VEIA CAVA
A veia cava recebeu de Hipócrates, em grego clássico, a denominação de phléps koíle. [1] Na antigüidade phléps, phlebós, era usado para os vasos sanguíneos de um modo geral, tanto para as artérias como para as veias. Koíle é feminino de koílos, que pode ser adjetivo ou substantivo. Como adjetivo quer dizer vazio, esvaziado, oco. Como substantivo tem o sentido de cavidade, buraco, concavidade [2].
Qual seria a razão de se conferir este atributo à veia cava?
Skinner, citando Aetius de Amida, refere que ela foi assim chamada em virtude de apresentar-se vazia, sem sangue, após a morte.[3]
Aristóteles (384-322 a.C.), em seus livros Historia dos animais e Partes dos animais referiu-se aos dois grandes vasos do tronco como aorté (aorta) e megále phléps (grande vaso sangüíneo) [4][5] e Galeno usou a mesma denominação dada por Hipócrates, com as variantes da declinação grega. [6]
Há uma outra hipótese, mencionada por Skinner, de que teria havido erro de interpretação com relação à palavra koíle. Um dos cognatos de koílos é koilía, que significa cavidade abdominal e, por extensão, abdome. Bem poderia ser que Hipócrates e Galeno tivessem a intenção de referir-se à veia da cavidade abdominal ou veia do abdome e não à veia vazia.[3]
Não me parece provável que tal fato houvesse ocorrido. Se a verdadeira intenção era a de relacionar a veia com a cavidade abdominal, por que não teriam usado o genitivo de koilía em lugar do adjetivo koíle ?
Segundo Marcovecchio, a tradução de phléps koíle para vena cava, em latim, aparece pela primeira vez em Cícero, na seguinte frase: "in eam venam quae cava appellatur" (naquela veia que é chamada cava) [7]
Cava, tanto em latim como nas línguas modernas, tem o mesmo significado de koíle, em grego, e pode, igualmente, ser substantivo ou adjetivo. Substantivo na acepção de cavidade, escavação, buraco, e adjetivo, como feminino de cavo, significando vazio, esvaziado, sem conteúdo.
A denominação
latina de vena cava firmou-se na terminologia médica
e foi consagrada na Nomina Anatomica, desde a primeira edição,
de 1895, conhecida por BNA
Referências bibliográficas
1. HIPPOCRATES - The Loeb Classical Library , vol. VIII,
ed. bilingüe (greek-english).Ed. Paul Potter, 1995, p. 26
2. BAILLY, A. - Dictionnaire grec-français, 16.
ed. Paris, Lib. Hachette, 1950.
3. SKINNER, H.A. - The origin of medical terms, 2.ed.
Baltimore, Williams , Wilkins, 1961, p. 420.
4. ARISTÓTELES - Historia animalium I xvii. The
Loeb Classsical Library, Cambridge, Harvard University Press, 1979, p.
70
5. ARISTÓTELES - Parts of animals III.v. The Loeb
Classical Library, Cambridge, Harvard University Press, 1983, p. 248
6 GALENO, C. - On the natural faculties. The Loeb Classical
Library (texto bilingüe), Cambridge, Harvard University Press, 1979.=,
p. 90-91
7. MARCOVECCHIO, E. - Dizionario etimologico storico
dei termini medici. Firenze, Ed. Festina Lente, 1993, p. 159-160.
Publicado no livro Linguagem Médica, 4a. ed., Goiânia, Ed. Kelps, 2011.
Joffre M de Rezende
Prof. Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás
e-mail: pedro@jmrezende.com.br
http://www.jmrezende.com.br