LINGUAGEM MÉDICA
 

COMA

        Coma, como termo médico, provém do grego kõma, que significa sono profundo. O estado de coma é sempre patológico e difere do sono fisiológico por não se reverter com os estímulos externos.
        Para o sono normal possui a língua grega outra palavra, hýpnos, que deu origem a vários termos médicos, como hipnose, hipnoanálise, hipnógeno, hipnoanestesia, hipnoterapia etc.
        A palavra coma é anterior a Hipócrates e foi empregada por Homero na Ilíada e Odisséia.[1]
        Hipócrates, em seus livros Epidemías I e III e em Prórretikon, usou tanto a palavra kõma, como seu derivado kõmatodes.[2]
        Como termo médico, a palavra coma foi introduzida na língua francesa no século XVII; comateux, em 1616, por J. Duval, e coma, por Thévenin, em 1648.[3]
        Em inglês foi incorporada ao vocabulário médico em 1646, por Brown.[4]
        Em português já aparece registrada no dicionário de Constâncio, de 1845, com a definição de sonolência letárgica.[5]
        Há em grego duas outras palavras semelhantes a kõma, de que resultaram formas convergentes em português.
        A primeira delas é kóme, cabeleira, donde cometa, em alusão à nebulosidade que envolve o seu núcleo e que se continua na cauda, à maneira de uma cabeleira.
        Em linguagem poética, coma é usado com o sentido de cabelo comprido, cabeleira. Também se usa em relação à crina de cavalo, juba de leão, pêlos ou penas que adornam a cabeça ou o pescoço de alguns animais. O verbo latino como, comere traduz-se por pentear, compor o cabelo e não deve ser confundido com o verbo comedo, comedere, que deu origem ao verbo comer em português.[6]
        Camões empregou coma referindo-se à copa das árvores, no que foi seguido por outros poetas: "As árvores agrestes que os outeiros têm com frondente coma enobrecidos." [7]
        A segunda palavra grega é kómma (com duplo m), cujo sentido é de fragmento, período curto de um discurso; donde coma, com o sentido de vírgula, aspas, ou como notação musical.
        O gênero gramatical da palavra coma varia com a acepção. Como termo médico, é do gênero masculino (o coma), enquanto nas demais acepções é do gênero feminino (a coma), muito embora as palavras de origem grega terminadas em ma sejam, de regra, do gênero masculino.


Referências bibliográficas

1. LIDDELL, H.G.,  SCOTT, R.- A greek-english lexicon, 9.ed., Oxford, Claredon Press, 1983.
2. HIPPOCRATES. - The Loeb Classical Library. London, W. Heinemann Ltd., 1972.
3. DAUZAT, A., DUBOIS, J., MITTERRAND, H.- Nouveau dictionnaire étymologique et historique, 3.ed. Paris, Larousse, 1964.
4. OXFORD ENGLISH DICTIONARY (Shorter), 3.ed. Oxford, Claredon Press, 1978.
5. CONSTANCIO, F.S.- Novo dicionário crítico e etimológico da língua portuguesa, 3.ed. Paris, Angelo Francisco Carneiro, 1845.
6. SARAIVA, F.R.S.- Novíssimo Dicionario latino-português, 10. ed., Rio de Janeiro, Livraria Garnier, 1993.
7. CAMÕES, L.- Obras completas. Os Lusíadas IX.57. Porto, Lello & Irmão, 1970, P. 1.352.
 
 

Publicado no livro Linguagem Médica, 4a. ed., Goiânia, Ed. Kelps, 2011.  

Joffre M de Rezende
Prof. Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás
e-mail: pedro@jmrezende.com.br
http://www.jmrezende.com.br