LINGUAGEM MÉDICA
 

COLO, CÓLON

        As duas formas são usadas para nomear o intestino grosso. Qual a preferível?

        A palavra colo é exemplo do que se denomina em gramática histórica de forma convergente, ou seja, de dupla origem, convergindo ambas para a mesma grafia em português.

        De um lado provém do latim collum, com o sentido de pescoço[1], acepção que passou para o português com ampliação do significado, servindo para designar a região compreendida pela base do pescoço, face anterior do tórax e ombros. É muito empregada nas expressões familiares "levar ao colo", "trazer ao colo", referindo-se ao modo de portar uma criança, encostada ao peito. Por extensão, adquiriu o mesmo sentido de regaço, ou seja, o espaço situado entre a cintura e os joelhos de uma pessoa na posição sentada.

        Talvez pela semelhança com o pescoço, collum passou a indicar, em terminologia médica, a porção estreitada de um órgão (colo uterino, colo da vesícula biliar, etc.).

        De outro lado, o vocábulo colo provém do grego kólon, termo usado por Aristóteles[2] e Galeno[3] como sinônimo de intestino grosso, e que nos veio através do latim colum (com um único l).

        Temos, assim, dupla origem para colo, razão pela qual alguns autores preferem manter separadamente as duas formas, com significados distintos: colo para designar a porção estreitada de um órgão, e cólon para o intestino grosso.

        Essa preocupação, entretanto, não subsiste, se considerarmos que existem numerosas palavras que se grafam da mesma maneira e têm significados distintos. É o seu contexto na frase que lhe dá o verdadeiro sentido.

        A terminação on, tônica ou átona, é avessa à índole da língua portuguesa. Segundo Ramiz Galvão, "os nomes neutros da segunda declinação grega, terminados em on, passam para o latim com a terminação um e para o português com o final, quando não mudam de significação".[4] Cita como exemplo vocábulos como ísquio, hipocôndrio, bálsamo, sésamo, polígono, etc.

        Em latim coexistiram as formas colum e colon com o significado de intestino grosso, o que pode, talvez, explicar a permanência do n final em português, como exceção à regra.

        Em espanhol, ilaliano, francês e inglês usa-se colon, o que constitui um forte argumento para aceitarmos esta mesma grafia em português, em benefício da desejada uniformidade da terminologia científica.

        Dos léxicos mais modernos, somente o Aurélio século XXI opta pela forma colo, [5] enquanto os demais consultados registram colo, com remissão para cólon, o que indica preferência para esta última forma.[6][7][8][9]

        A preferência da classe médica brasileira tem sido para cólon. Em um levantamento de 101 artigos publicados em periódicos médicos nacionais e indexados durante 20 anos (1965-1984), cólon foi empregado 80 vezes e colo 21, o que dá uma proporção de aproximadamente 4:1 a favor de cólon e seus compostos (megacólon, dolicocólon, etc.).[10][11][12]

        Na contramão, entretanto, a Sociedade Brasileira de Anatomia adotou colo como tradução do latim colon da terminologia anatomica oficial.[13]

        Em relação à forma derivada adjetiva, usa-se, de preferência cólico (a) (artérias cólicas, veias cólicas). Firmou-se, entretanto, para o exame endoscópico do intestino grosso o termo colonoscopia, em lugar de coloscopia.
 

 

Referências bibliográficas

1. SARAIVA, F.R.S. - Novíssimo dicionário latino-português, 10.ed., 1993
2. ARISTÓTELES - De partibus animalium. The Loeb Classical Library, 1983, p. 296
3. GALENO - On the natural faculties. The Loeb Classsical Library, 1979, p. 313
4. GALVÃO, B.F.R. - Vocabulário etymologico, ortographico e prosodico das palavras portuguesas derivadas da língua grega. Rio de Janeiro, Liv. Francisco Alves, 1909.
5. FERREIRA, A.B.H. - Novo dicionário da língua portuguesa, 3.ed. Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, 1999.
6. MICHAELIS-Moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo, Cia. Melhoramentos, 1998.
7. HOUAISS, A., VILLAR, M.S. – Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro, Objetiva, 2001
8. ACADEMIA DAS CIÊNCIAS DE LISBOA - Dicionário da língua portuguesa contemporânea. Lisboa, Ed. Verbo, 2001.9. REY, L. - Dicionário de termos técnicos de medicina e saúde. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan S.A., 1999.
10. INSTITUTO BRASILEIRO DE BIBLIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO (IBBD): Bibliografia brasileira de medicina. Rio de Janeiro, 1965-1972.
11. INSTITUTO BRASILEIRO DE INFORMAÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA (IBICT): Bibliografia brasileira de medicina. Rio de Janeiro, 1973-1979.
12. BIREME – Bibliografia brasileira de Medicina. São Paulo, 1980-1984.
13. SOCIEDADE BRASILEIRA DE ANATOMIA. Terminologia anatômica. São Paulo, Ed. Manole, 2001, p.63

 
Publicado no livro Linguagem Médica, 4a. ed., Goiânia, Ed. Kelps, 2011.  

Joffre M de Rezende
Prof. Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás
e-mail: pedro@jmrezende.com.br
http://www.jmrezende.com.br