ABSCESSO, ABCESSO
Abscesso (abcesso) vem do latim abscessus, termo empregado
pela primeira vez por Celsus[1] em substituição à
apóstema,
palavra
grega que designava as supurações e cujo sentido era o de
separação e eliminação dos maus humores.
Apostema chegou até
ao português através do latim. Por aférese (perda da
vogal inicial) deu origem à postema, ainda de uso
corrente em linguagem popular.[2] O prefixo latino ab-,entre
outras conotações, tem o sentido de afastamento, separação,
e o verbo
cedere
traz em si a idéia de movimento,
de algo que está acontecendo no tempo.
Ao prefixo ab-se
acrescentava um s quando a palavra seguinte se iniciava por c,
q ou
t . Este s adicional manteve-se
em muitos vocábulos de origem latina, tais como absconso, abster,
abstrair, abstinência, etc.[3]
De abscessus,
em latim, resultou absceso, em espanhol, ascesso em italiano,
abcès
em francês, e abscess em inglês. Vemos que somente em
francês houve queda do s prefixal.
Em português existe
vacilação entre as formas abscesso e abcesso.
No dicionário de
Moraes[4] e no de Lacerda [5] encontram-se as duas formas, com destaque
para abscesso.
Já em Domingos Vieira [6] e Cândido
de Figueiredo [7] a preferência é por abcesso. Em Aulete-Garcia
encontramos somente abscesso.[8] Silveira Bueno averba abcesso,
porém
admite a "grafia mais próxima do latim -
abscesso".[9]
O Pequeno Vocabulário
da Academia Brasileira de Letras, de 1943, consigna somente a forma
abscesso; o de 1947, somente abcesso, e a 3. edição
do Vocabulário Ortográfico da mesma Academia, de 1999, averba
as duas formas.[10]
Pedro Pinto recomenda
abscesso,
considerando abcesso grafia corrente e errônea".[11]
Dos dicionários mais
modernos, o Aurélio, 3. edição, registra as duas formas,
com preferência para abscesso, [12] enquanto o Michaelis averba
apenas abscesso.[13]
Nos textos médicos
encontramos as duas formas, com predominância de abscesso.
Em 26 artigos publicados em revistas médicas brasileiras no período
de 1965 a 1979, tendo abscesso como palavra chave, 17 utilizaram a forma
abscesso (com
s),
o que representa uma proporção
de 72%.[14]
Nos últimos 20 anos
esta proporção é ainda maior. De 141 artigos tendo
no título a palavra em questão, somente 13 utilizaram a forma
abcesso, o que dá a proporção de 91,2% para a
forma abscesso (com
s).[15]
Em relação
ao verbo, além da divergência quanto ao prefixo, acresce a
relativa à conjugação. Absceder ou abscedar?
À exceção
de Domingos Vieira [6], que adota a terminação em ar,
os demais lexicógrafos registram apenas absceder (ou abceder).
Pedro Pinto assinala no
verbete absceder: "É corrente, e ruim, a forma abscedar.[10]
Abscedere,
em latim, só poderia dar absceder em português. Entretanto,
esta forma é pouco usada em linguagem médica, ao contrário
de abscedar.
Estamos, assim, diante de
um fato linguístico provavelmente irreversível.
Finalizando, julgo deva
ser adotada a forma abscesso
(com
s), por melhor corresponder
à grafia latina e por merecer a chancela da grande maioria da classe
médica. Em conseqüência, também se escreverão
com o prefixo abs- os verbos absceder e abscedar.
Apesar de incorreto, não
se pode condenar o verbo abscedar, tendo em vista o seu uso generalizado
em linguagem médica.
Referências bibliográficas
1. SKINNER, H.A. - The origin of medical terms, 2.ed.
Baltimore, Williams & Wilkins, 1961, p, 2
2. SÃO PAULO, F. - Linguagem médica popular
no Brasil. Salvador, Itapuã, 1970, p. 298.
3. ROMANELLI, R.C. - Os prefixos latinos. Belo Horizonte,
Imp. Univ. Fed. Minas Gerais, 1964, p. 25.
4. MORAES SILVA, A. - Dicionário da língua
portuguesa. Lisboa, Typographia Lacerdina, 1813.
5. LACERDA, J.M.A.A.C. - Dicionário enciclopédico
ou Novo dicionário da língua portuguesa. Lisboa, F. Arthur
da Silva, 1874.
6. VIEIRA, D. - Grande dicionário português
ou Tesouro da língua portuguesa. Porto, Ernesto Chardron e Bartholomeu
H. de Moraes, 1871-1874.
7. FIGUEIREDO, C. - Dicionário da língua
portuguesa, 13.ed. Lisboa, Liv. Bertrand, 1949.
8. AULETE, F.J.C., GARCIA, H. - Dicionário contemporâneo
da língua portuguesa, 3.ed. Rio de Janeiro, Ed. Delta, 1980.
9. BUENO, F.S. - Grande dicionário etimológico-prosódico
da língua portuguesa. São Paulo, Ed. Saraiva, 1963.
10. ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS: Vocabulário
ortográfico da língua portuguesa, 3. ed. Rio de Janeiro,
Imprensa Nacional, 1999.
11. PINTO, P. - Dicionário de termos médicos,
8. ed. Rio de Janeiro, Ed. Científica, 1962.
12 FERREIRA, A.B.H. - Novo dicionário da língua
portuguesa, 3.ed. Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, 1999.
13. MICHAELIS - Moderno dicionário da língua
portuguesa. São Paulo, Cia. Melhoramentos, 1998.
14. IBBD-IBICT., Bibliografia brasileira de medicina,
1965-1979.
15. BIREME. Disponível em http://www.bireme.br.
Acesso em 20/07/2001..
Publicado no livro Linguagem Médica, 4a. ed., Goiânia, Ed. Kelps, 2011.Joffre M de Rezende
Prof. Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás
e-mail: pedro@jmrezende.com.br
http://www.jmrezende.com.br