RESSUSCITAÇÃO OU REANIMAÇÃO?
Na eventualidade de uma parada
cardiorrespiratória, emprega-se um conjunto de procedimentos médicos,
como a massagem cardíaca externa, ventilação pulmonar
artificial e outras medidas terapêuticas com a finalidade de obter-se
a ressuscitação
ou
reanimação cardiopulmonar
do
paciente.
As tentativas de restituir
a vida às pessoas em morte aparente por parada cardiorrespiratória
são bem antigas e o primeiro método empregado com essa finalidade
foi a respiração boca-a-boca, como sugere a seguinte passagem
bíblica em que o profeta Eliseu reanimou uma criança dada
como morta: "E subiu, e deitou-se sobre o menino, e, pondo sua boca
sobre a boca dele, e o seus olhos sobre os olhos dele,, e as suas mãos
sobre as mãos dele, se estendeu sobre ele; e a carne do menino aqueceu"
(Reis
II 9:34).
A traqueotomia fora empregada
já no século XII e no século XVI Paracelso teve a
idéia de utilizar o fole para ventilar os pulmões. A massagem
cardíaca externa foi introduzida na prática por Balassa em
1858 e a massagem direta do coração com abertura do tórax
por Igelsrud, em 1901. [1]
O uso do desfibrilador data
de 1947, quando foi utilizado pela primeira vez com sucesso por Beck, em
Cleveland. [2]
Desde então, houve
um grande progresso na compreensão da etiologia e da fisiopatologia
das diferentes modalidades de parada cardiorrespiratória e na maneira
de tratá-la.
Voltando à questão
inicial: qual seria o termo mais apropriado para denominar o conjunto de
medidas terapêuticas utilizado na recuperação do paciente:
ressuscitação
ou
reanimação?
Ressuscitação
origina-se do latim resuscitatio, onis, do verbo resuscito,
are, formado da partícula re, no sentido de
renovação, e o verbo suscito, are que, entre
outras acepções, tem a de despertar, acordar, recobrar os
sentidos. [3] Em suas raízes etimológicas,
suscito,
por sua vez, deriva do verbo cito, ciere, que significa por
em movimento. Da mesma raiz são os verbos concitar, incitar
e excitar. [4]
Assim, o sentido primordial
de ressuscitar
é o de restabelecer o movimento, ou seja,
a vida, pois a vida é movimento, ao contrário da morte, que
é a imobilidade. E a vida depende basicamente da respiração
e do movimento do sangue, noção que remonta às antigas
civilizações, conforme atestam as seguintes passagens bíblicas:
"...e
soprou-lhe nas narinas o fôlego da vida e o homem foi feito alma
vivente." (Gen. 2.7);
"se lhes tira a respiração morrem
e voltam ao seu pó"
(Salmos 104.29); "a alma da carne é
o sangue"(Lev. 17.11);
"o sangue é a vida"(Deut. 12.23).
Reanimação,
por sua vez, compõe-se do prefixo re + anima + sufixo -ção.
Anima, em
latim, tanto significa sopro, respiração, como vida e alma.
Novamente aqui vemos a identificação da vida com a entrada
de ar nos pulmões. Reanimar é restituir o sopro da vida,
a alma do vivente.
Há uma tendência
atual na moderna cardiologia de empregar, de preferência, reanimação,
em lugar de ressuscitação, nos casos de parada cardíaca,
talvez pela conotação mágico-religiosa que adquiriu
o termo ressuscitação. Ressuscitar traz-nos à
mente o milagre da ressurreição, a volta à vida de
quem já se encontrava definitivamente morto, como nos exemplos bíblicos
da ressurreição de Lázaro, da filha de Jairo, e do
próprio Cristo.
Em que pese a tais argumentos,
o termo
ressuscitação é o preferido nos Descritores
das Ciências da Saúde da BIREME, que coloca reanimação
em segundo plano, como sinônimo [5] e é também o que
mais tem sido utilizado nos trabalhos publicados em português e em
espanhol.
Conforme dados obtidos por
computador, através do programa LILACS, a proporção
de artigos publicados nos últimos anos com o termo ressuscitação,
em
relação ao termo reanimação é
de aproximadamente 4:1. É possível que no futuro a situação
se inverta e reanimação passe à dianteira,
porém, em matéria de linguagem não se pode fazer qualquer
previsão. Até o presente, ressuscitação
tem
merecido a preferência dos autores.
Referências bibliográficas
1. LEE, A.L., ATKINSON, R.S. - Manual de Anestesiologia,
Rio de Janeiro, Liv. Atheneu, 1976.
2. LANE, J.C. - Reanimação. Rio de Janeiro,
Ed. Guanabara Koogan S.A., 1981.
3. SARAIVA, F.R.S.- Novíssimo Dicionario latino-português,
10. ed., Rio de Janeiro, Livraria Garnier, 1993.
4. ERNOUT, A., MEILLET, A. - Dictionnaire étymologique
de la langue latine. Histoire des mots, 4.ed. Paris, Ed. Klincksieck, 1979.
5. BIREME. - Descritores das Ciências da Saúde.
Internet: http://www.bireme/decs/P/decs2000p.htm
Publicado no livro Linguagem Médica, 3a. ed., Goiânia, AB Editora
e Distribuidora de Livros Ltda, 2004..
Joffre M de Rezende
Prof. Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal
de Goiás
Membro da Sociedade Brasileira de História
da Medicina
e-mail: pedro@jmrezende.com.br
http://www.jmrezende.com.br
10/9/2004.