LINGUAGEM MÉDICA
STRESS, ESTRESSE
Em 1936 Hans Selye, médico
e pesquisador austríaco que trabalhava em Montreal, no Canadá,
empregou pela primeira vez, como termo médico, a palavra inglesa
stress,
para caracterizar qualquer agente ou estímulo, nocivo ou benéfico,
capaz de desencadear no organismo mecanismos neuroendócrinos de
adaptação.[1] Em 1950 Selye publicou a obra que o consagrou,
na qual expôs de modo completo a síndrome geral de adaptação,
sob o título: "Physiology and Pathology of Exposure to
Stress, Montreal, 1950".[2]
Stress é palavra
bem antiga em inglês, que veio adquirindo ao longo do tempo diversas
acepções, cuja datação histórica encontra-se
detalhada no Oxford English Dictionary.[3] Selecionamos as mais
importantes delas:
1440 - Força ou pressão
exercida sobre um objeto.
1655 - Força ou pressão
exercida sobre uma pessoa com o fim de compelir ou extorquir.
1690 - Exercício
extenuante, grande esforço.
1704 - Sofrimento, adversidade,
aflição.
1756 - Insistência
excepcional, ênfase
1843 - Solicitação
excessiva de um órgão corporal ou da mente.
O mesmo dicionário
dá a palavra stress como forma derivada por aférese
(perda de letra ou sílaba inicial) de distress, admitindo
ainda a filiação ao francês antigo estresse (estreitamento,
aperto), oriundo este do latim strictus, particípio
passado do verbo stringo, ere, estreitar, apertar, comprimir,
através do latim vulgar strictia.
Já o Webster’s
International Dictionary dá a seguinte etimologia:
Stress - do inglês
medieval stresse, derivado por aférese, de distresse,
oriundo do latim districtus, particípio passado do
verbo distringo, ere, através do latim vulgar districtia.
Districtus
tem o significado de "puxado para um e outro lado, esticado aqui e ali".
Distresse,
por apócope (perda da letra final), evoluiu para
distress em
inglês.[4] Assim, tanto stress como
distress
teriam a mesma origem em inglês.
No Dizionario Etimologico
Storico dei Termini Medici, de Marcovecchio,[5] a informação
é ainda mais confusa. Ao mesmo tempo que dá o termo stress
como
procedente do francês antigo estresse, oriundo do latim medieval
strictia,
de strictus, estreito, diz que é um termo derivado
por aférese do inglês distress, que, por sua vez, provém
do antigo francês destress, com o significado de angústia,
preocupação.
Dos dicionários médicos
em inglês consultados, somente o Churchill’s Medical Dictionary
[6] ocupa-se da etimologia da palavra stress e segue integralmente
a linha adotada no Webster’s.
Como sói ocorrer
com novos termos científicos criados ou adotados em função
de novos conhecimentos, nem sempre é possível a sua tradução
da língua de origem para outros idiomas. É o caso de stress,
que tem várias traduções, porém nenhuma que
expresse exatamente o sentido que lhe deu Selye. Neste caso, o melhor é
naturalizar a palavra com as adaptações morfo-fonéticas
que se fizerem necessárias.
Vale citar, a propósito,
o seguinte trecho referente às tentativas de tradução
de stress para o francês e que se encontra no Dictionnaire
de Médecine et Biologie, de Manuila et al.
"Une grande confusion
règne en France par suite des efforts déployés pour
traduire le terme anglais stress par un terme français"...
"il semble vain de vouloir éliminer le terme anglais, que est d’ailleurs
déjà naturalisé par l’usage".[7]
Em espanhol, ou se usa a
palavra inglesa em sua forma original, ou adaptada àquele idioma
na forma estrés.[1]
Em português tem sido
proposta a tradução de stress por estrição (ou
estricção).
Estrição
(ou estricção) é palavra que já existia
em português antes da descrição da síndrome
por Selye. Encontra-se averbada como sinônimo de constrição
(ou constricção) em mais de uma fonte. [8][9][10]
.
Estrição
provém
do latim strictus, estreito, apertado, De strictus
derivam igualmente estrito e estritura.
Na oitava edição
do Dicionário de Termos Médicos, de Pedro A. Pinto,
aparece o verbete estrição com a seguinte explanação:
"Estrição.
Pressão, interna ou externa, que influe nas modificações
das síndromes de adaptação. A esse conceito que é
do médico europeu de vida na Canadá, Hans Selye, chama ele,
em inglês, stress, pressão, aperto, arrocho. Tem o grego,
com esse sentido, entasis e a princípio traduzia eu
stress por entase, neologismo que abandonei por ter outro emprego
e atendendo a que Tales Martins sugeriu estrição,
do latim stringo,.semelhante a stress, voz do mesmo
tema e com ela parecida".[11]
Pode ser que estrição,
como tradução de stress, tenha surgido
no Brasil. Seria necessário fazer uma pesquisa mais ampla da literatura
nesse sentido. De qualquer modo, é palavra bem ao gosto lusitano.
A Academia de Ciências
de Lisboa, em seu Dicionário da língua portuguesa contemporânea
[12]
aportuguesou stress como stresse, a exemplo de outras
palavras análogas, suprimindo a letra e inicial com o argumento
de que a mesma não é pronunciada no português de Portugal.
Esta decisão da Academia tem sido criticada por alguns filólogos
portugueses.
A melhor solução,
a meu ver, é aportugesar o termo stress na forma
estresse,
já dicionarizada e a preferida no dicionário de Houaiss.[13]
Com relação à etimologia basta registrar apenas a
origem inglesa da palavra, já que os dois melhores dicionários
da língua inglesa têm dúvida quanto à sua genealogia,
filiando-a tanto ao verbo latino stringo, ere, quanto ao
verbo distringo, ere. Como termo médico,
stress
entrou
para a terminologia médica com um conteúdo semântico
próprio, desvinculado de seus remotos e incertos ancestrais latinos
Referências bibliográficas
1. SCHOTT, H. - Crónica de la medicina (trad. espanhola).
Barcelona, Plaza & Janés, 1993, p. 489
2. MORTON, L.T. - A medical bibliography (Garrison and
Morton), 4.ed. London, Gower, 1983.
3. OXFORD ENGLISH DICTIONARY (Shorter), 3.ed. Oxford,
Claredon Press, 1978.
4. WEBSTER’S THIRD NEW INTERNATIONAL DICTIONARY. Chicago,
Enciclopedia Britanica Inc., 1966.
5. MARCOVECCHIO, E. - Dizionario etimologico storico
dei termini medici. Firenze, Ed. Festina Lente, 1993.
6. CHURCHILL'S MEDICAL DICTIONARY. New York, Churchill
Livingstone, 1989.
7. MANUILA, A., MANUILA, L., NICOLE, M. & LAMBERT,
H. Dictionnaire français de médecine et de biologie. Paris,
Masson & Cie., 1970.
8.. FIGUEIREDO, C. - Dicionário da língua
portuguesa, 13.ed. Lisboa, Liv. Bertrand, 1949.
9. MORAIS SILVA, A. - Grande dicionário da língua
portuguesa, 10.ed. (12 vol.), Lisboa, Confluência, 1949-1959.
10. ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA (Grande).
Lisboa, Editorial Enciclopédia Ltda., 1935-1958.
11. PINTO, P.A. - Dicionário de termos médicos,
8. ed. Rio de Janeiro, Ed. Científica, 1962.
12. ACADEMIA DAS CIÊNCIAS DE LISBOA: Dicionário
da língua portuguesa contemporânea. Lisboa, Ed. Verbo, 2001.
13. HOUAISS, A.., VILLAR, M.S. – Dicionário Houaiss
da língua portuguesa. Rio de Janeiro, Objetiva, 2001
Joffre M de Rezende
Prof. Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal
de Goiás
Membro da Sociedade Brasileira de História
da Medicina
e-mail: pedro@jmrezende.com.br
http://www.jmrezende.com.br
10/9/2004.