LINGUAGEM MÉDICA
 

TERMINOLOGIA ANATOMICA

        Com este título, a Federação Internacional de Associações de Anatomistas aprovou e autorizou a publicação de uma nova edição atualizada da nomenclatura anatômica, em latim, com as traduções dos termos em inglês, o que se efetivou em 1998.[1]
        Numa aparente ruptura com o passado, abandonou a denominação tradicional de Nomina Anatomica que vinha sendo usada desde a primeira edição da nomenclatura, conhecida pela sigla BNA (Basle Nomina Anatomica), em virtude de ter sido adotada em um Congresso de Anatomia que se realizou na cidade de Basiléia, na Suiça, em 1895.
        Sucessivas revisões da nomenclatura anatômica foram realizadas a partir da BNA no decorrer do século XX, sendo uma das mais importantes a que foi aprovada pelo VI Congresso Internacional de Anatomia, reunido em Paris, em 1955, e que ficou conhecida como PNA (Parisiensia Nomina Anatomica).
        Outras revisões ulteriores tiveram prosseguimento, a última das quais por ocasião do XII Congresso Internacional de Anatomia, reunido em Londres em 1985, que culminou com a 6a. edição da Nomina Anatomica, publicada em 1989.[2]
        Conforme expõe o Prof. Liberato J.A.Di Dio, o Comitê Internacional de Nomenclatura Anatômica (IANC), encarregado da revisão periódica da Nomina Anatomica, reivindicou uma posição autônoma, fora da jurisdição da Federação Internacional das Associações de Anatomistas (IFAA). A Federação, discordando da pretensão do IANC, criou um novo comitê com a denominação em inglês de Federative Committee on Anatomical Terminology (FCAT).[1]
        Segundo consta da 6a. edição da Nomina Anatomica, o IANC contava, na ocasião, com a participação de 105 membros, distribuídos em 10 subcomitês.[2]  Já o FCAT foi inicialmente constituído de 12 membros, dos quais apenas 5 integravam o antigo comitê. Por ocasião do XIV Congresso Internacional da Federação, realizado em Lisboa em 1994, o número de membros do FCAT foi ampliado para 18 e, a seguir, para 20.[1]
        Coube ao FCAT elaborar a edição atual da nomenclatura anatômica, a qual, após ter sido submetida à aprovação das sociedades integrandes da Federação, foi publicada em 1998 com o título de Terminologia Anatomica.
        Nada temos a ver com as decisões da Federação, nem nos cabe comentar as razões que as motivaram. O que nos leva a escrever estas linhas é tão-somente a estranheza com que recebemos a mudança da denominação de Nomina Anatomica para Terminologia Anatomica.
        Desde a BNA, a nomenclatura é redigida em latim sob a denominação de Nomina Anatomica. Nomina, plural de nomen, é palavra genuinamente latina, encontrada nos textos de autores clássicos.[3][4] Terminologia é uma palavra híbrida, que não existia em latim, e que foi introduzida tardiamente nas línguas de cultura. Inicialmente usada em alemão, foi incorporada ao inglês e francês no início do século XIX.[5][6]
        Nenhuma explicação foi apresentada para justificar a mudança. E, se alguma razão houvesse, de ordem semântica ou etimológica, a mesma não deveria prevalecer em face da tradição e do uso já consagrado de Nomina.
        Quer-nos parecer que se trata realmente de uma demonstração de ruptura com o passado, a que nos referimos. A Nomina Anatomica estava já na 6a. edição e, a manter a mesma denominação, a presente edição seria a sétima.
        Muito embora a nomenclatura atual tenha sido inteiramente elaborada com base no trabalho desenvolvido e aprimorado em sucessivas edições da Nomina Anatomica por competentes anatomistas, durante nada menos de 100 anos, a Terminologia Anatomica é dada a lume como edição princeps de uma nova publicação aparentemente desvinculada das anteriores que lhe deram origem. O Chairman do FCAT, Ian Whitmore, conclui o prefácio da Terminologia Anatomica com as seguintes palavras: "Having been adopted by the IFAA this terminology supersedes all previous lists." [1]
        Além das razões históricas apontadas, a denominação de Terminologia retirou da nomenclatura a auréola do latim clássico, que a tornava solene e lhe conferia autoridade. A denominação de Terminologia vulgarizou-a, trouxe-a para a planura da modernidade, tornando-a passível de questionamentos e sem a mesma força normatizadora.
        Esperamos que a Federação reconsidere a sua decisão e volte a usar, em edições futuras, a antiga e tradicional denominação de Nomina Anatomica, a que nos habituamos e que aprendemos a respeitar como expressão de um saber hierático e inquestionável.
 

Referências bibliográficas

1. FEDERATIVE COMMITTEE ON ANATOMICAL TERMINOLOGY. - Terminologia anatomica. Stuttgart, Georg Thieme Verlag, 1998.
2. INTERNATIONAL ANATOMICAL NOMENCLATURE COMMITTEE. - Nomina Anatomica. Edinburgh, Churchill Livingstone, 1989.
3. FARIA, E. - Gramática superior da língua latina. Rio de Janeiro, Liv. Acadêmica, 1958, p.99
4. SARAIVA, F.R.S. Novíssimo Dicionario latino-português, 10. ed., Rio de Janeiro, Livraria Garnier, 1993.
5. BLOCH, O., VON WARTBURG, W. - Dictionnaire étymologique de la langue française, 7.ed.Paris, Presses Universitaires de France, 1986.
6. OXFORD ENGLISH DICTIONARY (Shorter), 3.ed. Oxford, Claredon Press, 1978.


Publicado no livro Linguagem Médica, 3a. ed., Goiânia, AB Editora e Distribuidora de Livros Ltda, 2004..  

Joffre M de Rezende
Prof. Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás
Membro da Sociedade Brasileira de História da Medicina
e-mail: pedro@jmrezende.com.br
http://www.jmrezende.com.br

10/9/2004.