PSORÍASE
PSORÍACO,
PSÓRICO, PSORIÁTICO, PSORIÁSICO
Joffre
Marcondes de Rezende
À
Dra. Ana Gláucea Quarto Silva
A psoríase é conhecida desde a antiguidade. É
uma doença inflamatória, crônica da pele, não contagiosa,
multifatorial, com um componente genético e sujeita a períodos de
agravamento na dependência de outros fatores. Caracteriza-se por
manchas avermelhadas com a formação de escamas e placas nacaradas
que se soltam. Acomete principalmente as superfícies extensoras das
extremidades e do tronco. Uma de suas complicações mais freqüentes
é a chamada artrite psoriásica.
Psoríase
vem
do grego ώ
(psora), que
significa sarna, prurido e, por extensão, outras lesões cutâneas.
Segundo alguns
autores, Hipócrates descreveu lesões cutâneas descamantes, a que
deu o nome de
(lopoi), de ό
(lopos), casca de fruta. Não conseguimos localizar a fonte original
desta informação tanto no Corpus
hippocraticum como
em artigos publicados sobre psoríase, os quais utilizaram fonte
bibliográfica secundária.
Hipócrates usou ainda
o termo
(psoria) em
duas passagens, ambas se referindo ao sistema urinário, uma no
livro Natureza
do homem: [1]
“A
urina, antes clara, que de tempos em tempos se torna espessa contendo
matéria com aspecto de farelo, indica psoríase da bexiga”.
A outra passagem se encontra no
Aforismo IV,
77:[2]
“Quando a urina é espessa e com ela sai matéria semelhante a
farelo, significa psoríase da bexiga” É
de supor-se que o termo psoria
foi aqui empregado no sentido de descamação, como na psoríase
cutânea.
Celsus descreveu sob
o nome de vitiligo
três variedades de psoríase: alphos,
semelhante à lepra; melas,
quando apresentava alguma coloração e leuce,
de um branco brilhante e resistente ao tratamento. [3]
Há divergência
entre os historiadores sobre quem teria usado pela primeira vez a
palavra psoríase. Segundo Marcovecchio teria sido Dioscórides, que
a empregou como sinônimo de ,
do verbo
,
coçar, arranhar [4].
A maioria dos
autores, no entanto, credita a Galeno a criação do termo
com o acréscimo do sufixo
–íasis
para
nomear a enfermidade [5] Todavia, Galeno teria confundido a psoríase
com a dermatite seborreica.[6]
Vários autores descreveram lesões cutâneas com
aspecto de psoríase usando outras denominações ou confundindo-a
com outras dermatoses. Desde os tempos bíblicos até o século
XVIII a psoríase era considerada doença contagiosa e confundida com
a lepra. Somente na década de 1840 von Hebra separou definitivamente
as duas entidades (7).
A partir de então, a psoríase firmou-se como
uma doença individualizada, diferenciando-se das demais dermatoses
por sua etiopatogenia, histopatologia, sintomas, formas clínicas,
evolução e tratamento.
Há um consenso
quanto ao nome psoríase
para a doença, que por vezes é abreviado para psora.
O mesmo não se dá em relação aos adjetivos correlatos. Nada menos
que quatro modalidades de adjetivos têm sido usados: psoríaco,
psórico, psoriático e psoriásico.
As duas últimas variedades não se encontram dicionarizadas em
português, apesar de serem largamente usadas na terminologia médica.
As formas averbadas em todos os léxicos consultados são psoríaco
e psórico.
Os dicionários Houaiss,(2009), Aurélio (1999) e Francisco Borba
(2002) registram somente psoríaco;
Domingos Vieira (1871-74) Nascentes (1961-67) e Michaelis (1998)
somente psórico;
Caldas Aulete (1980), Silveira Bueno (1963), Laudelino Freire, 3ª.
ed. (1957) Morais Silva (1949-59), José Pedro Machado (1977), e o
Vocabulário da Academia Brasileira de Letras, ambas as
formas.[8-18]. Em grego clássico o adjetivo usado era
ό
(psórico)
Psoriático
e psoriásico,
apesar de sua ausência nos léxicos, são considerados sinônimos e
empregados indistintamente na literatura médico-científica. A forma
psoriático
é própria da língua inglesa (psoriatic) e psoriásico
do espanhol e português. Na
base de dados da literatura latino-amercana e do Caribe, indexada em
três idiomas (português, espanhol e inglês) pela BIREME (Lilacs),
há, até esta data (24.1.2014), 118 entradas com a forma artrite
psoriásica
e 96 com artigos em que se usou artrite
psoriática.
Em nenhum caso foi empregado psoríaco ou psórico. [19] A Sociedade
Brasileira de Reumatologia adota psoriásica para designar a artrite
que ocorre na psoríase
artrite psoriásica.
Vemos, assim, que os autores de trabalhos médicos
rejeitam as formas psoríaco e psórico, averbadas nos
dicionários, preferindo as denominações já consagradas pelo uso.
Conforme recomenda Becker: “Na convenção sobre termos biomédicos
deve atentar-se em primeiro lugar, ao uso da maioria e à
tradição”.[20]
É bom lembrar que os lexicógrafos não fazem a língua,
apenas registram as palavras em uso em determinado momento da sua
história. E, tratando-se de termos médicos, compete aos médicos
estabelecer a sua própria terminologia. Aqui não se trata de
neologismos e sim de uma opção entre palavras com o mesmo radical e
significado, que diferem entre si apenas quanto ao sufixo empregado.
Cabe aos dicionários adaptarem-se aos termos médicos em uso e não
o inverso.
Referências
bibliográficas
1. HIPPOCRATES. Sobre a natureza
do homem. Trad. de W.H.S. Jones.
Cambridge, Harvard University
Press, 1967, p. 38.
2. Idem. Aforismos.Idem, idem,
p. 155/6.
3. CELSUS. De Medicina.
Cambridge. Harvard University Press, vol. 2, 1961,
p. 173
4.
MARCOVECCHIO, Enrico - Dizionario etimologico
storico dei termini medici
Firenze, Ed.
Festina Lente, 1993.
5. DURLING, Richard J. A
dictionary of medical terms in Galen. Leiden, ed.
E. J. Brill, 1993.
6.
ROMITI, Ricardoi; MARAGNO, Luciana; ARNONE,
Marcelo; FONSECA, Maria D.
TAKAHASHI.
Psoríase na infância e na adolescência. An. Bras.
Dermatol. vol. 84 n°1,
jan./fev./ 2009.
7. HEBRA, Ferdinand. Diseases of
skin including the exanthemata,
vol. 1, trad.de C. Hilton
Fagge. London, The New Sydenham Society, 1866, p. 63
8. HOUAISS,
Antonio. Dicionário eletrônico Houaiss, 2009
9. FERREIRA, Aurélio Buarque
de Holanda. Novo dicionário Aurélio da
língua
portuguesa, 3.ed. Curitiba, Ed. Positivo, 2004.
10. BORBA, Francisco S. – Dicionário de
usos do português do Brasil
São Paulo, Editora Ática, 2002.
.
11. MICHAELIS -
Moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo,
Cia.
Melhoramentos, 1998.
12. NASCENTES, Antenor -
Dicionário da língua portuguesa (4 vol.)
Rio de
Janeiro. Academia Brasileira de Letras, 1961-1967.
13. VIEIRA, Frei Domingos -
Grande dicionário português ou Tesouro da
língua
Portuguesa. Porto, Ernesto Chardron e Bartholomeu H. de Moraes,
1871-1874.
14. AULETE, F.J.
Caldas , GARCIA, Hamilcar de - Dicionário contemporâneo
da língua
portuguesa, 3.ed. Rio de Janeiro, Ed. Delta, 1980.
15. BUENO,
Francisco da Silveira - Grande dicionário etimológico-prosódico
da língua
portuguesa. São Paulo, Ed. Saraiva, 1963.
16. MORAIS SILVA,
Antonio de - Grande dicionário da língua portuguesa,
10.ed. (12
vol.), Lisboa, Confluência, 1949-1959.
17. MACHADO, José
Pedro - Dicionário etimológico da língua portuguesa,
3.ed. Lisboa,
Livros Horizonte, 1977.
18. ACADEMIA BRASILEIRA DE
LETRAS – Vocabulário ortográfico da
língua
portuguesa, 5ª. ed., 2009.
19. BIREME. (Lilacs).
Disponível em
http://bases.bireme.br/cgi-bin/wxislind.exe/iah/online/
Acessado em
24.01.2014.
20. BECKER, Idel -
Nomenclatura biomédica no idioma português do Brasil.
São Paulo,
Liv. Nobel, 1968, p. 337.
Joffre M. de Rezende
fevereiro 2014