A VISITA AO BRASIL DE FRANZ J. INGELFINGER (1959)
E SUA PARTICIPAÇÃO
NA DIVULGAÇÃO DOS CONHECIMENTOS
SOBRE O MEGAESÔFAGO CHAGÁSICO
Joffre M. de Rezende*,
Professor Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade
Federal de Goiás.
Da Sociedade Brasileira de História da Medicina
Ulysses G. Meneghelli
** Professor Titular da Faculdade de Medicina de Ribeirão
Preto da Universidade de São Paulo.
Da Sociedade Brasileira de História da Medicina
_________________
Na década de 50, Franz
Joseph Ingelfinger se destacava nos Estados Unidos como um dos maiores
expoentes da Gastroenterologia mundial, sendo admirado e respeitado por
todos que o conheciam, como clínico, como professor e como pesquisador.
Natural da Alemanha, nascera
na cidade de Dresden em 1910. Seus pais emigraram para os Estados Unidos
quando contava 12 anos de idade. Graduou-se em medicina na Universidade
de Harvard, trabalhou algum tempo em Philadelphia e, aos 30 anos, assumiu
a chefia do Departamento de Gastroenterologia do Evans Memorial Hospital,
de Boston, onde permaneceu por 27 anos. Por sua marcante personalidade,
competência e atuação, transformou o serviço
sob sua direção em um Centro de excelência e escola
de pós-graduação da especialidade. Ali se formaram
dezenas de novos gastroenterologistas, que se tornaram líderes da
nova geração, tanto nos Estados Unidos como em outros países.
Após sua aposentadoria
oficial, foi editor do New England Journal of Medicine, contribuindo
com o seu tirocínio para manter o elevado conceito de que desfruta
este periódico na comunidade médica.
Sua carreira foi pontuada
de realizações bem sucedidas, até o seu falecimento
em 1980, tendo recebido em vida o reconhecimento de várias Instituições
sob a forma de premiações, láureas e honrarias.5
Foi um dos pioneiros nos
estudos da motilidade e registros manométricos do esôfago,
da motilidade intestinal e absorção entérica, que
eram as áreas de seu maior interesse.
Em 1948, Ingelfinger10
e, a seguir, em 1949 e 1951, Kramer e Ingelfinger 19,20 descreveram
o teste do MecholylÒou metacolina
na acalásia do esôfago e, em 1958, Ingelfinger publicou a
mais completa revisão já feita até então sobre
a fisiologia e fisiopatologia do esôfago, trabalho que se tornou
clássico e fonte de referência obrigatória .14
O teste da metacolina, utilizado
no diagnóstico diferencial da acalásia, baseia-se na hiperreatividade
das estruturas desnervadas ao estímulo farmacológico. Sendo
a acalásia do esôfago uma afecção decorrente
de dano da inervação intrínseca do esôfago,
a musculatura deste órgão responde ao estímulo colinérgico
com fortes contrações, que podem ser observadas à
radioscopia ou inscritas em um sistema de registro manométrico.
Desde os trabalhos de Amorim
e Correia Neto 1, Etzel 6 e Correia Neto e Etzel
4
que
se conheciam as lesões histopatológicas dos plexos intramurais
do trato digestivo encontradas nos casos de megaesôfago e megacólon
endêmicos, considerados ambos como manifestações de
uma doença sistêmica.
Estudos clínicos
25,26,
sorológicos 7,21 e anatomopatológicos
15,24
posteriores
indicavam como etiologia do megaesôfago e megacólon endêmicos
a doença de Chagas, que seria a responsável pelas lesões
da inervação intrínseca descritas.
Koeberle, 16-18
em estudos quantitativos de neurônios dos plexos intramurais, especialmente
do plexo de Auerbach, tanto em casos humanos como em animais, demonstrou
que a desnervação intrínseca produzida pela doença
de Chagas ocorria com intensidade variável não somente no
trato digestivo como em outros órgãos e sistemas, o que lhe
permitiu conceituar a doença de Chagas como enfermidade do sistema
nervoso autônomo.
Com esta nova visão
sobre a doença de Chagas e a comprovação da etiologia
chagásica do megaesôfago e megacólon endêmicos,
o teste da metacolina passou a ter um interesse especial como prova farmacológica
de desnervação, não somente do esôfago como
de outros segmentos do trato digestivo e outros órgãos eventualmente
comprometidos pela doença de Chagas.
Os primeiros contatos com
o Prof. Ingelfinger foram estabelecidos por um de nós (JMR), por
correspondência, em abril de 1958, quando, por sugestão do
Dr. Pedro Ribeiro de Carvalho, do Rio de Janeiro, foram-lhe enviadas separatas
de alguns artigos publicados sobre o megaesôfago endêmico no
Brasil e sua relação com a doença de Chagas.
Em carta de 22/4/58, o Prof.
Ingelfinger acusava o recebimento das separatas e, referindo-se à
relação entre megaesôfago e a doença de Chagas,
declarou: "This is a most fascinating correlation and it may provide
us with a lead as to the origin of this mysterious disease".
Em 28/9/58, um de nós
(JMR) enviou-lhe dois outros artigos publicados na Revista Goiana de
Medicina, nos quais o megaesôfago era considerado como síndrome
e não como doença.Em resposta datada de 21/10/1958, o Prof.
Ingelfinger assim se manifestou: "I am quite ready to be convinced that
megaesophagus is a syndrome in which the responsible neuromuscular mechanism
can be damaged by different agents. Some day perhaps I shall have the opportunity
of visiting Brasil and if I do ... it certainly would be an exciting experience
for me medically."
Em outubro de 1959 iria
realizar-se em Belém, PA, o XI Congresso Brasileiro de Gastroenterologia,
sendo presidente o Dr. Orlando Rodrigues da Costa e secretário geral
o Prof. Afonso Rodrigues Filho. Naquele congresso seria discutido o relatório
de um Inquérito Nacional sobre megaesôfago, do qual participaram
várias sociedades estaduais, dentre as quais a Sociedade Goiana
de Gastroenterologia, representada no inquérito pelo Dr. Jerônimo
de Moraes Sobrinho.
Seria uma ocasião
apropriada para convidar o Prof. Ingelfinger a visitar o Brasil na qualidade
de Conferencista estrangeiro e aproveitar a oportunidade para um contato
pessoal dos médicos brasileiros interessados em fisiologia e fisiopatologia
do esôfago com a maior autoridade nesta área.
Por iniciativa do Prof.
Geraldo Siffert de Paula e Silva, coordenador e relator do Inquérito
Nacional sobre megaesôfago, o convite foi feito oficialmente pela
Federação Brasileira de Gastroenterologia e pela Sociedade
Goiana de Gastroenterologia ao Prof. Ingelfinger, que aceitou vir ao Brasil
como conferencista estrangeiro do referido Congresso.
Participaram do Inquérito
Nacional: Ruy Ferreira Santos, de Ribeirão Preto; Nereu de Almeida
Júnior, de Belo Horizonte; Francisco Pinto de Castro, do Rio de
Janeiro; Paulo Borba, de Recife; Aluízio Prata, de Salvador; Jerônimo
de Moraes Sobrinho, de Goiânia; Breno Difini, de Porto Alegre, Paulo
Travassos Filho, de Campos, Luiz Heraldo Câmara-Lopes dos Anjos (secretário
ad
hoc), de Ribeirão Preto, e como convidado especial o Prof. Franz
J. Ingelfinger.
Tomaram parte também,
nas discussões preparatórias do relatório final, o
Dr. Júlio Croce, de São Paulo, e Danilo Perestrello, psiquiatra,
do Rio de Janeiro.
O Prof. Ingelfinger, que
acompanhou a exposição e os debates dos participantes, ao
término dos trabalhos, emitiu a seguinte declaração:
"A medical meeting at which the participants can discuss a combined
clinical experience with
some 3.000 clinical cases of esophageal aperistalsis is phenomenal in itself.
Even more important,
however, is that some of these cases have been studied with care and imagination
so that the
nature and course of aperistalsis could be discussed at the Inquiry on
the basis of an unsurpassed
quantity and quality of information. This information, the spirited discussion
it engendered and
the conclusions that it permitted convince me that Brazilian medicine is
far ahead of rest of the
world in understanting aperistalsis of the esophagtus and in discovering
its cause".
Ficara acertado que, após
o Congresso em Belém, o Prof. Ingelfinger viajaria diretamente a
Goiânia, acompanhado pelo Prof. Câmara-Lopes, seguindo de Goiânia
para Ribeirão Preto e, desta cidade, para São Paulo e Rio
de Janeiro, de onde retornaria aos Estados Unidos. O trajeto programado,
portanto, era exatamente o inverso do habitual em viagens de convidados
estrangeiros, que normalmente desembarcam no Rio de Janeiro e São
Paulo para depois se dirigirem a outras cidades brasileiras.
Em carta de 25/9/1959, um
de nós (JMR) solicitou ao Prof. Ingelfinger que trouxesse consigo
algumas ampolas de Mecholyl para a realização do teste
por ele descrito na acalásia, dada a dificuldade em obter-se o produto
no Brasil em tempo hábil.
Tudo correu como fora programado.
De Belém, Ingelfinger e Cãmara-Lopes viajaram em vôo
direto para Goiânia no dia 10/10/1959. O Prof. Geraldo Siffert não
pôde acompanhá-los nessa viagem em virtude de outros compromissos
assumidos, ficando de esperar o Prof. Ingelfinger no Rio de Janeiro.
No dia seguinte, como era
domingo, ambos, Ingelfinger e Câmara Lopes, foram visitar Brasília,
a nova capital ainda em construção, retornando à Goiânia.
Na manhã do dia 12/10/1959
realizou-se em Goiânia a reunião programada para exame de
casos de megaesôfago. Haviam sido agendados 20 pacientes, tendo comparecido
19. A reunião se realizou no Hospital Rassi, cujas instalações
foram gentilmente colocadas à disposição do ilustre
visitante pelo Dr. Anis Rassi, um dos proprietários do citado Hospital.
Participaram da reunião, além de Ingelfinger e Câmara-Lopes,
um dos autores (JMR), Anis Rassi e Gilvan Juvenal Dutra, radiologista do
Hospital.
Ingelfinger examinou as
radiografias e histórias clínicas de vários pacientes,
fez inúmeras perguntas e realizou, ele mesmo, radioscopia em mais
de um paciente.
Finalmente foi feito o teste
da metacolina em um dos pacientes, de nome Josafá Romão,
sob controle radioscópico. Tratava-se de um paciente chagásico
com megaesôfago e sem cardiopatia ao exame clínico, radiológico
e eletrocardiográfico. A solução de metacolina foi
injetada por via subcutânea e logo depois o paciente acusou dor retroesternal
coincidindo com o aparecimento, à radioscopia, de fortes contrações
da metade inferior do esôfago.
Entusiasmado, Ingelfinger
exclamou: "It is the same disease!".
Nesse mesmo dia, às
20.30 horas, o Prof. Ingelfinger proferiu uma conferência na Sociedade
Goiana de Gastroenterologia sobre fisiologia e fisiopatologia do esôfago,
que foi traduzida, pari passu, pelo Prof. Câmara Lopes e pelo
Dr. Milton Barbosa de Lima.
Ingelfinger era uma figura
carismática. De elevada estatura, impressionava pelo seu porte (fig
1).
Sua fisionomia descontraída
e seu olhar penetrante demonstravam interesse pelo interlocutor e irradiavam
simpatia.
Falava com desembaraço
e expressava com clareza o seu pensamento, polarizando as atenções.
No dia 13 de outubro, à
tarde, Ingelfinger viajou em companhia de Câmara-Lopes para Ribeirão
Preto, onde, na Faculdade de Medicina local, durante três dias, deu
prosseguimento à intensiva aquisição de conhecimentos
que fazia sobre a moléstia de Chagas e seus "megas". Os detalhes
desta visita foram relatados por Câmara-Lopes em carta datada de
15 de novembro de 1959 e enviada a um de nós (JMR). As narrativas
que serão feitas a seguir fundamentaram-se, em grande parte, no
conteúdo desta carta.2
No dia seguinte à
sua chegada, no Hospital das Clínicas, Ingelfinger assistiu ao segundo
tempo de uma esofagectomia subtotal com esofagogastroplastia cervical transmediastinal
anterior, realizada por Câmara-Lopes, que a idealizara como forma
de tratamento para as formas avançadas do megaesôfago chagásico.
No Serviço de Radiologia, Ingelfinger acompanhou exames radioscópicos
e participou de discussões sobre interpretação de
radiografias do esôfago de pacientes em diferentes fases evolutivas
da doença e de pacientes submetidos à esofagectomia subtotal.
Ali, Ingelfinger demonstrou que, mesmo na posição de Trendelenburg,
o contraste baritado contido no esôfago ou no estômago intratorácico,
após esofagectomia subtotal, não refluía e nunca chegava
à boca, graças à ação do esfíncter
esofágico superior; esta observação tranqüilizou
Câmara-Lopes uma vez que se convenceu de que não haveria risco
da ocorrência de faringite de refluxo como complicação
da técnica operatória que preconizara.
Na manhã de 15 de
outubro, Ingelfinger assistiu à ressecção de um megaesôfago
chagásico e mostrou-se entusiasmado, pois, nesses dias é
que estava assistindo, pela primeira vez, a intervenções
cirúrgicas no tórax.
O megaesôfago retirado
nesta ocasião apresentava enorme placa de leucoplasia na mucosa
de seu terço superior. O órgão retirado foi levado
por ele para seu hospital em Boston e, conforme informação
pessoal do Prof. Luiz de Paula Castro, Ingelfinger disse-lhe, pouco depois
de seu regresso, que tivera grandes dificuldades na alfândega americana
para que a peça pudesse entrar nos Estados Unidos. Ingelfinger encaminhou-a
para o museu de anatomia patológica de seu hospital.
Além de ver casos
de esofagopatia chagásica, desde incipientes até com graus
avançados da doença, Ingelfinger teve informações
sobre a epidemiologia e a profilaxia da doença de Chagas com os
Professores Pedreira de Freitas e Nagib Haddad e, no Departamento de Parasitologia,
o Prof. Astolfo Siqueira mostrou-lhe exemplares de triatomíneos
transmissores do Trypanosoma cruzi, criados em laboratório.
Como não poderia
deixar de fazê-lo, Ingelfinger visitou o Departamento de Patologia.
Como, nesta data, o Prof. Fritz Koeberle estava ausente da cidade, foi
recebido pelo Dr. Godofredo Koeberle e pelo Prof. Paulo Becker. Na sala
de autópsia foram mostrados a Ingelfinger inúmeros corações,
megaesôfagos e megacólons chagásicos conservados em
formol. A seguir, inteirou-se dos estudos quantitativos sobre a população
de neurônios intramurais do tubo digestivo de pacientes com comprometimento
digestivo pela moléstia de Chagas, comparativamente à de
não chagásicos. A expressiva redução ou a quase
extinção dos neurônios intramurais observada em casos
de megaesôfago e de megacólon muito impressionou Ingelfinger,
tanto que incluiu no The Year Book of Medicine , do qual
era um dos editores, matéria a respeito.11
Na visita ao Departamento
de Clínica Médica, os Professores Clóvis Bühler
Vieira, Renato Alves de Godoy e Hélio Lourenço de Oliveira
transmitiram a Ingelfinger os primeiros resultados dos estudos que se iniciavam
sobre a fisiopatologia da forma digestiva da doença de Chagas
.
Um dos pontos de realce
da visita de Ingelfinger ocorreu no dia 16 de outubro. Na época,
Godoy e Vieira iniciavam estudos sobre a deglutição de pacientes
chagásicos utilizando-se do método manométrico. Pretendiam,
também, mediante a administração de uma droga colinérgica,
como teste clínico, demonstrar a presença de desnervação
intramural, como Ingelfinger já o fizera com o Mecholyl (metacolina
– análogo da acetilcolina) na acalásia idiopática,10,19,20
e já ensaiavam alguns testes com a pilocarpina. Nesse dia, com a
participação de Ingelfinger e utilizando a droga que trouxera
consigo, realizou-se o primeiro teste do Mecholyl com resposta motora analisada
por manometria. O paciente era um chagásico (JBS – Registro HCFMRP
10.900) portador de megaesôfago. . Utilizou-se o método quimográfico
clássico: dois pequenos balões de látex montados em
suas respectivas sondas, parcialmente preenchidos com ar, foram posicionados
no lume do esôfago, um na parte média, outro na parte inferior
do órgão; as sondas foram ligadas a tambores de Marey conectados
a penas especiais que inscreviam em papel enfumaçado disposto em
um cilindro giratório. Após um teste preliminar com pilocarpina,
foram realizados dois testes sucessivos, respectivamente, com 1,5 e 3,0
mg de Mecholyl, por via intramuscular, intervalados por tempo apropriado;
a dose maior provocou aumento das atividades tônica e fásica
do órgão (fig. 2); como, nessa dose, o esôfago normal
não mostra qualquer reação, concluiu-se que a resposta
motora observada no megaesôfago chagásico era hiper-reativa
e, interpretada à luz da lei da desnervação de Cannon,3
demonstrava que a estrutura muscular da víscera estudada estava
desprovida de inervação colinérgica.
Oito meses depois, a 17
de junho de 1960, Godoy e Vieira apresentaram à Sociedade de Biologia
de Ribeirão Preto seus estudos, que demonstraram, em 14 chagásicos,
a hiper-reatividade a drogas colinérgicas no esôfago dilatado
e na doença incipiente, ainda sem dilatação do órgão;9
esta última verificação era demonstrativa de que a
desnervação precedia a dilatação da víscera.
Posteriormente, o teste do Mecholyl foi utilizado como importante prova
da condição de desnervação de outros segmentos
do tubo digestivo22,25 e dos brônquios de chagásicos.8
A figura 2 mostra
Ingelfinger junto a vários dos professores que o recepcionaram na
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto fotografados em corredor
do antigo Hospital das Clínicas, hoje Unidade de Emergência.
Prof. Ingelfinger ficou
deveras impressionado com a elevada prevalência do megaesôfago
no Brasil Central. Além dos pacientes agendados teve oportunidade
de conhecer outras pessoas acometidas do mal. Em entrevista concedida à
TV–Tupi, no Rio de Janeiro, noticiada pela Tribuna Médica de 11/11/1959,
Ingelfinger declarou que "em Goiânia lhe foram mostrados num só
dia um número de casos clínicos maior do que ele já
tinha visto em toda a sua vida".29
Em carta de 2/11/1959, endereçada
a um de nós (JMR), após o seu regresso aos Estados Unidos,
fez o seguinte comentário:
"I shall never forget the profesional aspects of my visit to your pleasent
city, for it was here that
I first realized the magnitude of the problem of esophageal aperistalsis
in your part of the world.
Of course, I had heard about e read about it, and this was one of the reasons
I was coming
to Goiania. Nevertheless, the actual experience far exceed my anticipation"
Os desdobramentos que se
seguiram a esta visita do Prof. Ingelfinger ao Brasil tiveram efeito favorável
no sentido de difundir no exterior e dar maior credibilidade à etiologia
chagásica do megaesôfago e megacólon endêmicos
e à existência real de uma forma digestiva da Doença
de Chagas, decorrente de lesões degenerativas do sistema nervoso
entérico, conforme os trabalhos de Koeberle.16-18 Esta
nova visão etiopatogênica da doença de Chagas não
era bem aceita, até então, em nossos meios científicos
do Rio de Janeiro e São Paulo.28
O trabalho publicado por
um de nós (JMR) em 1959, sob o título de Forma digestiva
da Doença de Chagas,27 foi resumido e comentado por
Ingelfinger no Year Book of Medicine de 1960-1961.12
Como editor da seção de gastroenterologia, Ingelfinger era
conhecido por sua criteriosa seleção dos trabalhos e por
seus judiciosos comentários.5
Por ocasião do VI
Congresso Panamericano de Gastroenterologia, que se realizaria em New York
em abril de 1962, Koeberle, Câmara-Lopes e um de nós (JMR)
recebemos convite do Prof. Ingelfinger para ir a Boston visitar o seu serviço
no Evans Memorial Hospital e ali participar de uma Informal discussion
sobre
Doença de Chagas e sistema digestivo.
Coincidentemente, o dia
da visita a Boston, 18 de abril, era feriado local. Apesar disso, o anfiteatro
estava repleto e os três convidados apresentaram, cada um por sua
vez, para uma platéia interessada e atenta, os principais aspectos
clínicos, anatomopatológicos e cirúrgicos relativos
ao megaesôfago chagásico e à doença de Chagas.
de uma maneira geral. Seguiu-se um debate com várias perguntas por
parte dos presentes.
Durante a visita ao serviço
do Prof. Ingelfinger no Hospital, era patente o interesse do staff
pela doença de Chagas e suas manifestações digestivas.
De 13 a 19 de maio de 1962
realizou-se em Munich, na Alemanha, sob a presidência do Prof. Norbert
Henning, o II Congresso Mundial de Gastroenterologia.
Henning havia estado no
Brasil em 1961, inclusive em Goiânia, conhecia os trabalhos de Koeberle
e estava bem informado sobre a alta prevalência do megaesôfago
em certas regiões do Brasil e sua associação com a
doença de Chagas.
Fazia parte do programa
do Congresso um Simpósio (Panel discussion) sobre acalásia
do esôfago, com a duração de 4 horas, sendo presidente
o Prof. Franz Ingelfinger e moderador o Prof. Geraldo Siffert de Paula
e Silva. Tomaram parte neste Simpósio como convidados: G.R.A. Vantrappen,
da Bélgica; S. Kawashima, do Japão; G. McHardy e E.C. Texter,
dos Estados Unidos; J.R.Trounce, da Inglaterra; Ch. Debray, da França;
J.M.de Rezende, F. Koeberle e L.H. Câmara-Lopes, do Brasil.
"It is not accidental that four members of this panel hail from Brazil,
for in this country
the esophageal disease we are discussing is prevalent to a degree unheard
of in other areas
of the world represented at this Congress". E, mais adiante: "It thus seems
to me that we
should accept the Brazilian form of achalasia as a model pointing out to
us a possible way
in which our own cases may develop. Perhaps ours cases too are the late
results of an
infection or infestation which damages Auerbach’s plexus by a toxic or
possibly autoimmune
mechanism and then subsides, leaving no traces at the time when the late
effects of the
neurologic damage finally make themselves manifest in the form of achalasia.
The Brazilians have given us a major lead." 13
Sabe-se que a importância da doença de Chagas para a saúde pública restringe-se, geograficamente, aos paises sul-americanos, particularmente ao Brasil. Ingelfinger, entretanto, percebeu que "the Brazilian form of achalasia" era algo mais, com um significado médico muito mais amplo, universal. Entendeu ele que a doença brasileira constituía-se em um modelo patológico peculiar em virtude da sua característica histopatológica básica – a desnervação do sistema nervoso entérico - do qual poder-se-iam tirar ilações sobre a etiopatogenia, a fisiopatologia e o tratamento de doenças que lhe eram semelhantes. Estendendo-se este conceito a todos os segmentos do tubo digestivo comprometidos pela doença de Chagas, pode-se dizer que o estudo da forma digestiva da moléstia de Chagas, principalmente em seus aspectos motores, pode trazer subsídios para o entendimento de outras doenças, orgânicas e funcionais, nas quais o sistema nervoso entérico esteja envolvido em sua fisiopatologia e, além disso, pode permitir deduções sobre a participação da regulação nervosa intrínseca no comportamento fisiológico do órgão considerado.22,25 Assim, Ingelfinger foi, para o mundo, um importante arauto desta maneira de ver a forma digestiva da moléstia de Chagas.
Nota - Toda a correspondência do Prof. Franz J. Ingelfinger citada neste artigo encontra-se arquivada, em poder de um dos autores (JMR).
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Joffre M. de Rezende
e-mail: pedro@jmrezende.com.br
Ulysses G. Meneghelli
e-mail: ugmenegh@fmrp.usp.br