LINGUAGEM MÉDICA
 

OS SUFIXOS -ÍASE E –OSE

        Os sufixos -íase e -ose, utilizados ambos para designar doença, estado mórbido, são oriundos do grego e chegaram até nós através do latim. Têm uma origem comum, resultando do sufixo -sis, que se acrescenta às formas nominais dos verbos gregos para designar ação, estado ou qualidade.[1]
        Nas formas nominais terminadas em -iao, a posposição do sufixo -sis produz a terminação -iasis (-íase em português). Ex.: lithiáo (sofrer de cálculo) + -sis = lithíasis (litíase). Os verbos com tema em o produzem a terminação -osis [1] (-ose em português).
        A terminação -ose ganhou com o tempo acepções diversas, podendo traduzir:

            a) estado mórbido. Ex.: colagenose, artrose;
            b) doença causada por agente específico. Ex.: tuberculose, blastomicose;
            c) ação, estado ou condição. Ex.: hipnose, lordose, cifose;
            d) aumento de produção. Ex.: leucocitose, linfocitose;
            e) arranjo, disposição. Ex.: pterilose;
            f) designativo de açúcar. Ex.: glicose, lactose, xilose.

        Quando acrescentado aos verbos com tema em a, o sufixo -sis resulta na terminação -asis (-ase em português), utilizada para nomear as enzimas. Ex.: amilase, lipase, fosfatase etc.[1]
        As doenças infecciosas e parasitárias, de modo geral, são designadas por meio dos sufixos -íase e -ose.
        Quando devemos usar um ou outro destes sufixos?
        Tanto em português como em outras línguas ocidentais usa-se de preferência o sufixo -ose para as infecções causadas por vírus, bactérias e fungos. Ex.: mononucleose, salmonelose, esporotricose. Dentre as doenças bacterianas constitui exceção hanseníase, denominação pouco usada fora do Brasil e, dentre as produzidas por fungos, a monilíase ou candidíase.
        Há dubiedade quanto ao emprego de um ou de outro sufixo quando se trata de doenças parasitárias, quer se trate de protozoários, quer se trate de metazoários, embora a denominação genérica seja parasitose.
        Em relação aos protozoários são formas consagradas amebíase e toxoplasmose. Para outros protozoários, entretanto, registram-se formas paralelas. Ex.: giardíase, giardiose; balantidíase, balantidiose; tricomoníase, tricomonose; tripanossomíase, tripanossomose; leishmaníase, leishmaniose.
        No caso dos metazoários a vacilação é ainda maior, a começar pela denominação equivalente à enteroparasitose, que tanto pode ser helmintíase como helmintose.
        Encontramos ascaridíase e ascaridiose; ancilostomíase e ancilostomose; estrongiloidíase e estrongiloidose; enterobíase e enterobiose; tricocefalíase e tricocefalose,
        Existe consenso em relação à teníase, cisticercose e hidatidose.
        O parasitismo por artrópodos tem sido designado com ambos os sufixos. Ex.: escabiose, pediculose, miíase e tungíase.
        Não se podem estabelecer regras fixas para o emprego dos sufixos -íasee -ose, e a dificuldade ocorre também em outras línguas, embora se observe maior emprego do sufixo -íase em espanhol e inglês.
        No dizer do helenista português José Inez Louro existe abuso no emprego do sufixo -ose, em detrimento de -íase. Este abuso observa-se também entre autores brasileiros. No clássico livro Parasitologia Médica do Prof. Samuel Pessoa [2] há nítida preferência pelo sufixo -ose, grafando-se com -íase poucas palavras: amebíase, teníase, miíase. O contrário se observa no livro Doenças Transmissíveis, de Amato Neto e Baldy,[3] no qual predomina o sufixo -íase.
        O Council for International Organizations of Medical Sciences (CIOMS), juntamente com a Organização Mundial de Saúde, desenvolveram um projeto destinado a estabelecer uma nomenclatura das diversas doenças, para uso internacional, redigida em inglês, devendo os nomes ser adaptados a outros idiomas.
        O volume II da International Nomenclature of Diseases compreende quatro partes, dedicadas, respectivamente, às doenças infecciosas bacterianas, micoses, doenças virais e doenças parasitárias.[4]
        Nessa nomenclatura, o sufixo –osis é empregado nas infecções bacterianas, nas infecções por vírus e por fungos. No caso das infecções bacterianas a denominação de hanseniasis, que seria exceção, não figura como nome principal, sendo registrada, porém, como sinônimo de leprosy. Nas doenças produzidas por fungos o sufixo –iasis é usado somente em candidiasis e allescheriasis. Todas as demais recebem o sufixo –osis.
        No caso dos artrópodos o sufixo iasis é usado em phtiriasis, tungiasis, miiasis, escarabiasis e porocephaliasis, e o sufixo osis em pediculosis, trombiculosis e linguatulosis.
        Em relação às doenças parasitárias, causadas tanto por protozoários como por metazoários há nítida preferência pelo sufixo –iasis . Constituem exceção: toxoplasmose, sarcocistosis, cryptosporidiosis, babesiosis, hydatidosis, microsporidiosis, coenurosis, pneumocystosis, spirometrosis, cisticercosis, echinococcosis, e trichinelosis. Para todas as outras parasitoses utiliza-se o sufixo –iasis. No parasitismo por ascaris, o termo adotado é de ascariasis em lugar de ascaridiasis.
        Seria desejável que os parasitologistas e tropicalistas brasileiros e portugueses se pronunciassem sobre a nomenclatura proposta pelo CIOMS/WHO, aceitando-a ou sugerindo modificações, e estabelecessem uma nomenclatura uniforme em língua portuguesa para as doenças parasitárias, especialmente em relação às helmintíases. O Dicionário de termos técnicos de medicina e saúde, de Luis Rey, o mais moderno dicionário de termos médicos em nosso idioma, adotou a nomenclatura internacional, registrando como sinônimos as variantes mais usadas de alguns termos, com remissão para a denominação oficial da citada nomenclatura.

Referências bibliográficas

1. LOURO, J.I. - O grego aplicado à linguagem científica. Porto, Ed. Educação Nacional, 1940, p. 240.
2. PESSOA, S.B. - Parasitologia médica, 5.ed. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1958.
3. AMATO NETO, V., BALDY, J.L.S. - Doenças transmissíveis. São Paulo, Sarvier, 1989.
4. CIOMS/WHO – International nomenclature of diseases. Vol. II. Infectious diseases. Geneva, 1982-1987.
5. REY, L. - Dicionário de termos técnicos de medicina e saúde. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan S.A., 1999.
   
Publicado no livro Linguagem Médica, 3a. ed., Goiânia, AB Editora e Distribuidora de Livros Ltda, 2004..  

Joffre M de Rezende
Prof. Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás
Membro da Sociedade Brasileira de História da Medicina
e-mail: pedro@jmrezende.com.br
http://www.jmrezende.com.br

10/9/2004