CESÁREA, CESARIANA
A denominação
de cesárea ou cesariana, dada à operação de
abertura do útero para retirada do feto, tem sido associada ao nome
do imperador Júlio César, que teria assim nascido, segundo
Plinius.[1] Esta versão é questionável, porquanto
a abertura do ventre para retirada do feto com vida só era praticada
na antiguidade, entre os romanos, após a morte da parturiente,
e a mãe de Júlio César, Aurélia, viveu muitos
anos após o nascimento do filho, conforme atestam diversas fontes
históricas.
Outra versão inconsistente
é a de que Nero, um dos doze césares, teria mandado assassinar
sua própria mãe, Agripina, e abrir-lhe o ventre para ver
onde ele havia sido gerado.
Muito antes de Nero a operação
cesariana já era bem conhecida, e os que nasciam por meio dela,
após a morte da mãe, eram chamados caesones,
conforme se encontra nos clássicos latinos (cesos ou cesões
em português). Dentre os personagens ilustres da História
citam-se como cesões São Raimundo Nonato e Cipião
o Africano.
A cesárea após
a morte da parturiente já era praticada possivelmente entre os egípcios
e outras civilizações antigas.[2]
Na mitologia grega, o próprio
deus da Medicina, Asclépio, filho de Apolo e da ninfa Coronis, teria
nascido de uma cesárea após a mãe ter sido morta por
Artemis, a pedido de Apolo, que ficara enciumado com a infidelidade de
Coronis. [3]
No reinado de Numa Pompilius
(700 AC) a lei romana proibia enterrar uma gestante morta, antes da retirada
do feto de seu abdome: "Si mater pregnans mortua sit, fructus quam
primum caute extrahatur".[4]
O primeiro relato de cesárea
em parturiente viva refere-se à realizada na Suíça,
por Jacob Nufer, um castrador de porcas, em sua própria esposa,
no ano de 1500. A paciente sobreviveu e teve outras gestações
posteriores com partos normais.[5]
Em 1581 Rousset publicou
o seu Traité Nouveau de L'hysterotomotokie ou Enfantement Césarien,
no qual relata histórias de casos operados por cirurgiões-barbeiros
da época.[6]
A partir do século
XVII a operação cesariana passou a fazer parte integrante
da obstetrícia, porém com elevada mortalidade materna e fetal.
Langaard, em seu Dicionário de Medicina Doméstica e Popular
(1873)
dá-nos o seu testemunho: "Apesar de que não se pode admitir
que a operação seja absolutamente mortal, é o numero
das operadas que escapam muito limitado".[7] Somente no século XX
a cesárea tornou-se uma operação rotineira.
A palavra cesárea
e as expressões
parto cesáreo e operação
cesariana vinculam-se ao verbo latino caedo, caesum, caedere,
que
equivale ao grego témno,
cortar.
Dele derivam caesus, a, um, cortado;
caeso,
onis,
ceso
ou cesão; caesura,
corte;e caesar,
aris,
com
o mesmo sentido de caeso,
onis, isto é, aquele
que é tirado do ventre da mãe, "qui caeso matris utero
nascitur".[8]
Outros nomes, formados de
radicais gregos, já foram propostos em substituição
a cesárea ou cesariana, tais como hipogastrotomia, tomotocia, histerotomia,
metrotomia, láparo-histerotomia, gastro-histerotomia, célio-histerotomia,
histerotocotomia, histerotomotocia, e outros, porém não lograram
aceitação.[9]
Teria o nome de César
algo a ver com o parto cesáreo, como sugeriu Plinius? Parece que
não, e existem três outras hipóteses para explicar
a origem do nome de Júlio César. A primeira remonta ao sânscrito
Kesar,
que quer dizer cabeleira; a segunda dá o nome de César como
sendo de origem púnica (de Cartago), significando elefante, símbolo
da força; e a terceira identifica-o ao etrusco, com o sentido de
deus.[10]
A origem etrusca é
a mais plausível e o sentido de divindade poderia ter levado Adriano
(século II d.C.) a adotá-lo como título, o qual, depois
de Diocleciano (século III d.C.) passou a designar o herdeiro presuntivo
do trono, reservando-se ao imperador o epíteto de Augustus.
Devemos escrever cesárea
com e, porquanto cesária com i designa um instrumento
de corte utilizado na encadernação de livros, mais conhecido
entre nós por cisalha.[11] Já cesariana escreve-se com i
, pois a terminação -eano(a) constitui exceção
em português e emprega-se em reduzido número de adjetivos.[12]
Também não se deve grafar cesárea ou cesariana com
z.
Tanto cesárea como
cesariana eram primitivamente apenas adjetivos. Atualmente são empregados
também como substantivos, especialmente o primeiro. A substantivação
do adjetivo por elipse é um fenômeno comum da língua.
O adjetivo, neste caso, incorpora o significado do substantivo contíguo
e passa expressar todo o conteúdo do sintagma.[13]
Referências bibliográficas
1. PLINIUS - Naturalis historia, vol. 2, VII.9. The Loeb
Classical Library. Cambridge, Harvard University Press 1979, p. 537
2. DE LEE, J.B., GREENHILL, J.P. - Principles and practice
of obstetrics. Philadelphia, W.B. Saunders Co., 1947, p. 914.
3. HAMILTON, E. - A mitologia, Lisboa, Dom Quixote, 1983.
4. SKINNER, H.A.: The origin of medical terms, 2.ed.
Baltimore, Williams & Wilkins, 1961, p.84
5. LEONARDO, R.A.: History of gynecology. New York, Froben
Press, 1944, p. 303
6 IDEM, idem, p. 91
7. LANGAARD, T.J.H. - Dicionário de medicina doméstica
e popular, 2. ed. Rio de Janeiro, Laemmert, 1873, p. 408
8. MAGNE, A. - Dicionário etimológico da
língua latina. Rio de Janeiro, INL, 1952.
9. REZENDE, J. - Aspectos etimológicos e semânticos
do vocábulo cesariana. Rev. Gynec. Obst. 101: 7-10, 1957.
10. PINTO, P.A.- Vocábulos médicos e de
outra natureza. Rio de Janeiro, Ed. Científica, 1944, p.11-22.
11. MORAIS SILVA, A.- Grande dicionário da língua
portuguesa, 10.ed. (12 vol.), Lisboa, Confluência, 1949-1959.
12. JOTA, Z.S.- Dicionário das dificuldades da
língua portuguesa. Rio de Janeiro, Ed. Fundo de Cultura, 1960, p.
207.
13. ULLMANN, S.- Semântica. Uma introdução
à ciência do significado, 4.ed. Lisboa, Fundação
Calouste Gulbenkian, 1964, p.462