"INSTITUCIONALIZAÇÃO" DO IDOSO
Na língua
portuguesa,
institucionalização é o "ato ou
efeito de institucionalizar".
Institucionalizar, por sua vez, é
"dar o caráter de instituição, adquirir o caráter
de instituição";[10] "dar forma institucional".[18] Assim,
o idoso institucionalizado é aquele a quem se dá ou
que adquire o caráter de instituição, que se transforma
em instituição, o que, obviamente, não faz sentido.
Na língua inglesa,
o verbo correspondente a institucionalizar, to institutionalize,
tem uma acepção a mais, a de colocar ou confiar alguém
aos cuidados de uma instituição especializada (alcoólatras,
epilépticos, delinquentes, idosos).[25]
Nos países de fala
portuguesa, as instituições que normalmente abrigam pessoas
idosas são classicamente chamadas de asilos ou albergues. Os idosos
são neles recolhidos por não terem parentes que os assistam
ou porque seus familiares não podem ou não querem cuidar
dos mesmos.
Por sua conotação
pejorativa de abandono, de pobreza ou rejeição familiar,
as denominações de asilo e albergue têm sido substituídas
por outras mais eufêmicas, como Casa dos idosos,
Lar
dos idosos" etc., tanto em instituições de caridade,
como em estabelecimentos públicos ou privados.
Uma denominação
genérica englobando todas estas instituições poderia
ser gerocômio
ou
gerontocômio, termos sancionados
pela Academia Brasileira de Letras[1] (do grego
géron,
gérontos, velho + koméo, cuidar), a exemplo de
nosocômio (nósos, doença) e manicômio
(manía, loucura). A duplicidade de termos (gerocômio
e
gerontocômio)
resulta da utilização ou do nominativo ou do genitivo na
formação da palavra.
Gerocômio e gerontocômio
encontram-se averbados em vários léxicos como sinônimos.[2][5][11][18][20]
Ramiz Galvão[13] e Aulete-Garcia[2] consideram gerocômio
preferível a gerontocômio e Nascentes[22] não
registra gerontocômio. Rui Barbosa, porém, usou gerontocômio.
[3]
Gerontocômio é
palavra que já existia em grego clássico (gerontokomeion);[16]
do grego passou para o latim (gerontocomium) e do latim para o português
- gerontocômio.[12][23] Os dicionários, tanto em latim
como em português, referem-se a gerontocômio como hospício,
hospital, asilo, abrigo ou albergue para velhos. É necessário
lembrar que hospício, no passado, não era somente manicômio;
significava também abrigo ou albergue.[7][21]
Segundo dados históricos,
as primeiras instituições filantrópicas destinadas
a abrigar pessoas idosas surgiram no Império Bizantino no século
V da era cristã.[19] O Código Justiniano, que regulamentou
a legislação do Império no ano de 534 faz referências
aos gerontocômios e é comumente citado como fonte de
datação histórica do termo.[12][16]
No ocidente, o primeiro
gerontocômio
foi fundado pelo Papa Pelágio II (520-590), que transformou sua
própria casa em hospital para idosos.[9]
Em espanhol, gerocomio
encontra-se
averbado no dicionário terminológico de Cardenal[6] e, tanto
gerocomio
como
gerontocomio,
no dicionário de León Braier.[4]
Em italiano, Marcovecchio
consigna as duas formas, ressaltando que "la forma preferita nel linguággio
medico moderno é gerontocomium", que ele define como "ospedale
specialistico per vecchi". [17] Na Itália, os atuais estabelecimentos
que prestam assistência aos idosos são denominados gerontocomios.[15]
Encontramos registro também
em alemão: "Gerontokomium - Ort wo alte Leute verpflegt werden"
(local onde as pessoas idosas são cuidadas).[14]
Em inglês, o termo
caiu em desuso, porém acha-se consignado no dicionário de
Duglinson, de 1893, como gerocomeum, gerocomium e gerontocomium.[8]
Por estes dados, vemos que
gerocômio
e
gerontocômio são termos bem antigos e têm suas raízes
no universo greco-latino. Embora possam ser imputados de arcaísmos
e não estejam sendo usados na atualidade na maioria dos países,
à exceção da Itália, são, sem a menor
dúvida, os mais apropriados para designar, de maneira genérica,
qualquer instituição do tipo abrigo, asilo, albergue, casa
ou lar dos idosos. Sendo sinônimos, a opção por um
deles é uma questão de preferência.
Para expressar o recolhimento
do idoso a um gerocômio, seja por solidariedade humana, seja
mediante pagamento, teríamos de encontrar uma palavra correspondente
a institutionalization
em inglês. O termo mais apropriado,
a nosso ver, seria asilamento, ato de asilar, de recolher a um asilo.
Embora não esteja nos léxicos, é um termo corretamente
formado. Como alternativa, teríamos
albergamento.[1][10][18]
Asilo vem do grego Asylon,
[22] através do latim asylum, cujo significado é o
de refúgio, local onde a pessoa se sente amparada, protegida, ao
abrigo de possíveis agravos e danos de qualquer natureza. Daí
a figura jurídica de asilo político em direito
internacional.[23]
Com a marcante influência
da literatura médica de língua inglesa em nosso vocabulário
médico, possivelmente os geriatras vão continuar a preferir
o neologismo importado do inglês, mantendo os idosos institucionalizados,
em lugar de abrigados, albergados, asilados, internados ou recolhidos a
um gerocômio. Neste caso, caberá aos lexicógrafos acrescentar
nas próximas edições de suas obras mais uma acepção
para o verbo institucionalizar em português.
Referências bibliográficas
1 ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS: Vocabulário ortográfico
da língua portuguesa, 3. ed., Rio de Janeiro, Bloch Ed., 1999.
2. AULETE, F.J.C. e GARCIA, H.: Dicionário contemporâneo
da língua portuguesa, 3.ed. Rio de Janeiro, Ed. Delta, 1980.
3. BARBOSA, R.: Réplica n. 485. Obras completas,
vol. 29, t. III. Rio de Janeiro, Ministério da Educação
e Cultura, 1953, p. 413.
4. BRAIER, L.: Diccionario enciclopédico de medicina,
4.ed. Barcelona, Editorial JIMS, 1980.
5. BUENO, F.S.: Grande dicionário etimológico-prosódico
da língua portuguesa (8 vol.). São Paulo, Ed. Saraiva, 1963.
6. CARDENAL, L.: Diccionario terminológico de
ciencias médicas, 5.ed. Barcelona, Salvat Ed., 1954.
7. COSTA, A.: Dicionário Geral de sinônimos
e locuções da língua portuguesa, 2.ed. Rio de Janeiro,
Biblioteca Luso-Brasileira, 1960.
8. DUNGLISON, R.: A dictionary of medical science, 21.
ed. Philadelphia, Lea Brothers Co., 1893.
9. ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA (Grande).
Lisboa, Editorial Enciclopédia Ltda., 1935-1958.
10. FERREIRA, A.B.H.: Novo Aurélio Século
XXI. O dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro, Ed.
Nova Fronteira, 1999.
11. FIGUEIREDO, C.: Novo dicionário da língua
portuguesa. Lisboa, Ed. Tavares Cardoso & Irmão, 1899.
12. GAFIOT, F.: Dictionnaire illustré latin-français.
Paris, Lib. Hachette, 1934.
13. GALVÃO, B.F.R.: Vocabulário etymologico,
ortographico e prosodico das palavras portuguesas derivadas da língua
grega. Rio de Janeiro, Liv. Francisco Alves, 1909.
14. GUTTMANN, W.: Medizinische Terminologie, 16. ed.
Berlin, Urban & Schwarzenberg, 1923.
15. INTERNET: Vários sites de busca.
16. LIDDELL, H.G. & SCOTT, R.: A greek-english lexicon,
9.ed., Oxford, Claredon Press, 1983.
17. MARCOVECCHIO, E.: Dizionario etimologico storico
dei termini medici. Firenze, Ed. Festina Lente, 1993.
18. MICHAELIS: MODERNO DICIONÁRIO DA LÍNGUA
PORTUGUESA. São Paulo, Cia. Melhoramentos, 1998.
19. MILLER, T.S. - Birth of the hospital in the Byzantine
Empire. Baltimore, The Johns Hopkins Univ. Press, 1997, p.24-25.
20. MORAES SILVA, A.: Grande dicionário da língua
portuguesa, 10.ed. (12 vol.), Lisboa, Confluência, 1949-1959.
21. NASCENTES, A.: Dicionário de sinônimos,
3.ed. Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, 1981.
22. NASCENTES, A.: Dicionário da língua
portuguesa. Academia Brasileira de Letras, 1961-1967.
23. PLÁCIDO E SILVA, D.: Vocabulário Jurídico,
9.ed., Rio de Janeiro, Forense, 1986.
24. SARAIVA, F.R.S.: Novíssimo Dicionario latino-português,
10. ed., Rio de Janeiro, Livraria Garnier, 1993.
25. WEBSTER’S THIRD NEW INTERNATIONAL DICTIONARY. Chicago,
Enciclopedia Britanica Inc., 1966.
Publicado no livro Linguagem Médica, 3a. ed., Goiânia, AB Editora e Distribuidora de Livros Ltda, 2004..
Joffre M de Rezende
Prof. Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás
Membro da Sociedade Brasileira de História da Medicina
e-mail: pedro@jmrezende.com.br
http://www.jmrezende.com.br
10/9/2004.