HISTÓRIA DA MEDICINA


PATOLOGIA MÉDICA NA LITERATURA REGIONAL GOIANA


Joffre Marcondes de Rezende*


Resumo


Neste artigo o autor relata os resultados de um levantamento que procedeu em 20 obras consagradas da literatura regional goiana sobre a ocorrência de alusões a condições mórbidas diversas. No total de 4.433 páginas lidas foram encontradas 80 referências, mencionadas de modo superficial e passageiro, sem constituir o tema principal no roteiro da narrativa. A doença citada maior número de vezes foi a malária.

Chama a atenção a ausência de menção ao pênfigo foliáceo, à epidemia conhecida como gripe espanhola, bem como à escassez de referências à febre amarela e à doença de Chagas, na época importantes endemias do estado de Goiás.


Unitermos: Literatura regional goiana, patologia médica.


Abstract


In this article, the author reports results from a search in twenty acclaimed works of literacy of the Goias State (Brazil) looking for citations on various morbid conditions. From a total of 4.433 pages read, only 80 references were found, from which all consisted of fleeting and superficial information, i.e., they were not the main subject of each narrative. Malaria was the disease more cited.

It is noteworthy that no mention to pemphigus foliaceus and to epidemic known as “gripe espanhola. In addition, few references to yellow fever and Chagas disease were found, at a time when both were remarkable endemic malaise in this region.


Key words. Regional literature of Goias State. Medical pathology.



Introdução


A literatura reflete a vida de um povo, sua cultura, seus costumes, sua linguagem, sua comunhão em sociedade, suas condições econômicas, seus problemas de saúde, sua qualidade de vida. Através de obras literárias clássicas do passado conhecemos hoje as doenças mais frequentes que acometiam as populações de cada região, em cada época. Tucidides, ao escrever a História da Guerra do Peloponeso relatou-nos com destaque a peste que assolou Atenas no século V a.C. Bocaccio, em seu livro Decamerão, nos legou o melhor registro da peste negra do século XIV em seus aspectos humanos. A obra de Shakespeare é recheada de argutas observações relacionadas à patologia médica. Thomas Mann serviu-se da tuberculose para a sua obra prima, Montanha Mágica. Tolstoi fez da enfermidade de seu personagem o fulcro de sua notável criação: A morte de Ivan Ilicht. Charles Dickens, que sofria de asma, transferiu sua doença para o seu personagem, Mr. Omer, em seu livro David Coperfield. Albert Camus retrata com fidelidade a tragédia de uma epidemia em seu romance A peste.

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* Professor Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás

Da Academia Goiana de Medicina e do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás




No Brasil temos o exemplo de Visconde de Taunay, quem descreveu em seu romance Inocência os sintomas apresentados por um doente, os quais permitiram o diagnóstico, a posterori, de uma endemia conhecida na época como mal de engasgo e que vem a ser a esofagopatia causada pela doença de Chagas.

Em dois recentes livros de ficção do médico e escritor Heitor Rosa, há duas doenças que fazem parte integrante da narrativa: a sífilis em Memórias de um cirurgião barbeiro e o Ergotismo, popularmente conhecido como Fogo de Santo Antônio, no livro Julgamento em Notre Dame.

As referências a doenças e problemas de saúde em obras literárias de ficção indicam, na maioria das vezes, a ocorrência e a importância conferida a eles no ambiente das criações que retratam a vida humana em sua inteireza. Citando Moacyr Scliar, “medicina e literatura partilham um território comum. Ambas lidam com a condição humana, a dor, a doença, a morte, e a figura do médico”.[13]

Talvez por isso, os médicos, ainda em plena atividade profissional, sentem-se atraídos pela literatura como meio de extravasar suas angústias e expressar seus sentimentos, o que levou à criação da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores. Muitos deles se destacam nesta atividade paralela e gozam de prestígio e elevado conceito entre os literatos. Em Goiás tivemos recentemente a confirmação deste fato quando a Sociedade Goiana de Letras elegeu um ilustre médico, o Prof. Hélio Moreira, para dirigir os destinos desta entidade no período 2009-2011.

A literatura goiana, historicamente de cunho regionalista, retrata a terra e a gente do interior, com seus costumes, sua cultura, sua linguagem, seu universo, e os fatos relevantes de cada época. Movido pelo desejo de conhecer as referências à patologia médica presentes em obras clássicas da literatura regional goiana, ocorreu-nos fazer um levantamento a respeito, excluindo naturalmente as publicações especíalmente dedicadas à história das doenças e da medicina em Goiás, dentre as quais se destacam, em ordem cronológica: Saúde e doenças em Goiás, da Profa. Lena Castelo Branco de Freitas[3], Médicos e medicina em Goiás, de Iúri Rincon Godinho [4], e “Dos primeiros tempos da saúde pública em Goiás à Faculdade de Medicina, de Maria Augusta Sant’Anna Moraes.[6]

Livros Selecionados


Como seria difícil, senão impossível, analisar toda a literatura existente, selecionamos 20 obras consagradas, oito das quais, de número 1 a 8, publicadas pelo Instituto Centro-Brasileiro de Cultura em uma coleção denominada Biblioteca Clássica Goiana – Século XX (Goiânia, ICBC, 2006). As demais obras citadas trazem a cidade onde foi editada, o editor e o ano da publicação. A tabela 1 indica também o número de páginas e o número de referências a condições mórbidas em cada uma delas.




TABELA 1

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Autor e obra Nº páginas Nº referências

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  1. Hugo de Carvalho Ramos

Tropas e boiadas, contos 163 04

2. Bernardo Elis.

Veranico de janeiro, contos 109 05

  1. Ely Brasiliense.

Pium, 5ª. ed., romance 148 17

  1. Carmo Bernardes.

Jurubatuba, romance 294 05

  1. Maria Helena Chein.

Joana e os três pecados, contos 127 02

  1. José J. Veiga.

Aquele mundo de Vasabarros,

romance 194 03

  1. Heleno Godoy.

Relações, romance 100 09

  1. Rosarita Fleury.

Elos da mesma corrente, romance 487 02

  1. Pedro Gomes. O pito aceso, contos.

S. Paulo, Rev. dos Tribunais, 1942. 111 03

  1. Bernardo Elis. Ermos e Gerais, contos.

S.Paulo, Martins Fontes, 2005. 247 05

  1. Couto de Magalhães.

Viagem ao Araguaia. Editora Três,

São Paulo (reedição), 1974 199 03

  1. Bernardo Guimarães.

O Ermitão de Muquem. São Paulo,

Edições Melhoramentos, s/d. 176 01

  1. João Accioli. Barro Preto, romance.

Rio de Janeiro. Emiel Editora, 1941. 304 03

  1. Basileu Toledo França. Pioneiros,

romance. Goiânia, Ed. da UFG, 1995 256 01

  1. S. Fleury Curado.

Memórias Históricas, 2ª. edição

Goiânia, Secretaria da Cultura, 1989. 388 03

16.Nelly Alves de Almeida.

Tempo de ontem.

Goiânia, Imprensa da UFG, 1972 259 04

17.José Martins Pereira de Alencastre.

Anais da província de Goiás. Brasília,

Ed.Ipiranga Ltda, 1979 (1ª.ed.de 1863) 392 03

  1. Americano do Brasil

Súmula de História de Goiás, 2ª. ed.

Goiânia, Dep. Estadual de Cultura, 1961 122 02

  1. W. Bariani Ortêncio

Sertão – O Rio e a Terra - contos

Rio de Janeiro, Livraria São José, 1959 209 04

20. Léo Godoy Otero, 2ª. ed.

O Caminho das boiadas -Romance

São Paulo, 2ª.ed. Edições GRDL, 1984 148 01

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Total 4.433 80


Muitas vezes, a interpretação da denominação popular utilizada para nomear uma doença ou sintoma oferece alguma dificuldade, ou porque o termo não encontra correspondente na terminologia médica ou porque é muito abrangente e pode ter mais de um significado. Quando coincide da palavra usada no texto ser a mesma da terminologia médica não reproduzimos o que se encontra no texto; caso contrário colocamos entre parênteses a palavra ou a expressão popular de que se valeu o autor.

Na relação que se segue (tabela 2), o algarismo em negrito refere-se ao autor, conforme a relação precedente, e o número subsequente, ao número da página ou das páginas onde se encontram as passagens citadas de cada obra, em conexão com a patologia médica:


TABELA 2

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Nome da enfermidade. Autor e obra Páginas das referências

___________________ (em negrito). (em claro) _______

Ancilostomíase: (fezes ancilostomizadas) 3-23

Aneurisma: 3-101

Anorexia: (não tinha prazer em comer) 7-31

Apendicite: 3-83

Apoplexia: (estupor) Nome antigo para AVC 15-81; 17-167

Bócio (papo): 2-60; 10-53

Bronquite: 5-43, 44

Cardiopatia: (doença do coração) 11-88

Câncer uterino: (câncer no útero) 9-74

Cólera: 15-123

Cretinismo: (bobo) 3-47, 48

Demência: (doido) 7-30, 45, 76

Dispepsia: (má digestão) 7-28

Diarréia: (destempero, escandescêcia) 4-228

Dispnéia: (folgo curto (dificuldade de respirar) 3-63; 7-30

Doença de Chagas 19-73

Eclâmpsia: 3-126

Epilepsia: (acesso) 7-57

Esplenomegalia: (baço inchado) 3-63

Febre: 10-155

Febre amarela: (vômito negro) 16-103

Febre intermitente: 11-44

Filariose: (elefantíase) 4-121, 122

Gota: 12-156

Gripe: 3-147

Hanseníase: (macutena, morfeia) 1-17; 10-239

Hepatomegalia: (fígado inchado) 4-236

Hemorróidas: (almorreimas) 2-21

Histeria: 8-20

Hordéolo (terçol): 1-150

Icterícia: (tiriça) 4-234

Idiotia: (bobo babento) 2-53

Incontinência urinária: (urina solta) 6-63

Infarto: (enfarte) 17-294

Insalubridade: 11- 52

Laqueadura de trompas: (ligadura de trompas) 5-115-117

Loucura: 10-19 a 109;

Luxação recidivante de patela: (rótulas que se deslocam) 7-70

Malária: P. falciparum: (febre maligna, sezão braba). 3-102, 104

Malária: P. vivax: (maleita, febre palustre) 2-49; 3-22, 30, 35, 36, 47, 48, 6, 102, 143; 4-188; 19-20,130.

Meningite: 16-47

Menstruação: (virou mulhé) 3-31

Micróbio: (bichinho que a gente não vê) 3-132

Morte súbita 9-21; 14-198;

Ofidismo: (picada de cascavel, ofendido) 3-141; 13-156, 253; 19-101

Palidez: (empalamado) 3-93, 143; 6-12; 13-93

Óbito materno (morrer de parto) 3-47; 16-42; 19-103

Pneumonia: (pleumonia) 3-102

Prostatectomia: (operação de próstata) 7-27

Puerpério,: (resguardo do parto) 1-159

Reumatismo: 18-106

Sangria: 6- 21

Sarampo: 16 - 230

Surdo-mudez: 1-71

Tétano: 3-102

Tísica (tosse e emagrecimento): 2-31, 8-199. 9-199

Triatomíneo (barbeiro): 4-53, 66, 242; 10-53; 13-95; 19-73

Tuberculose - m.q.tísica (mal-dos-peitos) 20-65

Tumor ósseo: (câncer no osso) 7-23, 46, 57

Úlcera cutânea: (ferida) 7-27, 31

Varíola: (bexiga) 15-76, 90, 97; 17-342; 18-82

Verminose: 3-22, 47, 141(lombriga).


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Definição das Doenças Mencionadas


Ancilostomíase – É a parasitose pelo Ancylostomo duodenalis, que causa anemia do tipo ferroprivo, denominada no passado de hipoemia intertropial, quando não se conhecia sua origem. Embora a espécie predominante no Brasil seja o Necator americanus, o nome de ancilostomíase ou ancilostomose se aplica a ambas as espécies. É interessante a expressão usada por Ely Brasiliense de fezes ancilostomizadas (3-23)


Aneurisma – Denomina-se aneurisma a dilatação sacular de uma artéria. Os aneurismas mais comuns são da aorta e podem localizar-se no segmento torácico, no arco da aorta ou mais abaixo, na aorta abdominal. A maioria dos casos se deve à arteriosclerose, porém antes que a sífilis contasse com uma terapêutica eficaz, com é a penicilina, era comum o aneurisma da aorta torácica de causa luética. À página 101, o autor do livro Pium, atribui a ruptura do aneurisma de seu personagem ao estresse emocional, o que se poderia explicar pela elevação da pressão arterial, distendendo as paredes do aneurisma.


Apendicite- O termo apendicite e o reconhecimento de que o apêndice é sede inicial de um processo inflamatório que se estende por toda a fossa ilíaca direita são relativamente recentes, datando do final do século XIX e início do século XX. Antes atribuía-se ao cecum a origem da inflamação e só se intervinha cirurgicamente quando havia formação de abscesso, para drenagem do pus. Deve-se ao médico norte-americano Reginaldo Heber Fitz a comprovação do papel do apêndice no processo. De início houve muita resistência às idéias de Fitz, sobretudo nos países europeus, onde sequer aceitavam o nome de apendicite, e os doentes continuaram a ser tratados ainda por algum tempo com purgativos na fase inicial e ópio se o processo evoluísse, para alívio da dor.


Bócio. O bócio sempre foi endêmico em Goiás e na população desassistida do interior era comum o crescimento do bócio até volumes impressionantes. Quando Bernardo Elis se refere ao negro Supriano (2-60) menciona que se tratava de um “papo incômodo, que pesava quase uma arroba”. Na década de 1950 o cirurgião goiano Dr. Wilson Mendonça apresentou em um Congresso de Cirurgia um tema livre sob o título “Cirurgia de arroba”, que despertou muita curiosidade entre os participantes. Na sua apresentação exibiu fotos das peças cirúrgicas cujo peso era próximo de uma arroba. Tratava-se de bócios e de tumores uterinos. No livro de Bernardo Elis, Ermos e Gerais há uma referência interessante (10-53) à associação do “barbeiro” (triatomíneo), “desses que produzem papo”, com o bócio endêmico Na época se acreditava que a causa do bócio endêmico fosse a doença de Chagas, descoberta por Carlos Chagas em 1909, o que não se confirmou.


Cólera – O cólera é uma doença infecciosa causada pela bactéria denominada Vibrio cholera, que se transmite por via oral, pela ingestão de água e alimentos contaminados e se reproduz rapidamente no intestino produzindo diarréia aquosa e desidratação intensa.

Manifesta-se comumente sob a forma de epidemias com mortalidade elevada se o doente não é tratado a tempo. É mencionada por Fleury Curado a propósito do episódio ocorrido na guerra do Paraguai conhecido por “Retirada da Laguna”, no qual morreram númerosos soldados brasileiros acometidos de cólera, como descreveu magistralmente Visconde de Taunay, em sua obra que se tornou clássica, tanto do ponto de vista histórico como literário. A tendência atual é dar o gênero feminino à doença, confundindo com cólera no sentido de raiva, ira, fúria, rancor, ódio.


Cretinismo: Incluímos na rubrica de cretinismo as referências a pessoas retardadas mentais, com deficiências múltiplas da atividade cerebral. São os chamados “bobos”, bastante conhecidos na antiga capital do Estado, onde encontravam e encontram amparo em uma instituição de caridade – o Asilo São Vicente de Paulo. No passado, foram considerados portadores da forma nervosa crônica da doença de Chagas, ou como cretinos por deficiência de hormônio tiroidiano proveniente do acometimento da tiróide pela doença de Chagas. A pretensa forma nervosa crônica foi descartada da patologia chagásica e um estudo realizado em 1962, por Luiz Carlos Lobo e cols. em Goiânia e na cidade de Goiás, demonstrou que a doença de Chagas não altera a função tiroidiana, não havendo, portanto, qualquer relação entre bócio endêmico e a doença de Chagas [5] . Tanto o bócio como o cretinismo decorrente do hipotiroidismo congênito, resultam da carência de iodo na alimentação, o que foi corrigido a partir da década de 1950 com a adição de iodo ao sal de cozinha.


Doença de Chagas ou Tripanosomíse americana). Doença descoberta pelo cientista brasileiro, Carlos Chagas, em 1909, de natureza infecciosa, sistêmica, causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi, transmitido por triatomíneos hematófagos (barbeiros), cuja principal espécie, hoje praticamente extinta no Brasil, é o Triatoma infestans. Originalmente de zona rural, passou a ser encontrada também em zona urbana e em regiões não endêmicas em razão do êxodo rural e da migração das populações. Evolui em duas fases: a fase aguda, de curta duração (30 a 40 dias), e a fase crônica, que compreende as seguintes formas clínicas: indeterminada (de cura aparente), forma cardíaca, forma digestiva e forma mista, ou cardiodigestiva, em que estão evidentes o comprometimento simultâneo do coração e do sistema digestivo. É mencionada uma única vez por Bariani Ortêncio em seu livro Sertão – o Rio e a Terra, em conexão com os triatomíneos: “Casa e muros de taipa, cheios de fendas, ninhos de ‘barbeiros’ chamados por eles de’chupão’, transmissores da horrível doença de Chagas”


Eclâmpsia – É uma séria complicação da gravidez que pode ocorrer antes, durante ou após o parto, consequente à toxemia gravídica. Manifesta-se por convulsões seguidas de um estado comatoso. É precedido por uma série de sintomas, como aumento da pressão arterial, cefaléia persistente, vertigens, fadiga, edema, oligúria, albuminúria. É uma das causas mais frequentes de mortalidade materna quando não se faz a prevenção no período pré-natal.

Empalamado – Trata-se de um regionalismo, que expressa o aspecto doentio da pessoa. Caracteriza-se principalmente pela palidez e aspecto edemaciado. Não corresponde a nenhuma doença específica. No romance Pium, de Ely Brasiliense, encontramos duas formas da palavra: empalamado (pg. 93) e impalamado (pg. 143). Somente empalamado (com e ) encontra-se dicionarizado.


Esplenomegalia – Significa baço de volume aumentado. A malária é uma das causas mais comuns de crescimento do baço. Não se trata de inflamação e sim de hipertrofia, com a finalidade de proporcionar maior defesa contra à ação do Plasmódio; por isso a esplenomegalia é comum em zonas malarígenas. A percepção de que se trata de simples hipertrofia fica patente no romance Pium, de Ely Brasiliense, quando o personagem Belmiro diz “O baço ta ficando inchado feito bolo de arrôiz”.


Febre amarela – Doença causada por um vírus transmitido pelo mosquito Aedes aegypti, o mesmo transmissor do dengue. Acomete vários órgãos, principalmente o fígado, produzindo icterícia; daí o seu nome de febre amarela. O reservatório natural do vírus são os macacos nas florestas, que contaminam o mosquito transmissor. Tem alta letalidade, de cerca de 50%, e não há medicamento antiviral específico. No passado, antes da descoberta de uma vacina imunizante eficaz, na década de 1930, propagava-se nas cidades como endemia e surtos epidêmicos. Goiás ainda faz parte da área de risco da febre amarela.


Febre intermitente – Febre com intervalos de apirexia como nas febres terçã e quartã da malária. Referida por Couto Magalhães na sua viagem ao Araguaia (pág. 44). “Ðesci sem prático... e saí na capital do Pará, perdendo parte de meus companheiros, vítimas de febres intermitentes”.


Filariose. – Comumente conhecida como elefantíase, é doença parasitária causada pelo nematódeo Wuchereria bancrofti, mais conhecido como filária. Em sua forma linfática, a mais frequente, as filarias localizam-se no sistema linfático dos membros inferiores, produzindo edema duro, com aumento progressivo do volume das pernas, que atinge grandes proporções, donde o seu nome de elefantíase. O parasito é transmitido pela fêmea do mosquito Culex quinquefasciatus popularmente chamado pernilongo ou muriçoca. No livro Jurubatuba de Carmo Bernardes a elefantíase é descrita às páginas 121-122 no personagem “seo-Jacó”, que atribuia a uma espécie de carrapato a origem da doença.


Gota – Doença reumática, inflamatória e metabólica, causada pelo aumento do ácido úrico no sangue, que se deposita nas articulações e nos tecidos sob a forma de monourato de sódio. Acomete predominantemente o sexo masculino, chegando a 95% dos casos. Evolui por surtos agudos de artrite, intermitentes, mais comumente nos pés. Cada crise tem a duração de cinco a sete dias. É referida por Bernardo Guimarães à página 156 do seu livro “O Ermitão de Muquem: “Também eu preciso bem apegar-me com a milagrosa Virgem a ver se me dá alívio a esta maldita gota que me atormenta”


Hanseníase – Nome dado à lepra no Brasil, em homenagem ao médico norueguês Gerhard Armauer Hansen, quem descobriu o bacilo da lepra (Mycobacterium leprae), em 1873. Em outros paises e em outros idiomas usa-se de preferência a denominação antiga de lepra. São sinônimos de lepra morféia e mal de Lázaro, razão pela qual as pessoas acometidas do mal são também chamadas morféticos ou lazarentos. Há duas formas clínicas da doença: a tuberculoide e a lepromatosa, esta última causando deformidades. O caso referido por Hugo de Carvalho Ramos, à pagina 17 de seu livro Tropas e Boiadas é, sem dúvida, da forma lepromatosa. Assim também no conto “As morféticas”de Bernardo Elis (10-247).


Hemorróidas – São dilatações das veias do plexo hemorroidário. Em Bernardo Elis, o personagem capitão Benedito sofria de almorreimas. Ao contrário do que possa parecer, almorreima não é um regionalismo, é sinônimo de hemorroida e sua existência na língua portuguesa antecedeu à hemorroida. Houaiss registra a datação histórica do século XVI para almorreima e do século XVII para hemorroida.


Histeria – Não chega a ser uma doença. É um transtorno passageiro do sistema nervoso que se repete com certa frequência, com manifestações psicossomáticas variáveis. É conhecida desde o tempo de Hipócrates (século V a.C.) quando se manifestava principalmente nas mulheres solteiras, donde o nome de histeria, do grego ístera, útero.

Para Freud a histeria é uma neurose causada por lembranças reprimidas de grande intensidade emocional. No livro de Rosarita Fleury, Elos da mesma corrente, a personagem que apresentava histeria foi infeliz no casamento e rejeitada pelo pai quando quis retornar à casa paterna, terminando por suicidar-se.

Icterícia – A icterícia caracteriza-se pela cor amarelada da pele e das mucosas. Pode ser causada pela excessiva hemólise dos glóbulos vermelhos do sangue, por insuficiência hepática ou por obstrução dos canais excretores da bile. No caso citado por Carmo Bernades no seu livro Jurubatuba “notei que o branco de seus olhos era um açafrão, de amarelo” trata-se de uma falência aguda do fígado, provavelmente por hepatite tóxica ou virótica, fulminante.


Infarto – Define-se infarto como a necrose de um tecido por obstrução da artéria que o irriga. Pode ocorrer em qualquer órgão, porém pela frequência e gravidade do infarto do miocárdio, quando se diz simplesmente infarto subentende-se que se trata do coração. Geralmente é precedido durante algum tempo por episódios de dor precordial a que se denomina angina, causada por isquemia do miocárdio. Quando a obstrução arterial se completa, a dor precordial é intensa, com propagação característica para o membro superior esquerdo. O prognóstico é variável e a maioria dos doentes se recupera com o tratamento. Todavia, no infarto agudo do miocárdio pode ocorrer a morte imediata, como no caso citado por Alencastre: “Em viagem para a sua diocese, faleceu na vila de Paracatu....de uma violenta dor sobre o coração, que só lhe pernitiu viver o tempo preciso para se lhe administrar o Sacramento da Penitência.” (17-294). A palavra enfarte tem sido usada em lugar de infarto pela imprensa leiga e pela televisão, o que é incorreto. Enfarte quer dizer inchação, tumefação, e nada tem a ver com infarto. .


Insalubridade – Condições que propiciam o aparecimento de doenças. Este foi um dos argumentos usados a favor da mudança da capital do estado de Goiás desde o século XIX. Couto de Magalhães, em seu livro Viagem ao Araguaia assim se refere à cidade de Goiás: “Quanto à salubridade, não conheço, entre todos os lugares por onde tenho viajado (e não poucos) um onde se reúnam tantas moléstias graves. Quase que se pode asseverar que não existe aqui um só homem são. A mielite, a hidropsia, hipertrofia do coração, os anerismas, a lepra de três espécies diferentes, a tísica, as pneumonias, as

febres paludosas, o raquitismo e idiotismo, o bócio, a sífilis e sobretudo as inflamações crônicas do estômago, fígado e intestinos, ou dizimam anualmente a população ou enfraqucem-na e a enervam, de modo que reproduzindo uma frase verdadeira e melanncólica do finado bispo, pode dizer-se que aqui se escoa a vida, gemendo constantemente.(pág. 52)

Laqueadura de trompas- Popularmente referida como ligadura de trompas, é um método de esterilização da mulher. Existem várias técnicas cirúrgicas para este fim, todas visando impedir a passagem do espermatozóide, evitando. assim, a fecundação. As mais empregadas utilizam anéis de plástico, clipes de titânio ou mesmo fios de sutura, de preferência a seccionar a trompa, pela possibilidade de recanalização do conduto nos casos em que a mulher deseje engravidar-se novamente. A laqueadura de trompas tem atualmente, por lei, a cobertura dos planos de saúde e do SUS. No conto Desencontros, de Maria Helena Chein, a personagem Cecília exige do marido uma avultada indenização para submeter-se à operação, caso inédito na literatura médica.

Loucura – Nome genérico, de cunho popular, de qualquer doença mental que conduz a um comportamento anormal. A descrição dos sintomas do personagem André Louco no livro Ermos e Gerais, de Bernardo Elis, sugere tratar-se de esquizofrenia, um transtorno complexo e grave da mente, com dissociação da personalidade e perda parcial ou total da afetividade. Ao mesmo tempo, mostra a maneira desumana com que eram tratados, na época, os doentes mentais.

Malária - Conhecida popularmente por sezão, maleita, paludismo, febre palustre, é uma doença de caráter universal, endêmica em todos os continentes, que se espalhou por todo o território do nosso País na época da colonização e que atualmente se restringe à região amazônica. É causada por um protozoário do gênero Plasmódio, de que há duas espécies principais: Plasmódio vivax e Plasmódio falciparum. Embora os sintomas iniciais sejam os mesmos, o quadro clínico, a evolução e o prognóstico são mais graves na infecção pelo P. falciparum. O sertanejo distingue as duas formas chamando a segunda de sezão braba ou febre maligna.

Meningite – A meningite vem a ser, como o nome indica, inflamação das membranas que revestem o encéfalo e a medula espinhal, conhecidas em conjunto como meninges. Os casos agudos são causados por bactérias, a principal das quais, de maior patogenicidade e que pode ocorrer em surtos epidêmicos é o mengincoco (Neisseria meningitidis) Nelly Alves de Almeida se refere à gravidade da doença e suas sequelas: “...em pequenino, sofrera meningite, salvando-se da morte por milagre. Como sempre acontece nesse caso, não ficou, ao se livrar da doença, perfeitamente normal” (16-47).

Mijacão – Termo popular, averbado como brasileirismo, para designar abscesso na sola do pé ou entre os dedos. À página 81 de Jurubatuba, de Carmo Bernardes, lê-se:

...seu pai estava amunhecado em casa passando mal com um mijacão no pé”E, à página 91: “Assim que ele sarou do mijacão, ainda manquejando, me procurou...!


Morte súbita - Entende-se por morte súbita a que ocorre sem manifestações de doença prévia, em pessoas aparentemente sãs. Muitas são as causas de morte súbita. As mais comuns são o infarto agudo do miocárdio, o acidente vascular cerebral (AVC) e a cardiopatia chagásica, nas regiões onde a Doença de Chagas é endêmica, como foi em Goiás até a década de 1980. Nos casos relatados por Pedro Gomes, em Pito Aceso e por Basileu Toledo França, em Pioneiros, não se pode afastar a Doença de Chagas como causa do óbito.


Óbito materno – A Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial de Saúde assim define óbito materno: “morte de mulheres durante a gestação ou dentro de um período de 42 dias após o término da gravidez, devida a qualquer causa relacionada ou agravada com a gravidez ou por medidas tomadas em relação a ela”. As causas mais comuns, quando a paciente não tem assistência pré-natal e obstétrica adequadas são a eclâmpsia e a hemorragia pós-parto.


Ofidismo- Antes que Vital Brasil criasse o soro anticrotálico e antibotrópico, uma das causas mais comuns de morte no interior do País era por mordedura de cobra, especialmente pela cascavel (Crotalus terrificus) Os acidentes eram mais frequentes em pessoas do sexo masculino, trabalhadores rurais, na faixa etária de 15 a 49 anos. Mesmo após a disponibilização do soro a mortalidade continuou elevada. Basta dizer que no período compreendido entre 1979 e 1998 foram registrados 3.614 óbitos por acidente ofídico em todo o País. Com a mecanização da agricultura tem havido um declínio no número de acidentes. No episódio narrado no livro Pium, o personagem Domingos conseguiu antecipar-se à cascavel, ferindo-a mortalmente. No livro Barro Preto de João Accioli, lê-se à pagina 253: “o caboclo mal tem tempo de gritar ao companheiro mais próximo: Fulano, fui ofendido! Me acuda”


Reumatismo- O termo reumatismo não se refere a nenhuma doença específica e sim a um grupo de doenças que afetam as articulações, ossos e músculos e que têm em comum a presença de dores e limitação de movimentos. Pode ser agudo ou crônico. A forma crônica articular é mais frequente nas pessoas idosas e se deve, principalmente, à artrose ou à osteoartrite, que acometem a cartilagem articular. No relato de Americano do Brasil (18-106): “o terceiro presidente goiano, tomou posse a 4 de setembro de 1839, enquanto seu antecessor, afetado de reumatismo crônico, seguia para Meia-Ponte”


Sangria- De acordo com a teoria humoral, que guiou o pensamento médico por mais de 2.000 anos, haveria quatro humores no organismo (sangue, fleuma, bile amarela e bile negra) e o estado de saúde dependeria da exata proporção e da perfeita mistura desses quatro humores O excesso ou deficiência de qualquer deles, assim como o seu isolamento ou miscigenação inadequada, causariam as doenças com o seu cortejo sintomático. A recuperação do enfermo se daria com a eliminação do humor excedente ou alterado. O médico poderia auxiliar as forças curativas da Natureza, retirando do corpo o humor em excesso ou defeituoso, a fim de restaurar o equilíbrio. Com esta finalidade, surgiram os quatro principais métodos terapêuticos: sangria, purgativos, eméticos e clisteres. A sangria tornou-se uma panacéia universal e era usada para todos os males. No livro de José J.Veiga, Naquele mundo de Vasabarros, o personagem Simpatia encontrava-se “in extremis” quando foi sangrado. O médico, Dr. Bolda, teve muita dificuldade em obter certa quantidade de sangue,”uma tinta rala com laivos amarelados, mais parecia caldo de amora”. Deduz-se que o paciente estava anêmico e pelo que sabemos hoje só poderia piorar com a sangria. O episódio retrata bem a medicina da época.


Sarampo – Doença infecciosa viral, muito contagiosa, comum na infância, que acomete o sistema respiratório e produz uma erupção eritematosa em todo o corpo. É originária da Europa, de onde veio trazida por Colombo. Embora a maioria dos pacientes se recuperem, pode ser grave e letal, especialmente em populações que entram em contato com o vírus pela primeira vez, como ocorreu com os indígenas das Américas, que foram dizimados por esta enfermidade, além da varíola. Nelly Alves de Almeida menciona em seu livro um caso mortal em paciente jovem: “...invocávamos a alma de nossa amiga Cotinha que morrera de sarampo” (pág. 230). A partir de 1963, com a introdução da vacina específica, os casos de sarampo tornaram-se raridade.


Tétano – Doença infecciosa, grave, não contagiosa, causada por uma neurotoxina da bactéria Clostridium tetani. Esta bactéria é encontrada no solo, em estercos, plantas e objetos contaminados sob a forma de esporos, os quais penetram no organismo através da pele, em ferimentos de qualquer natureza, especialmente os perfurantes, por menores que sejam. Ely Brasiliense assim se refere ao tétano à página 102 do seu livro Pium: Toda semana morria gente....até de estrepada no pé onde o tétano mergulhava traiçoeiramente. A doença manifesta-se por contraturas musculares, mais acentuadas no pescoço que se mostra enrijecido e em opistótono (hiperextensão). O paciente tem dificuldade de abrir a boca (trisma) e de deglutir A contratura dos músculos respiratórios e do diafragma levam à dificuldade de respirar e asfixia. O tratamento é feito com imunoglobulina antitetânica ou, na falta desta, com soro antitetânico . A prevenção do tétano faz parte da vacinação múltipla da infância.


Tísica - O mesmo que tuberculose. A palavra tísica, de origem grega, é uma das mais antigas em medicina. Em latim, a partir do século XIV a palavra ganhou o sinônimo de consumptio, onis (consunção), ou seja, doença que vai consumindo as forças do indivíduo, levando-o à desnutrição progressiva, à debilidade e à inanição, até causar-lhe a morte. As principais manifestações clínicas associadas são a palidez, a febre, sudorese, e os sintomas pulmonares, caracterizados pela tosse, expectoração purulenta ou sanguinolenta e, por vezes, a hemoptise. As duas palavras, a grega e a latina, conviveram como sinônimos intercambiáveis. No século XVII, depois que se verificou a presença de tubérculos nos pulmões, nesta doença, criou-se a palavra tuberculose, que substituiu os termos tísica e consunção.

Triatomíneos – São insetos hematófagos, popularmente conhecidos como “barbeiros”. Sugam o sangue de animais e do homem, em geral à noite, quando a pessoa dorme. Colonizam-se em domicílio, em casas primitivas feitas de barro e pau-a-pique, e quando são numerosos, produzem verdadeiras sangrias nos moradores; daí provavelmente o seu nome de “barbeiro”, comparando-o ao barbeiro sangrador da medicina colonial e não, como se divulga habitualmente ao fato do barbeiro picar de preferência à face que fica descoberta durante o sono. Sua importância médica reside em ser ele o transmissor da doença de Chagas. Carmo Bernardes, à pg 53 do seu livro Jurubatuba, relata. “...lumiei debaixo dos forros, contei uns quatro ou cinco barbeiros, alguns deles já de meia ceva....lumiei o chão perto do ninho de palhas de arroz onde o companheiro esteve deitado – levei um espanto com o tanto de barbeiro gordo que vi lá rolando na poeira...”E, na página 66, descreve a reação cutânea à picada do barbeiro como um “calombo” com especial menção a uma picada no braço que produziu “inchação”. João Accioli expressa bem a ação danosa do barbeiro, à página 95 do livro Barro Preto: “E vão bebendo a energia, chupando a vida, contaminando, a pouco e pouco, o sangue dos mal-avisados”.


Tuberculose – (mal dos peitos) Nome mais recente da tísica. Foi utilizado por Léo Godoy Otero em seu livro O Caminho das boiadas: “Criei ela a rogo do pai da cuja, finado de mal-dos-peitos, morador em São Paulo”(20-65).


Varíola - Doença causada por um vírus que só infecta seres humanos e se transmite de pessoa a pessoa; por isso foi possível eliminá-la com a vacinação preventiva universal. Em 1980, a Organização Mundial de Saúde considerou a varíola extinta em todo o mundo. No passado, entretanto, foi responsável por grandes epidemias com alta mortalidade. Quando o doente sobrevivia ficava com cicatrizes indeléveis no rosto e no corpo provenientes das pústulas que se formavam na superfície cutânea. A varíola foi introduzida no continente americano, vinda da Europa e da África, pelos colonizadores e pelos escravos. Os povos nativos, sem nenhuma imunidade, eram dizimados pela varíola. Calcula-se que a varíola tenha ocasionado em nosso País maior número de óbitos nos três primeiros séculos de colonização do que todas as outras doenças reunidas. Em linguagem popular é também conhecida como bexiga. S. Fleury Curado cita a varíola em três passagens de suas Memórias. À página 76, referindo-se ao Governador de Goiás, Fernando Delgado Castilho, diz: “Com sábias medidas preservou a Capitania da propagação da varíola que já tinha se manifestado em Meia Ponte”. Esta epidemia ocorreu em 1811. À página 90 identifica as cicatrizes deixadas pela varíola: “Augusto Serpa, caboclo, rosto marcado de sinais de varíola” e á pagina 97 usa bexiga em lugar de varíola: “Era cheio de corpo, rosto pálido, picado de bexigas.” Alencastre, por sua vez, refere-se à epidemia de 1811: “Tendo a varíola invadido o sul de Goiás em 1811 e atacado o arraial de Meia Ponte”....as medidas sanitárias tomadas “...impediram que o mal se propagasse e fosse à Capital, como em 1771” (17-342). Americano do Brasil. à página 82 do seu livro “Súmula da História de Goiás” também se refere à erupção de varíola no distrito de Meia Ponte”. A ocorrência desta epidemia em Meia Ponte (hoje Pirenópolis) deu origem a um poema de autoria de Florêncio Antônio da Fonseca Groston em homenagem ao Cap. Joaquim Alves de Oliveira pela atuação deste durante a epidemia. [8]


Verminose- A verminose, tão comum na zona rural, engloba várias espécies de helmintos, dentre os quais o Ascaris lumbricóides. Por sua dimensão e aspecto cilíndrico chama mais a atenção, recebendo o nome popular de lombriga. Os helmintos mais nocivos, entretanto, são o Necator americanus, que causa anemia, e o Strongyloides stercoralis, de alta patogenicidade, porém chamam menos a atenção por seu reduzido tamanho.


Comentário


Pela leitura dos livros selecionados vemos que em nenhum deles a narrativa se desenvolve em torno de determinada enfermidade, não havendo referência a sintomas e sinais que permitem o diagnóstico da doença e sua importância para a saúde pública. Todavia, em todos eles há pelo menos uma breve e superficial menção a uma condição mórbida. Na relação das doenças citadas, a que aparece mais vezes é a malária, sendo duas vezes em sua forma maligna, produzida pelo Plasmódio falciparum, citada por um único autor, e treze vezes em sua forma benigna, produzida pelo Plasmódio vivax, mencionada por quatro autores. A referência aos triatomíneos (barbeiros) aparece com o total de seis citações por quatro autores, sendo que apenas um faz conexão entre os triatomíneos e a doença de Chagas. A varíola conta com cinco referências por três autores. A tuberculose (tísica) tem quatro referências por quatro autores, uma de cada autor. A condição de “empalamado” (palidez) e o ofidismo são mencionados quatro vezes, por três autores. Segue-se o óbito materno com três citações, por três autores. As demais entidades mórbidas contam com apenas uma ou duas referências conforme mostra a Tabela 2.

O autor com maior número de referências à patologia médica dentre as 20 obras selecionadas é Ely Brasiliense, no romance Pium, com 17 citações, seguido por Heleno Godoy, no romance Relações, com 9 citações. Os demais figuram com o número de um a cinco referências. No total das 20 obras encontramos o total de 80 referências em 4.433 páginas lidas.

Causa estranheza a ausência do Pênfigo foliáceo, popularmente chamado de fogo selvagem e da epidemia da ”gripe espanhola“ na citada relação, bem como a escassa referência à febre amarela e à Doença de Chagas. O pênfigo era uma endemia frequente em Goiás, que despertava a atenção por se tratar de uma enfermidade cutânea facilmente identificável. Todavia, poderia ter sido confundido com a lepra. Sua incidência era tal que Goiás se tornou o foco mais numeroso de pênfigo no Brasil e motivou a criação, em 1952, de um Hospital em Goiânia, conhecido como Hospital do Pênfigo, para tratamento desta doença. O Serviço era dirigido pelo dermatologista Anuar Auad, quem chegou a atender, entre 1952 e 1970, 2.663 casos.[1] Com o declínio da sua demanda, o Hospital passou a atender as doenças infecciosas em geral, mudando o seu nome para Hospital de Doenças Infecciosas (HDT) e posteriormente para Hospital Anuar Auad.

Igualmente não há referência à pandemia da “gripe espanhola”, que, em 1918-1919, assolou todos os continentes e propagou-se ao nosso País, atingindo vários estados, inclusive Goiás.[9]

A doença de Chagas, por sua vez, era a principal endemia da zona rural no Estado de Goiás, como ficou provado na viagem científica realizada por Arthur Neiva e Belisário Pena pelo interior do Brasil em 1912 e divulgada em 1916. [8] Somente um autor, Bariani Ortêncio, estabelece ligação entre os “barbeiros” e a doença de Chagas. Em nenhuma das obras selecionadas, no entanto, há menção às principais manifestações da doença de Chagas, que são a cardiopatia e o comprometimento do sistema digestivo. A cardiopatia se traduz por duas ocorrências principais: morte súbita e arritmia cardíaca (palpitações, comumente referidas pelos pacientes como “vexame” do coração). A morte súbita é imprevisível, sendo mais comum nos homens do que nas mulheres, principalmente naqueles que despendem maior esforço físico no trabalho, como agricultores e operários. Dr. Wilson Mendonça, quem realizou em 1951, nos municípios de Rio Verde e Montividiu, juntamente com o Prof. José Lima Pedreira de Freitas, uma das primeiras pesquisas sobre a doença de Chagas em Goiás examinaram 42 pessoas em Montividiu, na época distrito de Rio Verde, todos moradores em casas onde havia “barbeiros” e encontraram 15 com reação sorológica positiva para doença de Chagas, o que representa 35%. [2]

Ouvimos de Dr.Wilson Mendonça que havia um local em Montividiu conhecido como “Recanto das Viúvas”, tal o número de casos em que o marido morrera de morte súbita. Em todas as obras que lemos, há somente dois casos citados de morte súbita, que poderiam ser atribuídos à doença de Chagas: um no livro Pito aceso, de Pedro Gomes, e outro em Pioneiros, de Basileu Toledo França.

Em relação ao sistema digestivo são frequentes a dificuldade de ingerir os alimentos (mal de engasgo, entalação) e a obstipação intestinal (caseira), decorrentes, respectivamente, do megaesôfago e megacólon causados pela infecção chagásica. Não encontramos nenhuma alusão a estas manifestações da Doença de Chagas.

Neiva e Pena descreveram tanto casos de "vexame", como de "entalação" ou "mal de engasgo", “encontrados nas diferentes localidades por onde passaram ao longo de todo o trajeto nos estados da Bahia, Pernambuco, Piauí e Goiás” [8, 11]. Para se ter ideia da frequência do megaesôfago e do megacólon chagásicos em Goiás basta dizer que um único autor, em sete anos, reuniu a casuística de 820 casos de megaesôfago[12] e que o Prof. Hélio Moreira e seus auxiliares operaram no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás em 15 anos, 624 casos de megacólon.[7]

Concluindo, vemos que a literatura regional de Goiás faz referência passageira e superficial às condições mórbidas mais comuns, conhecidas da população, muitas delas com nomes populares. Em nenhuma delas, entretanto, a doença em si tem papel relevante no enredo da narrativa.

A propalada insalubridade da antiga cidade de Goiás, que foi utilizada como um dos argumentos para justificar a mudança da capital do Estado, teve pouca ou nenhuma repercussão na literatura regional goiana.



Referências Bibliográficas



1. AUAD, Anuar A. Pênfigo foliáceo Sul Americano no Estado de

Goiás. Rev Patol Trop. 1972; 2 :293-346.

8.

2. FREITAS, José Lima Pedreira de; MENDONÇA, Wilson. Inquérito sobre

moléstia de Chagas no município de Rio Verde (Estado de Goiás).

O Hospital, 1951, vol. 39(2):129- 143.


3. FREITAS, Lena Castelo Branco de (Org.). Saúde e doenças em Goiás:

A medicina possível. Goiânia. Editora UFG, 1999.


4. GODINHO, Iúri Rincon. Médicos e medicina em Goiás. Do século XVIII

aos dias atuais. Goiânia, Ed. Contato Comunicações, 2004.


5. LOBO, Luiz Carlos, FRIDMAN, Jacques, ROSENTHAL, Doris et al.

Interrelationship of Endemic Goiter and Chagas’Disease. J. Clin. Endocrinology

22: 1181-1186, 1962.


6. MORAES, Maria Augusta de Sant’Anna . Dos primeiros tempos da Saúde

Pública à Faculdade de Medicina. Goiânia, Cânone Editorial, 2012.


7. MOREIRA, Helio; REZENDE, Joffre M de; SEBBA, Farjala; AZEVEDO,

Ireno Flores de; LEITE, Arminda C de Almeida. Megacólon chagásico. Rev.

Colo-proctologia, 1983, vol. 3, n. 4, p. 152-162.


8. NEIVA, Arthur, PENNA, Belisário. - Viajem cientifica pelo norte da Bahia, Sudoeste de Pernambuco, sul do Piauí e de norte a sul de Goiás. Mem. Inst. Oswaldo Cruz 1916, 8:74-224.


9. OLIVEIRA, Eliezer Cardoso de. A poética da dor: A poesia-catástrofe em Goiás.

Disponível em http://www.congressohistoriajatai.org/anais2010.pdf

Acessado em 15/05/2013.


10. OLIVEIRA, Eliézer Cardoso de. A Gripe Espanhola em Goiás.Anais do

XXIII Simpósio Nacional de História, Londrina 2005 . Disponível em

http://anpuh.org/anais/wp-content/uploads/mp/pdf/ANPUH.S23.1209.pdf

Acessado em 17/04/2013


11. REZENDE, Joffre Marcondes de. A Viagem Científica de Neiva e Penna:

roteiro para os estudos das doenças do sertão”. História, Ciências, Saúde

Manguinhos vol. 16, supl.1, pp.265-288, julho de 2009.


12. REZENDE, Joffre Marcondes.The endemic South American Megaesophagus.

Clinical aspects. An. IInd World Congress of Gastroenterology. Vol. I: 69-74,

Basel, S. Karger, 1963.


13. SCLIAR, Moacyr. Conferência no Instituto Avançado de Estudos

Transdisciplinares. Sessão de 24/6/2004.Disponível em

http://www.tirodeletra.com.br/medicina/MoacyrScliar.htm. Acessado em

14.06.2013.


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