encyclopaedia Britannica é de que o nome
primitivo seria kitgut (de kit, pequeno violino +
gut,
intestino), denominação esta posteriormente alterada para
catgut.
[3]
Já o
Oxford EnglishDictionary assinala apenas ser
desconhecida a razão para uso de cat, tanto em
catgut,
como em seu sinônimo catling. [4]
A idéia de utilizar
a corda feita com intestino animal como fio de sutura é bem antiga.
Segundo Major, Galeno (130-200 d.C.), em uma curta dissertação
sobre ligaduras, menciona o uso de fios de linho, fios de seda e cordas
delgadas. [5]
Na medicina árabe,
Rhazes (850-923) utilizou corda de harpa como material de sutura, fato
que Graham atribui à sua educação musical e sua familiaridade
com instrumentos musicais. Avicenna (980-1037), na Pérsia, também
empregou cordas de harpa para sutura de feridas abdominais.[6]
A partir de então,
o categute foi usado de tempos em tempos como material de sutura,
apesar da supuração que provocava. Na maioria das vezes era
utilizado apenas para ligaduras de vasos sanguíneos nas amputações
de membros, trazendo-se para fora da ferida as extremidades do fio para
posterior eliminação deste com o pus.
Coube a Lister, em 1869,
iniciar a fase moderna do uso do categute em cirurgia. Como pioneiro
da antissepsia e partidário das idéias de Pasteur, obteve
a esterilização do categute
com ácido carbólico
e foi o primeiro a cortar o fio rente ao nó, fechando a ferida cirúrgica
sem que ocorresse supuração. [7][8]
Modernamente o categute
é preparado com o colágeno do tecido conjuntivo de animais,
tratado e preservado; não necessariamente com intestino de carneiro.
Em alguns léxicos
da língua portuguesa encontra-se a informação de que
o categute é feito de "tripa de carneiro, gato ou lebre",
o que justificaria a denominação de categute. Não
tenho conhecimento de nenhuma fonte bibliográfica fidedigna que
mencione o gato e a lebre como animais utilizados na obtenção
do categute.
Referências bibliográficas
1. BAILLY, A. - Dictionnaire grec-français, 16.
ed. Paris, Lib. Hachette, 1950.
2. ERNOUT, A., MEILLET, A. - Dictionnaire étymologique
de la langue latine. Histoire des mots, 4.ed. Paris, Ed. Klincksieck, 1979.
3. ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA. Chicago, 1961.
4. OXFORD ENGLISH DICTIONARY (Shorter), 3.ed. Oxford,
Claredon Press, 1978.
5. MAJOR, R.H. - A history of medicine. Oxford, Blackwell
Scientific Publications, 1954, p. 200.
6. GRAHAM, H. - Surgeons all. New York, Philosophical
Library, 1937, p. 75
7. SKINNER, H. - The origin of medical terms, 2.ed. Baltimore,
Williams & Wilkins, 1961, p. 95
8. RUTKOV, I.M. - Surgery. An illustrated history. St.
Louis, Mosby, 1993, p. 343.