LINGUAGEM MÉDICA
FARINGE E LARINGE
As línguas
que não possuem o gênero neutro, como a portuguesa, devem
necessariamente nomear cada coisa atribuindo-lhe o gênero masculino
ou feminino.
À exceção
dos seres sexualmente diferenciados, o gênero dos substantivos é
inteiramente convencional e fixado arbitrariamente ao longo da evolução
histórica de cada língua.
Um mesmo substantivo, freqüentemente,
difere, quanto ao gênero, de uma língua para outra. Mar,
em francês, por exemplo, é feminino. Lua, em alemão,
é masculino, enquanto sol é feminino.
O gênero pode ainda
modificar-se dentro da mesma língua com o transcurso do tempo. Assim,
por exemplo, linguagem, tribo, árvore, pirâmide, já
foram, em português, do gênero masculino, enquanto planta,
mapa, fim, já pertenceram ao gênero feminino.[1]
Há palavras que têm
o gênero ambíguo, a elas se aplicando tanto o masculino como
o feminino. Ex.: linotipo (o linotipo, a linotipo).
Há nomes que são
chamados comuns de dois, por se aplicarem a ambos os sexos. Ex.: chefe
(o chefe, a chefe). E há ainda os epicenos, que designam ambos os
sexos sob um único gênero. Ex.: criança, pessoa.
A desinência da palavra
pode definir o gênero, constituindo o gênero gramatical. Assim,
em português, a terminação em a, na maioria
das vezes, é indicativa de feminino, e a terminação
em o, de masculino. Há numerosas exceções,
entretanto, como as palavras derivadas do grego e terminadas em ma,
que
são masculinas, tais como problema, dilema, sofisma, plasma,
mioma etc.
As palavras terminadas em
e
podem
pertencer tanto ao gênero masculino, como ao feminino. Ex.: vale,
fonte, mate (chá), parede.
Faringe e laringe
derivam do grego phárygx, yggos, e lárygx,
yggos,
respectivamente,
através do latim científico
pharynx, yngis
e larynx, yngis.
Existe concordância
quanto ao gênero feminino de faringe, que se conservou desde o grego
até ao português. Em francês, contudo, pharynx
é do gênero masculino, o que explicaria o uso indevido de
faringe, em português, como substantivo masculino. Segundo Ramiz
Galvão "o manusear constante dos livros franceses tem feito dar
a este vocábulo o gênero masculino, quando assim não
é senão naquela língua".[2]
Também Plácido
Barbosa é da mesma opinião: "Imitando o francês, damos
habitualmente a esta palavra o gênero masculino, mas o certo é
dar-lhe o gênero feminino, que é o etimológico".[3]
"Não se admite o
gênero masculino para esta palavra", conclui Silveira Bueno.[4]
Em relação
à laringe já não há o mesmo consenso. Moraes
[5] atribuía à laringe o gênero masculino, no que foi
seguido por outros lexicógrafos como E. Faria [6], Laudelino Freire,[7],
J.P. Machado [8] e Antenor Nascentes.[9]
O gênero feminino,
por sua vez, foi abonado por Lacerda,[10] Adolfo Coelho,[11] Cândido
de Figueiredo,[12] Silveira Bueno,[4] Mendes de Almeida,[13] e pela Academia
das Ciências de Lisboa.[14]
Adotando uma posição
eclética, os dicionários de Aurélio Ferreira,[15]
Michaelis,[16] Houaiss [17] e o Vocabulário da AcademiaBrasileiradeLetras
[18] admitem os dois gêneros para laringe.
Segundo Cândido de
Figueiredo o gênero masculino é mais usado no Brasil, ao contrário
de Portugal onde laringe é palavra feminina.[12]
A mesma divergência
verifica-se nos dicionários médicos: Ramiz Galvão,
[2] Plácido Barbosa [3] e Pedro Pinto [19] optaram pelo gênero
masculino, enquanto Paciornik,[20], Céu Coutinho [21] e Luís
Rey [22] consideram laringe do gênero feminino.
O gênero masculino
da palavra laringe, segundo a maioria dos autores, remonta ao grego. Este
argumento, contudo, não é irretorquível, como se depreende
do seguinte trecho de Pedro Pinto, que transcrevemos a seguir: "Mostrou-me
Ramiz textos em grego onde aparece larinje, masculino, e outros onde estava
essa palavra como feminina. Por vezes viam-se os dois gêneros na
mesma obra".[23]
A ambigüidade de gênero,
por conseguinte, acompanha o termo laringe desde a sua origem.
A tradução
em língua portuguesa da 5a. edição da Nomina
Anatomica adotou o gênero feminino tanto para faringe como para
laringe.[24]
Na literatura médica
brasileira dos últimos anos predomina o gênero feminino, embora
ainda se encontrem publicações nas quais laringe aparece
no gênero masculino. Em 34 artigos redigidos em português e
indexados pela BIREME, nos quais a palavra laringe consta do título,
30 usaram o gênero feminino e apenas quatro o gênero masculino.[25]
Parece de todo conveniente
buscar-se a desejada uniformidade adotando-se o gênero feminino tanto
para faringe como para laringe, conforme a Nomina Anatômica. Coelho
de Souza, quem desenvolveu um estudo sobre este mesmo tema, chegou à
idêntica conclusão.[26]
Referências bibliográficas
1. COUTINHO, I.L. - Pontos de gramática histórica,
5.ed. Rio de Janeiro, Liv. Acadêmica, 1962, p. 276.
2. GALVÃO, B.F.R. - Vocabulário etymologico,
orthographico e prosodico das palavras portuguesas derivadas da língua
grega. Rio de Janeiro, Liv. Francisco Alves, 1909.
3. BARBOSA, P. - Dicionario de terminologia médica
portuguesa. Rio de Janeiro, Liv. Francisco Alves, 1917.
4. BUENO, F.S. - Grande dicionário etimológico-prosódico
da língua portuguesa. São Paulo, Ed. Saraiva, 1963.
5. MORAES SILVA, A. - Dicionário da língua
portuguesa. Lisboa, Typographia Lacerdina, 1813.
6. FARIA, E. - Novo dicionário da língua
portuguesa, 2 ed. Lisboa, Typographia Lisbonense, 1856.
7. FREIRE, L. - Grande e novíssimo dicionário
da língua portuguesa, 3.ed. Rio de Janeiro, José Olympio
Ed., 1957.
8. MACHADO, J.P. - Dicionário etimológico
da língua portuguesa, 3.ed. Lisboa, Livros Horizonte, 1977.
9. NASCENTES, A. - Dicionário da língua
portuguesa. Rio de Janeiro. Academia Brasileira de Letras, 1961-1967.
10. LACERDA, J.M.A.A.C. - Dicionário enciclopédico
ou Novo dicionário da língua portuguesa. Lisboa, F. Arthur
da Silva, 1874.
11. COELHO, F.A. - Dicionario manual etymológico
da lingua portuguesa. Lisboa, P. Plantier Ed., 1890.
12. FIGUEIREDO, C. - Dicionário da língua
portuguesa, 13.ed. Lisboa, Liv. Bertrand, 1949.
13. ALMEIDA, N.M. - Dicionário de questões
vernáculas. São Paulo, Ed. "Caminho Suave" Ltda., 1981.
4. ACADEMIA DAS CIÊNCIAS DE LISBOA - Dicionário
da língua portuguesa contemporânea. Lisboa, Ed. Verbo, 2001.
15. FERREIRA, A.B.H. - Novo dicionário da língua
portuguesa, 3.ed. Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, 1999.
16. MICHAELIS - Moderno dicionário da língua
portuguesa. São Paulo, Cia. Melhoramentos, 1998.
17. HOUAISS, A., VILLAR, M.S. – Dicionário Houaiss
da língua portuguesa. Rio de Janeiro, Objetiva, 2001
18. ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS - Vocabulário
ortográfico da língua portuguesa, 3. ed. Rio de Janeiro,
Imprensa Nacional, 1999.
19. PINTO, P.A. - Dicionário de termos médicos,
8. ed. Rio de Janeiro, Ed. Científica, 1962.
20. PACIORNIK, R. - Dicionário médico,
2.ed. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1975.
21. COUTINHO, A.C. - Dicionário enciclopédico
de medicina, 3.ed. Lisboa, Argo Ed., 1977.
22. REY, L. - Dicionário de termos técnicos
de medicina e saúde. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan S.A., 1999.
23. PINTO, P.A. - Dicionário de termos farmacêuticos.
Rio de Janeiro, Ed. Científica, 1959, p. 25.
24. NOMINA ANATOMICA (5. edição). Tradução
da Comissão de Nomenclatura da Sociedade Brasileira de Anatomia.
Rio de Janeiro, MEDSI, 1984.
25. INTERNET. http://www.bireme.br/. Em 28 de março
de 2002.
26. SOUZA, J.C.de – A laringe. "O faringe"? Brasília
Médica 30:43-44, 1993.
Publicado no livro Linguagem Médica, 3a. ed., Goiânia, AB Editora
e Distribuidora de Livros Ltda, 2004..
Joffre M de Rezende
Prof. Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal
de Goiás
Membro da Sociedade Brasileira de História
da Medicina
e-mail: pedro@jmrezende.com.br
http://www.jmrezende.com.br
10/9/2004.