PÂNCREAS, PANCREOPATIA, PANCREATOPATIA
A palavra pâncreas
é formada dos elementos gregos pan (pag), todo + kréas,
carne (todo carne). Esta denominação é atribuída
a Herophilus (300 AC), médico de Alexandria, considerado o Pai
da Anatomia, por ter sido o primeiro a realizar dissecções
públicas em corpos humanos e de animais. Dentre as suas contribuições
à anatomia está a descrição do pâncreas,
assim chamado provavelmente em razão da delicadeza do tecido que
o constitui.[1] O termo pâncreas, contudo, fora empregado por Aristóteles,
que viveu de 384 a 322 AC, e, assim, poderia ser anterior a Herophilus.[2]
Ruphus de Ephesus, médico
do início da era cristã, adotou a denominação
de pankréas dado à glândula em seu tratado de
nomenclatura anatômica, intitulado Sobre os Nomes das Várias
Partes do Corpo. Pouco se conhece sobre a vida de Ruphus, porém
sabe-se que as suas obras exerceram grande influência na medicina
árabe e romana.[3]
Galeno, no século
II DC, acrescentou um segundo nome ao pâncreas, o de kallikréas,
que em grego, quer dizer bela carne (de kallós, belo + kréas,
carne).[4] Esta denominação perdurou em latim ao lado de
pancreas
e sobreviveu no termo calicreína, substância que se
acreditava fosse produzida no pâncreas.[5]
Por muito tempo o pâncreas
foi confundido com os gânglios mesentéricos; coube a Vesalius
(1514-1564) estabelecer a distinção em sua clássica
obra De Humanis Corporis Fabrica.
Apesar disso, a confusão
perdurou até o século XVII e, em 1627, Gaspar Aselli descrevia
como pâncreas, no cão, um aglomerado de gânglios mesentéricos
(pâncreas de Aselli).[6]
Deve-se a dois discípulos
de Wesling, na Universidade de Pádua, a descoberta do ducto excretor
da glândula. Em 1641, Hoffmann encontrou-o no galo e Wirsung o descreveu
no homem em 1642, tendo feito uma gravura em cobre mostrando o sistema
excretor do pâncreas. Um exemplar dessa gravura foi enviado a Riolan,
professor de anatomia em Paris, em 1643. Wirsung morreu assassinado a 22
de agosto desse mesmo ano, aparentemente em razão da disputa pela
prioridade da descoberta do ducto pancreático. Claude Bernard, em
1856, assim se refere a esse assassinato: "Constatamos novamente que as
descobertas anatômicas e fisiológicas despertam menos paixões
atualmente".[7]
O canal acessório
do pâncreas só foi descoberto em 1724, por Santorini.[6]
Por muito tempo o pâncreas
e as glândulas salivares foram considerados órgãos
idênticos, cujas secreções teriam as mesmas funções.
A denominação dada ao pâncreas em alemão, de
Bauchspeicheldrüse,
literalmente glândula salivar do abdome, é uma reminiscência
desse antigo conceito.
A história do tecido
endócrino do pâncreas teve início em 1869, com a descoberta,
por Paul Langherans, da existência de grupos de células epitelióides
distribuídas no tecido interacinar da glândula. Langherans
não atribuiu qualquer função às células
por ele descobertas e a denominação de ilhotas de Langherans
foi dada por Laguèsse em 1893.[8]
A relação
entre diabetes mellitus e secreção endócrina
do pâncreas foi estabelecida por Mering e Minkowski em 1890, pela
extirpação do pâncreas no cão.
Em 1913, Schaefer admitiu
fossem as ilhotas de Langherans responsáveis pela produção
de uma secreção endócrina capaz de atuar no metabolismo
glicídico e propôs para a mesma, antes de seu isolamento,
o nome de insulina (do latim insula, ilha).[1] Como se sabe, a insulina
só foi isolada em 1921, por Banting e Best, no Laboratório
de Mac Leod, em Toronto, no Canadá.
O pâncreas, talvez
por sua situação topográfica, é pouco conhecido
dos leigos, não tendo recebido denominação de uso
popular. Tratando-se de reses, é conhecido em matadouros por moleja,
termo que também designa o timo desses animais. Moleja é
ainda usado como sinônimo de fressuras e miúdos de animais,
especialmente aves.
Em espanhol existe a mesma
palavra, molleja, empregada principalmente para o estômago
carnoso das aves, o equivalente à moela em português.[9]
Em inglês, o pâncreas
de vitela, quando preparado como alimento, é conhecido por sweetbread,
sendo considerado fina iguaria. Usa-se o mesmo termo também para
o timo.[10] O correspondente em francês a sweetbread é
ris
de veau e, em alemão, kalbsmilch.[11]
As doenças do pâncreas
tanto podem ser denominadas pancreopatias como pancreatopatias.
É norma que os compostos
de nomes gregos sejam, de preferência, formados a partir do genitivo.
Assim, por exemplo, de hépar, atos, formaram-se os compostos
hepatologia, hepatomegalia, hepatopatia e outros.
Há exceções,
entretanto, como ocorre com haîma, atos, em que se utiliza
o nominativo em alguns compostos, como hemograma, hemólise, hemopatia,
e o genitivo em outros, como hematologia, hematopoiese, hematoma.
Pankréas,
em grego, é um substantivo neutro da 3ª declinação,
que admite duas formas para o genitivo: uma forma com a terminação
em -atos e outra em -os.[12]
Portanto, mesmo obedecendo-se
à regra de formação dos compostos a partir do genitivo,
é admissível tanto pancreopatia como pancreatopatia.
O que não é recomendável é empregarem-se as
duas formas em um mesmo texto, porquanto a linguagem técnica deve
primar pela uniformidade da terminologia.
Referências bibliográficas
1. SKINNER, H.A. - The origin of medical terms, 2.ed.
Baltimore, Williams & Wilkins, 1961, p. 309
2. ARISTÓTELES - Historia animalium, II. 54b.
The Loeb Classsical Library, Cambridge, Harvard University Press, 1979,
vol. 1, p.180.
3. MAJOR, R.H. - A history of medicine. Oxford, Blackwell
Scientific Publications, 1954, vol. 1, p. 182-3.
4. LIDDELL, H.G., SCOTT, R. - A greek-english lexicon,
9.ed., Oxford, Claredon Press, 1983.
5. WERLE, E.: Discovery of the most important kallikrein
and kallikrein inhibitors. Handb. Exper. Pharmacol. 25: 1-6, 1970.
6. KELLY, E.C. - Encyclopedia of medical sources, 4.
ed. Baltimore, Williams & Willkins, 1948, p. 16 e 361.
7. BERNARD, C. - Leçons de physiologie appliquée
a la médecine, t. II. Paris, Baillière et Fils, 1856 , p.
171-172
8. MORTON, L.T. - A medical bibliography (Garrison and
Morton), 4.ed. London, Gower, 1983, p. 131.
9. COROMINAS, J. - Breve diccionario etimológico
de la lengua castellana, 3.ed., Madrid, Ed. Gredos, 1980.
10. OXFORD ENGLISH DICTIONARY (Shorter), 3.ed. Oxford,
Claredon Press, 1978.
11. VEILLON, E.: Medical dictionary. Barcelona, Editorial
Labor, 1950.
12. LOURO, J.I. - O grego aplicado à linguagem
científica. Porto, Ed. Educação Nacional, 1940, p.
212.