CEMENTO, CIMENTO
Os termos acima têm uma origem comum; ambos procedem do latim caementum, pedra de alvenaria. Na antiguidade utilizavam-se pedras fragmentadas, misturadas com lama, para construções, especialmente para a base ou alicerce.
Do latim, caementum passou para o francês, no século XII, como cément, e a partir de 1573, também na forma paralela ciment. [1,2]
Em inglês há registro da forma cement, com a datação histórica de 1489, para designar qualquer substância destinada a unir superfícies sólidas e para o material utilizado nas obturações de cáries dentárias. [3]
Em espanhol, o Dicionário da Real Academia Espanhola registra cimiento, cimento e cemento. Cimiento, forma mais antiga, designa alicerce, fundamento de uma construção; cimento, pouco usado, é dado como sinônimo de cemento, enquanto cemento aplica-se tanto ao revestimento da raiz dos doentes, como a qualquer material ligante.[4]
Em italiano cemento e cimento são considerados sinônimos.[5]
Em português o verbo cementar antecedeu o substantivo cemento, para designar o ato do ourives de purificar o ouro e outros metais preciosos. [6]
Domingos Vieira abona os dois termos: cemento, na acepção de pedras quebradas, e cimento, definido como “pó de telhas, de tijolos pisados, que se mistura com cal para ligar as pedras das construções”. [7]
Em 1824, em Leeds, na Inglaterra, o construtor Joseph Aspid inventou um processo de obter uma mistura de calcários com argila que, depois de pulverizada e calcinada, transformava-se em um pó com alto poder ligante, a que chamou cimento portland. O nome portland se deve a sua aparência, semelhante a uma pedra cinzenta extraída na ilha (hoje península) de Portland, no sul da Inglaterra.[8]
Em 1840, Sir Richard Owen, em sua obra “Odontografia” descreveu e denominou de cemento a camada de natureza óssea que reveste as raízes dos dentes e une as mesmas ao ligamento periodontal. [9]
A Nomina Anatômica de 1895, (conhecida por BNA por ter sido aprovada na cidade de Basiléia, na Suíça) denominou a citada camada de revestimento das raízes dentárias de substantia ossea dentis, nome este que foi substituído por cementum na edição da Nomina de 1955, conhecida por PNA (Parisiensia Nomina Anatomica).
Conforme
observou Marcovecchio [10] houve um erro na escrita
da palavra latina, que deveria ser caementum e não cementum, erro este que perdurou nas edições
posteriores da Nomina.
O termo cemento é também usado em histologia para designar
a substância intersticial que une as células, notadamente as células epiteliais
(cemento intercelular). [11]
Diante do exposto,
podemos concluir que cemento e cimento
são formas divergentes de uma
mesma palavra latina: caementum. Nas formas divergentes, cada uma delas
tende a adquirir significado próprio. É o que se verifica com cemento e
cimento, não somente em português como em francês.
A tendência atual em
português é de usar-se cemento para estruturas anatômicas e cimento para todo produto artificial com propriedades de ligar, aderir, unir,
colar, inclusive os que se usam em tratamentos dentários. Esta distinção é nítida
em toda a literatura odontológica brasileira. Em inglês os termos equivalentes
para estabelecer a diferenciação são, respectivamente, cementum e
cement.
Os Descritores em Ciências da Saúde da
BIREME adotam para a camada de revestimento das raízes dentárias cemento dentário, em português, cemento dental em espanhol e dental
cementum em inglês; para o
material utilizado em tratamentos dentários, cimentos de ionômeros de vidro, em português, cementos de ionômero vítreo, em espanhol, e glass ionomer cements, em inglês.[12]
De cemento derivam os cognatos cementócito, cementoma, cementose, cementoblastos,
cementoclasia e outros.
Dada a importância
do cimento portland, quando se diz simplesmente cimento, subentende-se que estamos nos referindo a este produto.
Em ourivesaria e
metalurgia permanecem cemento, cementar, cementação, em relação ao procedimento de purificar um
metal por meio de tratamento químico e aquecimento a altas temperaturas, por
serem tais termos de uso tradicional.
Referências bibliográficas
1. BLOCH, Oscar , VON WARTBURG, Walther - Dictionnaire
étymologique de la langue française,
7.ed. Paris, Presses Universitaires de France, 1986.
2. DAUZAT, Albert, DUBOIS, Jean
, MITTERRAND, Henri - Nouveau dictionnaire étymologique et historique, 3.ed.
Paris, Larousse, 1994.
3.
4. REAL ACADEMIA ESPAÑOLA -
Diccionario de la lengua española, 19.ed. Madrid,
1970.
5. SPINELLI, Vincenzi , CASASANTA, Mário - Dizionario completo
italiano-portughese (brasileiro). Milano, Ed. Ulrico Hoepli, 1985.
6. MORAES SILVA, Antonio de
- Dicionário da língua portuguesa. Lisboa, Typographia Lacerdina, 1813.
7. VIEIRA, Frei Domingos -
Grande dicionário português ou Tesouro da língua portuguesa. Porto, Ernesto Chardron e Bartholomeu H. de
Moraes, 1871-1874.
8. ENCICLOPÉDIA
DELTA-LAROUSSE (Grande). Rio de Janeiro, Ed. Delta S.A., 1972.
9. OWEN, R. Odontography
or a treatise on the comparative anatomy of the teeth.
10. MARCOVECCHIO, Enrico - Dizionario etimologico storico dei termini
medici.
11. MANUILA, A., MANUILA, L., NICOLE, M. ,
LAMBERT, H. Dictionnaire français
de médecine et de biologie.
Paris, Masson , Cie., 1970.
12. BIREME – Internet. Disponível
em http://decs.bvs.br/ Acesso em 10/11/2009.
Publicado no livro Linguagem Médica, 4a. ed.,
Goiânia, Ed. Kelps, 2011.
Joffre M de Rezende
Prof. Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás
e-mail: pedro@jmrezende.com.br
http://www.jmrezende.com.br