LIPÍDIOS, PROTÍDIOS, GLICÍDIOS
A União Internacional
de Química, em sua reunião de Cambridge, em 1923, adotou
os termos lipide, protide
e glucide para designar, respectivamente,
substâncias dos grupos das gorduras, das proteínas e dos hidratos
de carbono.
Se do ponto de vista bioquímico
trata-se de simples questão de nomenclatura, do ponto de vista linguistico
a questão se torna mais complexa ao se adaptarem os referidos termos
à língua portuguesa, visto que surgiram nada menos de quatro
formas em relação aos lipídios e protídios
e oito formas em relação aos glicídios. São
elas: lipídios, lipídeos, lípides, lipidos; protídios,
protídeos, prótides, protidos; glicídios, glicídeos,
glícides, glicidos; glucídios, glucídeos, glúcides,
glucidos.
Em relação
aos glicídios, além da variação desinencial,
temos a duplicidade de formas para a primeira sílaba, o que decorre
da origem da palavra glicose.
Glicose provém
do grego glykys, doce + ose, indicativo de açúcar.
A vogal grega y (ípsilon) passa para o latim e o português
com o som de u ou de i (y em latim). O som
de u ocorre principalmente quando existe ditongo, como em reumatismo.
Nos demais casos prevalece o valor de i, como em amígdala.
Mais raramente pode adquirir o som de v ou de j, como em
evangelho e jacinto.[1]
Em francês, em que
a vogal u tem som semelhante ao ípsilon grego, usa-se tanto
glucose
como glycose, apesar da recomendação de Littré
& Robin para se usar somente glycose.[2]
Em português é
preferível a transliteração para o som de i.
Por conseguinte, devemos optar por glicose em lugar de glucose,
preservando-se o som de i em todos os termos cognatos, como glicina,
gliconato, glicídio etc.
A forma proparoxítona
com a terminação em e (lípides, prótides,
glícides) resulta de uma adaptação prosódica
ao português dos termos originalmente criados em inglês.
A forma com a terminação
em o, tal como em espanhol, encontra adeptos em Portugal, sendo
raramente empregada no Brasil.[3]
As formas com os sufixos
-ídeo e -ídio merecem discussão mais
aprofundada.
O sufixo -ídeo,
segundo
a maioria dos léxicos, deriva do grego eídos (semelhante
a ), que deu origem também ao sufixo -óide.
O sufixo -ídeo tem
sido usado para designar famílias de animais, correspondendo equivocadamente
à terminação -idae da nomenclatura científica
latina. Conforme ensina Ramiz Galvão, esta terminação
"foi tomada do sufixo patronímico latino idae, idarum", cujo
equivalente em português deveria ser -idas e não -ídeos.
Assim, segundo o renomado mestre, a forma correta seria, por exemplo, múridas,
félidas, bóvidas, équidas e não murídeos,
felídeos, bovídeos, equídeos.[4]
Para o helenista José
Inez Louro o sufixo -ídeo (plural -ídeos) não poderia
ter-se originado diretamente do grego eídos, a não
ser por acréscimo do sufixo -eo (plural -eos) que, nos substantivos,
pode ser substituído pelo sufixo -io. Este sufixo (latim -ium,
do grego -ión), primitivamente um diminutivo, perdeu essa
função e apenas substantiva a palavra, sem alterar-lhe o
significado.[1]
Parece claro, portanto,
que, tratando-se de substantivos, são corretas e apropriadas as
formas em -ídio, que devem prevalecer sobre as demais
O Vocabulário
Ortográfico da Academia Brasileira de Letras registra todas
as variantes possíveis:
lipídio, lipídeo, lípide
e lipido; protídio, protídeo, prótide e prótido;
glicídio, glicídeo, glícide e glicido. De maneira
incoerente, entretanto, considera
lipídeo a um só
tempo substantivo e adjetivo, enquanto
glicídeo
e
protídeo
são
dados apenas como substantivos.Consigna ainda as variantes
glucídio
e glúcide, excluindo as formas paralelas
glucídeo
e
glucido.[5]
Almeida, a propósito
do sufixo -ídio, taxa de arbitrárias as formas lípide,
prótide e
glícide e conclui que "o assunto exige
modificações que nos apresentem amanhã um vocabulário
coerente",[6] tendo como terminação única o sufixo
-ídio.
O final em -io em
lugar de -eo também se justifica pela tendência fonética
de se converter o ditongo crescente -eo em -io como se verifica
nas palavras crânio, peritônio, etc.
A preferência dos
médicos brasileiros tem sido para a forma lipídios.
Na literatura médica indexada pela BIREME nos últimos 20
anos observa-se a seguinte proporção entre as variantes utilizadas
pelos autores nos títulos de seus trabalhos:[7]
Lipídios 45,6%
Lipídeos 19,1%
Lípides 35,3%
Referências bibliográficas
1. LOURO, J. - O grego aplicado à linguagem científica.
Porto, Ed. Educação Nacional, 1940, p. 133
2. LITTRÉ, E. & ROBIN, Ch.: Dictionnaire de
médecine, de chirurgie, de pharmacie, de l’art vetérinaire
et des sciences qui s'y rapportent, 13.ed. Paris, Baillière et Fils,
1873.
3. ViLLAR, M. - Dicionário Contrastivo Luso-Brasileiro.
Rio de Janeiro, Ed. Guanabara, 1989
4. GALVÃO, R. - Estante clássica da Rev.
Língua Portuguesa, vol. X, 1922, p.103-104
5 ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS - Vocabulário
ortográfico da língua portuguesa, 3a. ed. Rio
de Janeiro, Imprensa Nacional, 1999.
6. ALMEIDA, N.M. - Dicionário de questões
vernáculas. São Paulo, Ed. "Caminho Suave" Ltda., 1981.
7. http:/www.bireme.br/,
março 2001
Publicado no livro Linguagem Médica, 3a. ed., Goiânia, AB Editora
e Distribuidora de Livros Ltda, 2004..
Joffre M de Rezende
Prof. Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal
de Goiás
Membro da Sociedade Brasileira de História
da Medicina
e-mail: pedro@jmrezende.com.br
http://www.jmrezende.com.br
10/9/2004.