ESPINHAL, ESPINAL
Sempre que se nos oferece
mais de uma opção em matéria de linguagem médica,
a nossa escolha se torna mais fácil quando dispomos de elementos
de juízo que nos permitam fundamentar a razão de nossa preferência.
Espinhal e espinal
derivam ambos do latim spinalis, e, adjetivo de formação
posterior a spina, ae, espinha. O uso de spina
em latim, com o sentido de coluna vertebral, data de Virgílio, portanto
do século I a.C.[1] Celsus (século I d.C.) empregou a expressão
spina
dorsi, que corresponde à espinha dorsal.[2]
Spina, em
latim, deu origem a spine, em inglês; épine,
em francês; espina, em espanhol; spina, em italiano,
e espinha, em português.
Na passagem do latim para
o português, as terminações -inu, -ina,
evoluíram inicialmente para - io, - ia,
a
que sucedeu a palatal nh para evitar o hiato. "A nasalação
produzida pelo n intervocálico é um dos principais
característicos fonéticos do português".[3] Por sua
vez, o grupo inicial sp- recebeu um i prostético,
posteriormente substituído por e. Assim, temos: spina>ispia>espinha.[4]
Parece óbvio que
o adjetivo relativo a espinha deve ser espinhal, seja ele derivado
do latim spinalis, seja formado diretamente do substantivo
em português.
A propósito, assim
se expressa Cândido de Figueiredo: "Evidentemente, espinal não
é forma portuguesa... Espinal é um derivado que pressupõe
o substantivo espina; e este substantivo nunca existiu em português:
do latim spina veio-nos o termo espinha, e ninguém
hoje chamará espina à espinha dorsal. Ora, assim como o latim
spina
se
traduz por espinha, o latim spinalis deve traduzir-se por
espinhal".[5]
Pedro Pinto dá como
derivados de espinha, espinhal e espinal. A primeira forma "sem
razão dada como ruim".[6]
Carlos Goes considera "espinal
melhor português que espinhal"[7] e Nascentes aceita espinhal como
derivado semierudito do latim spinale.[8]
Ambas as formas são
antigas em português, havendo contudo, certa preferência por
espinhal. Moraes refere-se à medula espinal ou espinhal.[9] Constancio
e Faria registram apenas espinhal,[10][11] enquanto Domingos Vieira e Lacerda
consignam espinal, com remissão para espinhal.[12][13]
Espinhal tem sido a forma
preferida por autores clássicos da língua portuguesa, tanto
em obras literárias como em publicações científicas.
Aloysio de Castro, em seu
Tractado
de
Semiótica Nervosa só emprega espinhal.[14] Vieira Romeiro
inicia o capítulo referente à semiologia neurológica
pelo Sistema nervoso cérebro-espinhal.[15]
Em que pese às opiniões
em contrário, parece-me que a preferência deve recair em espinhal.
Referências bibliográficas
1. QUICHERAT, L. & DAVELUY, A.: Dictionnaire latin-français.
Paris, Lib. Hachette, 1876.
2. SKINNER, Henry A.: The origin of medical terms, 2.ed.
Baltimore, Williams & Wilkins, 1961, p.380.
3. COUTINHO, Ismael de Lima: Pontos de gramática
histórica, 5.ed. Rio de Janeiro, Liv. Acadêmica, 1962, p.
133.
4. WILLIAMS, Edwin B.: Do latim ao português. Rio
de Janeiro, INL, 1961, p.82.
5. FIGUEIREDO, Cândido de: Vícios da linguagem
médica, 2.ed. Lisboa, Liv. Clássica Ed., 1922, p. 178.
6. PINTO, Pedro A.: Dicionário de termos médicos,
8. ed. Rio de Janeiro, Ed. Científica, 1962.
7. GOES, Carlos: Dicionário de raízes e
cognatos da língua portuguesa, 2.ed. Rio de Janeiro, 1936.
8. NASCENTES, Antenor: Dicionario etimológico
resumido. Rio de Janeiro, INL, 1966.
9. MORAES SILVA, Antonio de: Dicionário da língua
portuguesa. Lisboa, Typographia Lacerdina, 1813.
10. CONSTANCIO, Francisco Solano: Novo dicionário
crítico e etimológico da língua portuguesa, 3.ed.
Paris, Angelo Francisco Carneiro, 1845.
11. FARIA, Eduardo de: Novo dicionário da língua
portuguesa, 2 ed. Lisboa, Typographia Lisbonense, 1856.
12. VIEIRA, Frei Domingos: Grande dicionário português
ou Tesouro da língua portuguesa. Porto, Ernesto Chardron e Bartholomeu
H. de Moraes, 1871-1874.
13. LACERDA, José Maria de Almeida e Araujo Correa
de: Dicionário enciclopédico ou Novo dicionário da
língua portuguesa. Lisboa, F. Arthur da Silva, 1874.
14. CASTRO, Aloysio de: Tratado de semiótica nervosa.
Rio de Janeiro, F. Briguiet & Cia., 1914.
15. ROMEIRO, J. Vieira: Semiologia médica, 7.ed.
Rio de Janeiro, Liv. Francisco Alves, 1943, p. 487.