LINGUAGEM MÉDICA
 

NEURALGIA, NEVRALGIA

       A palavra grega neûron deu origem aos radicais neur- e nevr-, utilizados na formação de numerosos termos médicos relacionados ao sistema nervoso.
        A vogal u (ípsilon), em grego, tem som semelhante ao u em francês (som intermediário entre i e u). Já em latim, a letra u, ora tem a função de vogal (u), ora de consoante, conforme sua posição na palavra. O som consonantal do u latino evoluiu para o b ou v nas línguas românicas.
        A consonantização do u em v pode ocorrer em palavras de origem grega, como pode ser exemplificado com o antropônimo Evaristo, primitivamente Euaristo, formado de eu, bem + áristos, ótimo.[1]
        Este fato poderia explicar, à primeira vista, a duplicidade de formas existentes, principalmente em francês e português, para as palavras formadas com o elemento grego neûron.
        Convém ressaltar que os termos médicos contendo o referido elemento só foram introduzidos em época relativamente recente. À exceção de nevrologia (neurologia), nevralgia (neuralgia) e nevrose (neurose), já em uso no vocabulário médico do século XVIII, os demais compostos foram introduzidos na linguagem médica a partir do século XIX.
        O termo nevralgia (neuralgia), formado de neûron, nervo + algo, dor + sufixo -ia teria sido usado pela primeira vez pelo cirurgião francês André, em 1756.[2]
        Hipócrates usou a palavra neûron para designar qualquer estrutura anatômica esbranquiçada de aspecto fibroso, fossem nervos, tendões ou ligamentos. Erasístrato e, a seguir, Galeno, limitaram o uso do termo somente aos verdadeiros nervos.[3] Restou-nos, entretanto, aponevrose (aponeurose) como remanescente desse primitivo conceito.
        Em linguagem popular ainda perdura o sentido abrangente dado por Hipócrates à palavra neûron, como se verifica na expressão popular carne com muito nervo utilizada para designar a carne com muito tecido fibroso.
        Em latim clássico havia a palavra nervus, i, de sentido igualmente abrangente. Nervosus, em latim, tinha o significado de musculoso, forte, vigoroso, acepção esta que se estendeu até ao português arcaico.[4]
        Outra explicação possível para o uso de v em lugar de u seria por metátese na palavra nervo.
       Qualquer que seja a interpretação que se queira dar à existência dessa duplicidade de formas, convém nos fixarmos em apenas uma delas, em favor da desejada uniformidade da nomenclatura biomédica.
        Os léxicos mais antigos, como o de Domingos Vieira [5], registram com v todos os vocábulos formados a partir de neûron, existentes na época. Ramiz Galvão [6], para alguns derivados, como nevralgia, nevrite e nevrose, registra apenas a forma com v; para outros cognatos, como neural, neuraxe, neuroglia, apenas a forma com u; finalmente para outros como neurologia, neurilema e neurônio, as duas formas. Já os léxicos contemporâneos, na maioria das vezes, consignam as duas formas, porém dando preferência à grafia com u.
        O Vocabulário Ortográfico da Academia Brasileira de Letras (1999), registra 74 vocábulos formados com nevro e nada menos que 479 formados com neuro, o que indica que os termos científicos de criação mais recente formaram-se com o radical neur-.[7]
        Percebe-se que as palavras grafadas com v resultaram da influência exercida na terminologia médica pela língua francesa, a qual, aos poucos, vai cedendo lugar à influência atual da língua inglesa. Nesta só se empregam as formas com u.
        A Nomina Anatomica consigna em latim a forma neuro para os termos anatômicos formados com este tema, como neurogliae neurofibra.[8]
        Seria desejável que todas as palavras que utilizam o elemento grego neûron fossem grafadas com u, proscrevendo-se as formas com v. Diríamos neuralgia, neurite, aponeurose, etc.
        Com a palavra os neurologistas.
 

Referências bibliográficas

1. MACHADO, J.P. - Dicionário onomástico etimológico da língua portuguesa, Ed. Confluência, s/d.
2. SKINNER, H.A. - The origin of medical terms, 2.ed. Baltimore, Williams & Wilkins, 1961, p.291.
3. MARCOVECCHIO, E. - Dizionario etimologico storico dei termini medici. Firenze, Ed. Festina Lente, 1993, p. 578.
4. MORAES SILVA, Antonio de - Dicionário da língua portuguesa. Lisboa,  Typographia Lacerdina, 1813.MORAES SILVA, Antonio de - Dicionário da língua portuguesa. Lisboa,  Typographia Lacerdina, 1813.
5. VIEIRA, D. - Grande dicionário português ou Tesouro da língua portuguesa. Porto, Ernesto Chardron e Bartholomeu H. de Moraes, 1871-1874.
6. GALVÃO, B.F.R. - Vocabulário etymologico, ortographico e prosodico das palavras portuguesas derivadas da língua grega. Rio de Janeiro, Liv. Francisco Alves, 1909.
7. ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS: Vocabulário ortográfico da língua portuguesa, 3. ed. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1999.
8. FEDERATIVE COMMITTEE ON ANATOMICAL TERMINOLOGY. - Terminologia anatomica. Stuttgart, Georg Thieme Verlag, 1998, p.104.

Publicado no livro Linguagem Médica, 3a. ed., Goiânia, AB Editora e Distribuidora de Livros Ltda, 2004..  

Joffre M de Rezende
Prof. Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás
Membro da Sociedade Brasileira de História da Medicina
e-mail: pedro@jmrezende.com.br
http://www.jmrezende.com.br
10/09/2004.