CURA
A palavra cura já
existia em latim com o sentido primitivo de ‘cuidado’, ‘atenção’,
‘diligência’, ‘zelo’. Havia também o verbo curo, curare,
de largo emprego, com o significado de 'cuidar de', 'olhar por', 'dar atenção
a', 'tratar’.[1]
Como termo médico,
cura
foi
primeiramente usado na acepção de ‘tratamento’, conforme
se lê em Celsus (séc. I DC) em seu livro III.9.1 : In hoc
casu medici cura esse debet, ut morbum mutet (Neste caso o
cuidado
médico [ou do médico] é indicado
para mudar o curso da doença).[2]
A evolução
semântica da palavra
cura, tanto em latim, como nas línguas
românicas, operou-se em várias direções, sempre
em torno da idéia de ‘cuidar de’, ‘exercer ação sobre’,
‘tratar’. Vejamos alguns exemplos:
Cura. Pároco;
cuida espiritualmente de seus paroquianos.
Curador. Pessoa que
cuida dos interesses de outrem ou de alguma instituição (donde
‘curador de menores’, ‘curador de família’, ‘curador de massa falida’,
‘conselho de curadores’ etc.)
Curado (queijo, peixe).
Que recebeu um tratamento especial; o queijo, exposto ao ar seco durante
algum tempo; o peixe, exposto ao calor e à fumaça.
Curativo. Limpeza
e tratamento tópico de um ferimento.
Como termo de medicina a
mudança de significado decorreu do fato de que a cura, no sentido
de tratamento, na maioria das vezes, modifica o curso da doença
e restabelece a saúde do enfermo.
Deu-se, então, a
metonímia, na modalidade em que a mesma palavra passa a expressar
tanto a ação (no caso os cuidados médicos) como o
resultado da ação (a recuperação da saúde).
A metonímia é um fenômeno comum de linguagem.
Assim, cura passou
a significar também o restabelecimento da saúde, a volta
ao estado hígido, e esta nova acepção sobrepôs-se
à primitiva no entendimento geral e no próprio vocabulário
médico.
Em razão dessa evolução
semântica,
curar pode ser empregado tanto no sentido de tratar,
cuidar de, como no sentido de debelar uma enfermidade, de restituir a saúde,
de sarar.
Sarar deriva do verbo
latino
sanare, que se conservou intacto em italiano, e evoluiu
para
sanar
em espanhol e sarar em português. A substituição
de n
por
r que se operou na língua portuguesa
é explicada pela seguinte sequência na passagem do latim
vulgar para o português arcaico:
sanare > saar >
sar
> sarar.[3]
Sarar é ‘ficar
são', ‘recuperar a saúde’. Tanto pode ser empregado como
verbo intransitivo (o doente sarou), como transitivo direto (o médico
sarou-a daquela doença) ou ainda na forma pronominal (sarou-se do
resfriado).[4]
Referências bibliográficas
1. SARAIVA, F.R.S.- Novíssimo Dicionario latino-português,
10. ed., Rio de Janeiro, Livraria Garnier, 1993.
2. CELSUS, A.C.- De Medicina. livro III.9.1 The Loeb
Classical Library, 1971, Cambridge, Harvard Univ. Press, p. 266-8
3. WILLIAMS, E.B.- Do latim ao português. Rio de
Janeiro, INL, 1961, p. 117
4. LUFT, C.P.- Dicionário prático de regência
verbal, 2.ed., São Paulo, Ed. Ática
S.A., 1993, p. 475