ANGIOPLASTIA, ANGIOPLASTIZAR
Na dinâmica da língua, é lícito criar-se um substantivo a partir de um verbo e, inversamente, um verbo a partir do substantivo. Há casos em que é difícil precisar qual foi a palavra primitiva, se o substantivo ou o verbo, tal como na história do ovo e da galinha.
Não é o caso, entretanto, de termos científicos de introdução mais recente na linguagem médica, cuja origem pode ser facilmente rastreada. Um exemplo bem atual é o da palavra angioplastia, termo formado dos elementos gregos aggeîon, vaso + plásso, modelar + sufixo -ia. Significa, genericamente, recanalização de um vaso sangüíneo por meio operatório ou técnica não cirúrgica.
Na moderna cardiologia, o termo é usado para designar o tratamento da obstrução coronariana por meio de um pequeno balão dilatador, que se introduz na artéria durante o cateterismo cardíaco. O desenvolvimento e a importância do método conferiram um relevo especial à palavra angioplastia no léxico cardiológico, tornando inevitável a criação de um derivado verbal para melhor atender às necessidades de comunicação e expressão.
Do mesmo modo que a operação de ponte de safena fez nascer o verbo safenar, permitindo designar o paciente operado de safenado, assim também, por analogia, o paciente submetido à angioplastia deveria ter o seu designativo correspondente.
Como ensinam os gramáticos, os particípios verbais em português têm também função nominal. Tanto podemos dizer "este paciente foi safenado", como "este é um paciente safenado", ou "este paciente é um safenado". No primeiro caso safenado tem função verbal; no segundo e terceiro casos, tem função nominal (adjetivo e substantivo, respectivamente).
"O processo geral para formar verbos a partir de um nome, é dar apenas a esse nome a flexão verbal. Ex.: muro - murar. Outro mecanismo é o emprego do sufixo -izar. O sufixo -izar provém do grego -izein, que deu origem não somente ao sufixo -izar, como aos sufixos -ear e -ejar, como em sombrear e velejar".[1]
No caso de angioplastia a dificuldade reside na opção entre os sufixos -ar e -izar. A presença do sufixo -ia representa um complicador a mais. Se analisarmos outros casos de palavras terminadas pelo sufixo -ia encontraremos três modalidades de derivação verbal:
1. Substituição
do sufixo -ia pelo sufixo verbal -ar, como nos termos em
que entra o elemento grafia, do grego grápho,
escrever. Ex.: radiografia > radiografar; ortografia > ortografar; holografia
> holografar.
2. Acréscimo ao nome
do sufixo -ar com fusão das duas vogais "a" em uma única
(crase). Ex.: autópsia > autopsiar; anestesia > anestesiar; hipertrofia
> hipertrofiar.
3. Substituição
do sufixo -ia pelo sufixo -izar. Ex.: embolia >
embolizar; dicotomia > dicotomizar; simpatia > simpatizar.
Como não há exemplo na língua portuguesa de verbo derivado de substantivo terminado em plastia, para servir de paradigma, três alternativas se apresentam: angioplastar, angioplastiar, angioplastizar.
Em recente Congresso de Cardiologia foi usado o termo angioplastado. Seria este neologismo o mais adequado? A meu ver, das três formas possíveis, esta seria a menos indicada, por evocar possível composição com o verbo aplastar, cujo sentido é inteiramente diverso do que se deseja expressar.
Tomando como modelo a solução
encontrada para outros procedimentos cirúrgicos como embolectomia,
gastrectomia, vasectomia, colostomia, etc., a forma mais apropriada seria
com o sufixo -izar - angioplastizar, cujo particípio
é angioplastizado. Do mesmo modo que nos referimos a um gastrectomizado,
vasectomizado ou colostomizado, diríamos angioplastizado.
Com a palavra os cardiologistas.
Referência bibliográfica
1. CÂMARA JR., J.M. - História e estrutura da língua portuguesa. Rio de Janeiro, Padrão Ed., 1979, p. 226.