LINGUAGEM MÉDICA
 

PALAVRAS TERMINADAS EM -URIA

        A terminação -uria vem do grego oûron, urina, mais sufixo -ia, e exprime fatos ou situações relacionados à excreção urinária. Assim, poliúria, oligúria, anúria, hematúria, piúria, cilindrúria, glicosúria, albuminúria, colúria, cristalúria etc.

        Os termos médicos formados como o sufixo grego -ia em sua maioria, mantêm o acento tônico no i, tais como anosmia, anorexia, anisocoria, arritmia, astenia, cardiopatia, isquemia, patologia, polidipsia etc.

        No caso dos vocábulos com o elemento uro- (oûron), entretanto, o uso consagrou a forma esdrúxula, fazendo recuar o acento para a sílaba anterior, à maneira da prosódia latina. Em latim, por ser breve o i do sufixo -ia, o acento recai sempre na sílaba anterior, tornando a palavra proparoxítona.

        As palavras formadas com o sufixo -ia, que vieram do latim para o português, seguem a prosódia latina, enquanto as palavras formadas diretamente de elementos gregos e que inexistiram em latim, são paroxítonas, como nos exemplos acima citados. Todavia, se o sufixo -ia já integrava a palavra original grega, o i não é acentuado. Há numerosas exceções que o uso consagrou. Como diz, a propósito, Mendes de Almeida, "...uma coisa é a regra, outra o uso"..."Os fatos se impõem e ao gramático só resta respeitá-lo" [1].

        Rebelo Gonçalves, analisando criticamente a questão das palavras terminadas em ia, escreve que "o português deveria, em princípio, inclinar-se para o padrão latino e fazer esdrúxulas todas as palavras onde entrasse esse elemento ... "Iríamos, porém, longe demais, se o fizéssemos nesta categoria de palavras"[2]

        Vemos, portanto, que uma das maiorias autoridades em língua portuguesa apresenta-nos uma visão inteiramente diversa da norma prosódica recomendada para os termos com o sufixo -ia, reconhecendo, ao mesmo tempo, a inviabilidade de qualquer solução ortodoxa uniforme.

        Por conseguinte, não constitui erro, nem contraria o espírito da língua, adotar-se a prosódia latina para os vocábulos terminados em -uria.

        Apesar disso, diversos autores insistem na forma paroxítona para os termos derivados de oûron + sufixo ia. Neste sentido muito influenciaram as opiniões de Ramiz Galvão, Pedro Pinto, Cândido de Figueiredo e outros lexicógrafos.

        Silveira Bueno, no verbete poliuria, comenta: "Embora a pronúncia adotada pelos médicos seja poliúria, não está de acordo com a quantidade do sufixo grego ia".[3]

        Alguns dicionários mais modernos como os de Aulete-Garcia, [4], Aurélio Ferreira, [5], Michaelis, [6] Houaiss [7] e o Vocabulário Ortográfico da Academia Brasileira de Letras [8] indicam as duas formas como variantes prosódicas possíveis.

        Recordemos com Ramiz Galvão que "não foi senão uma convenção que fez tônico esse sufixo -ia em um sem número de palavras eruditas".[9]

        O uso já impôs a forma proparoxítona aos derivados de oûron do vocabulário urológico e, assim sendo, todos os termos com o final -uria deverão receber o acento agudo na letra ú: poliúria, oligúria, anúria, hematúria, piúria, cilindrúria, glicosúria, albuminúria, colúria, cristalúria etc.
 

Referências bibliográficas

1. ALMEIDA, N.M. - Dicionário de questões vernáculas. São Paulo, Ed. "Caminho Suave" Ltda., 1981, P. 109-110.
2. GONÇALVES, F. Rebelo - Linguagem médica. Rev. Ass. Paul. Med. 10 - 50-79, 1937.
3. BUENO, F.S. - Grande dicionário etimológico-prosódico da língua portuguesa. São Paulo, Ed. Saraiva, 1963.
4. AULETE, F.J.C., GARCIA, H. - Dicionário contemporâneo da língua portuguesa, 3.ed. Rio de Janeiro, Ed. Delta, 1980.
5. FERREIRA, A.B.H. - Novo dicionário da língua portuguesa, 3.ed. Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, 1999.
6. MICHAELIS - Moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo, Cia. Melhoramentos, 1998.
7. HOUAISS, A., VILLAR, M.S. – Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro, Objetiva, 2001
8. ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS - Vocabulário ortográfico da língua portuguesa, 3. ed. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1999.
9. GALVÃO, B.F.R. - Vícios da linguagem médica. Estante clássica da Revista de Língua Portuguesa, vol. X, 1922, P. 138. 


Publicado no livro Linguagem Médica, 3a. ed., Goiânia, AB Editora e Distribuidora de Livros Ltda, 2004..  

Joffre M de Rezende
Prof. Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás
Membro da Sociedade Brasileira de História da Medicina
e-mail: jmrezende@cultura.com.br
http:www.jmrezende.com.br

10/9/2004.