INTERFERON
Os novos termos criados em
inglês com a terminação em on sempre trazem
dificuldade para sua adaptação à língua portuguesa.
Veja-se, por exemplo, íon,
e os seus derivados anion e
cation.
Até hoje, decorridos 150 anos da descoberta de Faraday, ainda não
se chegou a um consenso sobre a forma mais apropriada ao nosso idioma.
Há uma corrente ortodoxa
que não admite a terminação n em palavras
da língua portuguesa e a ela se filia o eminente obstetra Jorge
de Rezende, quem grafa hime em lugar de hímen [1].
Ramiz Galvão, a propósito da palavra
cólon,
diz textualmente: "O gênio da nossa língua rejeita essa desinência
(n)" e averba
colo
(sem o n) [2].
Lopes Baião afirma
que "em nossa língua não há palavras terminadas em
n"
[3]. Assim, deveríamos também escrever hife em
vez de hífen.
Uma coisa é a teoria
e outra a realidade da língua. Queiram ou não os puristas
da língua, as palavras terminadas em n vão
se firmando aos poucos e crescendo em número. A física nuclear
povoou o nosso léxico de partículas subatômicas com
a terminação em
on, como elétron, próton,
posítron, nêutron, méson, fóton etc. A biologia
introduziu plâncton, a virolologia vírion, a
medicina clínica, néfron.
Uma das mais recentes aquisições
nesse grupo de palavras é interferon, termo criado pelo microbiologista
suíço Jean Lindenmann, em 1957, quando trabalhava no National
Institute of Medical Research, em Londres. Designa uma classe de glicoproteínas
de produção endógena que têm a propriedade de
interferir
na
replicação viral, inibindo-a [4].
No Dicionário de
Biologia, de José Luis Soares [5] encontra-se
o seguinte étimo para
Interferon: "Do ing. interfer(ence);
+ suf. on, indicativo de partículas fundamentais como em
cístron, múton, récon, próton, etc".
Tratando-se de uma proteína
que interfere
com a replicação viral, o nome parece
adequado. O que não parece adequado é comparar uma proteína
complexa como o interferon com as partículas elementares da matéria
para justificar o emprego do sufixo on.
A adaptação
do termo à língua portuguesa comporta as seguintes possibilidades:
Interferônio -
A terminação
ônio, resultante do acréscimo
do sufixo io (latim
ium) ajustou-se perfeitamente aos gases
raros: argônio,
criptônio,
radônio,
xenônio
e, por analogia, ozônio, que deveria ser ozona (inglês,
ozone).
Na terminologia médica
estão consolidados os termos hormônio, neurônio,
axônio,
porém,
nefrônio
não teve a
mesma sorte e prevaleceu néfron. Acredito que interferônio
teria
o mesmo fim de nefrônio.
Interferão - A terminação ão soa como arcaismo lusitano e não é bem aceita entre nós. Quem diria hoje eletrão, neutrão, positrão, mesão, fotão, como fora outrora recomendado pelos puristas da língua? Até a Academia das Ciências de Lisboa, em seu Vocabulário Ortográfico de 1940 já optava por ion, anion, cation, em lugar de ião, anião, catião [6].
Interferona – Além de conferir à palavra o gênero feminino, a terminação ona emportuguês corresponde a one e não à on, em inglês. É o caso de acetona, cortisona, progesterona, que em inglês se escrevem acetone, cortisone, progesterone. Talvez por isso os portugueses usam, com razão, hormona, em lugar de hormônio, que, em inglês, se escreve hormone. Não é o caso de Interferon.
Interferom - Talvez a melhor adaptação vernácula fosse a troca do n final por m. Contentaria a todos, com a vantagem de nos aproximar da terminologia científica internacional.
Tudo indica, entretanto,
que Interferon, como tantos outros termos técnico-científicos
emigrados do inglês para o português, veio para ficar na sua
forma original e aqui vai permanecer sem a desejável adaptação
lingüística.
A prova disso é que
interferon
já
se encontra averbado na 3a. edição do Aurélio
[7]
e
no Vocabulario da Academia Brasileira de Letras [8].
Neste ultimo está ainda consignada a variação prosódica
do termo, que ora se pronuncia como proparoxítono (intérferon),
à moda inglesa, ora como oxítono (interferon).
Referências bibliográficas
1. REZENDE, J. - Obstetrícia, 5.ed. Rio de Janeiro,
Guanabara Koogan, 1987.
2. GALVÃO, B.F.R. - Vocabulário etymologico,
ortographico e prosodico das palavras portuguesas derivadas da língua
grega. Rio de Janeiro, Liv. Francisco Alves, 1909.
3. BAIÃO, J.L. - Através do dicionário.
Belo Horizonte, Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, 1972.
4. HAUBRICH, W.S - Medical meanings. A glossary of word
origins. Philadelphia, Am. College of Physicians, 1997.
5. SOARES, J.L.: Dicionário etimológico
e circunstanciado de biologia. São Paulo, Ed. Scipione, 1993.
6. ACADEMIA DAS CIÊNCIAS DE LISBOA - Vocabulário
ortográfico da língua portuguesa. Lisboa, Imprensa Nacional,
1940.
7. FERREIRA, A.B.H. - Novo dicionário da língua
portuguesas, 3.ed. Rio de Janero, Ed. Nova Fronteira, 1999
8. ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS - Vocabulário
ortográfico da língua portuguesa, 3a. ed. Rio
de Janeiro, Imprensa Nacional, 1999.
Publicado no livro Linguagem Médica, 3a. ed., Goiânia, AB Editora
e Distribuidora de Livros Ltda, 2004..
Joffre M de Rezende
Prof. Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal
de Goiás
Membro da Sociedade Brasileira de História
da Medicina
e-mail: pedro@jmrezende.com.br
http://www.jmrezende.com.br
10/9/2004.