APATIA
O "Dicionário de termos
técnicos de medicina e saúde", de Luís Rey, registra
a palavra apatia como termo psiquiátrico, com a seguinte
definição: "Estado caracterizado pelo desinteresse geral,
pela indiferença ou insensibilidade aos acontecimentos; falta de
interesse ou de desejos".[1]
Apatia provém
do grego clássico apatheia. Páthos em grego,
significa "tudo aquilo que afeta o corpo ou a alma" e tanto quer dizer
dor, sofrimento, doença, como o estado da alma diante de circunstâncias
exteriores capazes de produzir emoções agradáveis
ou desagradáveis, paixões. Assim, apatheia
tanto pode significar ausência de doença, de lesão
orgânica, como ausência de paixão, de emoções.[2]
Galeno, no século
II d.C., empregou o termo apatheia no sentido somático,
referindo-se à ausência de lesão em uma parte do intestino.[3]
O termo apatheia
foi usado por Aristóteles (384-322 a.C.) no sentido de impassibilidade,
insensibilidade, e, a seguir, incorporado pela escola filosófica
fundada por Zenon (335-263 a.C.), denominada estoicismo, para expressar
um estado de espírito ideal a ser alcançado pelo homem durante
a sua existência.
Zenon era um cipriota grego
que em 313 a.C. mudou-se para Atenas, onde pregou a sua doutrina e fez
muitos adeptos. Reunia-se com os seus discípulos e seguidores em
um local denominado Stoá Poikíle, cuja tradução
é "pórtico ou galeria de colunas trabalhadas". De Stoá
provêm os nomes de estóico e estoicismo.[4]
Segundo o estoicismo, o
sofrimento decorre das reações despertadas no ser humano
por quatro classes de emoções: a dor, o medo, o desejo e
o prazer. O ideal do estóico é alcançar a apatheia,
ou seja, a natural aceitação dos acontecimentos, uma atitude
passiva diante da dor e do prazer, a abolição das reações
emotivas, a ausência de paixões de qualquer natureza.[5]
Apatheia,
no dizer de Aulo Gellio, define o comportamento dos estóicos, "que
nada desejam, de nada se queixam, não se irritam e não se
alegram". [6]
O estoicismo teve seus continuadores
em Sêneca e Marco Aurélio, que almejavam a libertação
do homem do sofrimento, das paixões e das emoções.[7]
Somente no século
XVII, segundo Dauzat, apatia adquiriu a acepção de
indolência.[8]
No dicionário de
medicina e ciências afins, de Littré e Robin, de 1873, encontra-se
a seguinte definição de apatia: "Estado de entorpecimento
das faculdades morais, no qual a pessoa se comporta como insensível
à dor e ao prazer e experimenta uma espécie de preguiça
para movimentar-se."[9]
Parece óbvio que
o significado atual de apatia no vocabulário médico
provém do conceito filosófico estoicista da palavra, em que
páthos
expressa um estado psíquico caracterizado por uma atitude de indiferença
diante dos estímulos, e não da versão organicista,
tal como a empregou Galeno.. Só assim podemos compreender a aparente
impropriedade semântica da palavra na terminologia médica.
Referências bibliográficas
1. REY, Luis. Dicionário de termos técnicos
de medicina e saúde. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan S.A., 1999.
2. BAILLY, A.: Dictionnaire grec-français, 16.
ed. Paris, Lib. Hachette, 1950.
3. MARCOVECCHIO, Enrico: Dizionario etimologico storico
dei termini medici. Firenze, Ed. Festina Lente, 1993.
4. DUNKLE, R. - Philosophical Background of the Hellenistic
Age. Disponível em http://ablemedia.com/ctcweb/netshots/hellphil.htm.
Acesso em 18/08/2002.
5. RUSSO, M. – Stoicism. Sophia on-line Philosophy courses.
Disponível em http://www.molloy.edu/academic/philosophy/sophia/ancient_lit/happiness/stoicism2.htm.
Acesso em 18/08/2002.
6. AULO GELLIO – Apud MARCOVECCHIO, E. (2).
7. BRUGGER, W. - Dicionário de filosofia (trad.).
São Paulo, Ed. Herder, 1962
8. DAUZAT, A. DUBOIS, J., MITTERRAND, H. - Nouveau dictionnaire
étymologique et historique, 3.ed. Paris, Larousse, 1964.
9. LITTRÉ, E. & ROBIN, Ch.: Dictionnaire de
médecine, de chirurgie, de pharmacie, de l’art vetérinaire
et des sciences qui s'y rapportent, 13.ed. Paris, Baillière et Fils,
1873.