ENZIMA. ENZÍMICO, ENZIMÁTICO
Em 1876, o pesquisador alemão
Willy Kühne criou o termo enzyme (do grego zýme,
fermento) para designar os fermentos solúveis, cuja ação
independe da presença de micro-organismos.[1] Nesta acepção,
a palavra passou intacta para o inglês e o francês, e com a
grafia de enzima para o italiano, espanhol e português.
O gênero da palavra
enzima tem sido motivo de controvérsia, não somente em português
como em outras línguas. Em francês predominou, de início,
o gênero masculino. Em 1959 a Académie des Sciences de Paris
decidiu pelo gênero feminino, no que foi seguida, em 1967, pela Academie
Nationale de Médecine e, em 1970, pela Académie Française.
Apesar disso, muitos autores franceses continuam a empregar o termo no
gênero masculino.[2]
Em italiano firmou-se o
gênero masculino, enquanto em espanhol prevaleceu o gênero
feminino.
Em português, a quase
totalidade dos lexicógrafos adota o gênero feminino, com o
respaldo da Academia das Ciências de Lisboa [3] e da Academia Brasileira
de Letras.[4] Faz exceção Silveira Bueno, que consigna o
gênero masculino em seu Grande Dicionário Etimológico-Prosódico
da Língua Portuguesa (1963).[5]
Afrânio do Amaral,
que estudou a questão em profundidade, advoga ênzimo em
lugar de enzima.[6] A forma enzima, entretanto, encontra-se
consolidada e definitivamente aceita por todas as sociedades científicas
e pela maioria dos médicos brasileiros e portugueses.
Existe dúvida, também,
em relação ao adjetivo derivado de enzima. Seria enzímico
ou
enzimático?
A preferência dos
linguistas é para a primeira forma, considerando ser a única
corretamente formada. Os adjetivos de origem grega, com a terminação
-ático em português, derivam do genitivo de nomes neutros
da 3ª declinação (Ex.: sôma, atos,
somático).
Zyme,
es
é
da 1ª declinação e, de acordo com as regras de derivação,
o adjetivo correspondente deveria ser
enzímico.
Mendes de Almeida culpa
o uso da terminação
ma, na palavra enzima,
pelo aparecimento do derivado enzimático, que deve ser corrigido
para enzímico. E diz textualmente: "Nessa confusão
não incorrem outros idiomas: francês
enzyme , enzymique;
inglês enzyme, enzymic".[7]
Tal assertiva, entretanto,
não corresponde à realidade dos fatos. O adjetivo enzymatique
é usado em francês e encontra-se averbado no Dictionnaire
Français de Médecine et de Biologie, de Manuila e col.,[2]
sem dúvida um dos mais abalizados léxicos no gênero.
Do mesmo modo, enzymatic é de uso corrente na literatura
médica de língua inglesa, estando registrado no Dorland's
Illustrated Medical Dictionary,[8] assim como no Webster's ThirdI nternational
Dictionary,[9] onde, além do adjetivo
enzymatic, ainda
se encontra o advérbio
enzymatically.
Estamos, pois, diante de
um fato linguístico consumado. Os dois adjetivos constam do
Vocabulário
Ortográfico
da Academia Brasileira de Letras e vão conviver
por algum tempo, até que um deles ganhe a preferência geral.
E tudo indica que enzimático já é a forma preferida.
Na literatura médica em língua portuguesa indexada pela BIREME
nos últimos 20 anos, enzimático está registrado
99 vezes, enquanto enzímico aparece apenas 3 vezes! [10]
Referências bibliográficas
1. SKINNER, H.A. - The origin of medical terms, 2.ed.
Baltimore, Williams & Wilkins, 1961, p. 162.
2. MANUILA, A., MANUILA, L., NICOLE, M., LAMBERT, H.
- Dictionnaire français de médecine et de biologie. Paris,
Masson & Cie., 1970.
3. ACADEMIA DAS CIÊNCIAS DE LISBOA - Vocabulário
ortográfico da língua portuguesa. Lisboa, Imprensa Nacional,
1940.
4. ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS - Vocabulário
ortográfico da língua portuguesa, 3. ed. Rio de Janeiro,
Imprensa Nacional, 1999.
5. BUENO, Francisco da Silveira: Grande dicionário
etimológico-prosódico da língua portuguesa. São
Paulo, Ed. Saraiva, 1963.
6. AMARAL, A.- Linguagem Científica. São
Paulo, Conselho Federal de Cultura e outras Instituições,
1976. p.201-225.
7. ALMEIDA, N.M. - Dicionário de questões
vernáculas. São Paulo, Ed. "Caminho Suave" Ltda., 1981.
8. DORLAND'S ILLUSTRATED MEDICAL DICTIONARY, 28. ed.
Philadelphia, W.B. Saunders Co., 1994.
9. WEBSTER’S THIRD NEW INTERNATIONAL DICTIONARY. Chicago,
Enciclopedia Britanica Inc., 1966.
10.BIREME. Internet. Disponível em http://www.bireme.br.
em 01/07/2001
Publicado no livro Linguagem Médica, 3a. ed., Goiânia, AB Editora
e Distribuidora de Livros Ltda, 2004..
Joffre M de Rezende
Prof. Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal
de Goiás
Membro da Sociedade Brasileira de História
da Medicina
e-mail: pedro@jmrezende.com.br
http://www.jmrezende.com.br
Atualizado em 10/09/2004.