ARTHUR NEIVA
INTELIGÊNCIA E CULTURA A SERVIÇO DA NAÇÃO
Dentre os pesquisadores
arregimentados por Oswaldo Cruz para lançar as fundações da medicina científica
no Brasil sobressai a figura ímpar de Arthur Neiva. O que mais o distingue entre
seus pares é a sua versatilidade, sua capacidade de desempenhar com brilhantismo
as mais diversas tarefas e funções, deixando em todas elas a marca de seu
talento e de sua personalidade.
Natural de Salvador, Arthur Neiva concluiu seu curso médico no Rio de Janeiro em
1903. Ainda como estudante participou da campanha contra a febre amarela.
Recém-formado, trabalhou como auxiliar de laboratório e preparava-se para
prestar concurso para Inspetor Sanitário quando foi descoberto por Oswaldo Cruz.
Sua primeira missão foi a de
combater a malária que grassava na bacia do rio Xerém, onde se realizavam os
trabalhos de captação de água para o abastecimento do Rio de Janeiro. Nessa
oportunidade, Neiva aprofundou seus conhecimentos sobre os anofelinos, descreveu
uma nova espécie de mosquito e detectou a resistência do Culex à quinina,
o que tornava insuficientes as doses até então empregadas.
Em 1910 foi a Washington
completar seus estudos de entomologia e, de regresso ao Brasil, motivado pela
descoberta da tripanossomíase por Carlos Chagas, seu interesse se voltou para os
triatomídeos. Fez uma revisão do gênero Triatoma, com ênfase nas espécies
transmissoras do Trypanosoma cruzi. Este trabalho foi apresentado como
tese à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1914, o que lhe valeu o título
de Livre-docente, conferido pelo voto unânime da Congregação.1
Em 1912, em companhia de Belisario
Penna, realizou penosa viagem científica pelo interior do País, percorrendo
durante sete meses o norte da Bahia, sudoeste de Pernambuco, sul do Piauí e de
norte a sul de Goiás, a maior parte do trajeto em lombo de burro, dormindo ao
relento ou em barracas improvisadas. O relatório desta viagem foi publicado nas
Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, em 1916, e constitui um marco na
história da ciência brasileira pela riqueza de informações sobre os aspectos
geográficos, clima, flora fauna, condições sanitárias e doenças do homem e dos
animais. Retrata a realidade do interior do País, na época inteiramente
desconhecida dos habitantes das cidades litorâneas, e causou um grande impacto
às autoridades governamentais e à sociedade em geral, ao relatar as condições de
atraso, pobreza, miséria, analfabetismo, doenças endêmicas e isolamento em que
vivia a população na região por eles percorrida.
Prevendo as críticas ao retrato
desolador da realidade do sertão por eles descrita, assim se pronunciaram
antecipadamente: "Não agradará certamente a franqueza com que expomos nossa
impressão, mas julgamos ser isso um dever de consciência e de patriotismo. É
indispensável dizer a verdade embora dolorosa e cruciante e não iludir de forma
alguma a Nação..." 2
Em 1913 esteve na Argentina, onde descreveu uma nova espécie de Triatoma
e, em 1915, voltou a Buenos Aires, convidado a instalar e dirigir a Seção de
Zoologia Animal e Parasitologia do Instituto Bacteriológico daquele país, onde
permaneceu por dois anos, regressando ao Brasil a convite do Governo do Estado
de São Paulo para assumir o Serviço Sanitário estadual.
Em sua nova função elaborou o
código sanitário do Estado de São Paulo contemplando não só as cidades como a
zona rural, o qual serviu de modelo para outros estados. Em 1918 a epidemia de
gripe espanhola atingiu São Paulo e coube a Arthur Neiva coordenar os trabalhos
de atendimento à população, tendo improvisado 43 hospitais na capital e 119 no
interior. Ele próprio foi vítima da epidemia.
Em 1920 foi convidado pelo
Instituto Kitasato a visitar o Japão, onde proferiu conferências e recebeu a
mais alta condecoração daquele país - a Ordem do Sol Nascente. No mesmo ano, em
missão oficial, foi encarregado de estudar a profilaxia da lepra na Noruega,
Filipinas e Hawaí.
Em 1923 foi
nomeado diretor do Museu Nacional, onde tomou iniciativas relevantes como a
criação do Boletim, a publicação dos Arquivos do Museu e de material didático
escolar, a criação de um jardim de plantas medicinais e a retomada das pesquisas
arqueológicas de Lund em Lagoa Santa, em Minas Gerais.
No ano seguinte, o Governo do
Estado de São Paulo o convocou novamente para integrar a Comissão incumbida de
debelar a "broca" do café, praga que estava devastando a cafeicultura no Estado
com graves prejuízos para o País. O trabalho da Comissão foi coroado de êxito e
alertou o Governo para a necessidade de criar-se uma instituição de bases
científicas para proteção da agricultura. E assim foi fundado, em 1927, o
Instituto Biológico de Defesa Agrícola e Animal que, em 1937, passou a
denominar-se Instituto Biológico.3
Arthur Neiva foi o primeiro
diretor do Instituto, durante quatro anos, e teve como colaborador outro
cientista de renome, que foi Henrique da Rocha Lima. Ambos elevaram bem alto o
conceito e o prestígio do Instituto. Em 1928 Neiva criou a revista Arquivos
do Instituto Biológico para divulgação dos trabalhos desenvolvidos no
Instituto e, em sua gestão, foi implantado o regime de tempo integral para os
jovens pesquisadores que eram admitidos. Seu lema, que gostava de repetir como
um incentivo aos iniciantes era: "Trabalhe...trabalhe, nada resiste ao
trabalho".4
Após a
revolução de 1930, Neiva se
envolveu pela primeira vez com a política, ao aceitar sua
nomeação para
Secretário do Interior do Estado de São Paulo. Permaneceu
no cargo apenas por
três meses e, nesse curto prazo, tomou várias medidas que
marcaram sua
administração, dentre as quais a criação de
um Departamento de Educação Física,
o primeiro do País, e de um Serviço de Assistência
aos Psicopatas.
Em fevereiro de 1931 foi nomeado
Interventor na Bahia, seu estado natal, permanecendo no posto durante seis
meses. Em sua administração, criou o Instituto do Cacau, em defesa do principal
produto do Estado.
Em maio de
1933 foi eleito deputado federal constituinte pelo estado da Bahia e reeleito no
ano seguinte para um mandato na Câmara Federal. Com o golpe de Estado em
novembro de 1937 e a dissolução do Congresso, voltou às suas atividades no
Instituto Oswaldo Cruz, onde permaneceu até 1943, quando faleceu aos 63 anos de
idade.5
Arthur Neiva
foi a um só tempo médico, pesquisador, educador, escritor, sanitarista e homem
público. Sua vasta cultura, sua inteligência, seu amor ao trabalho e seu
patriotismo permitiram que ele se afirmasse como líder em todos os setores onde
atuou. Seu legado científico é um patrimônio no acervo da ciência e da cultura
nacionais. Além da extensa bibliografia científica, escreveu vários ensaios e um
livro intitulado Estudos da língua nacional, que faz parte da coleção
Brasiliana. 6 Como educador, formou toda uma
geração de novos pesquisadores que seguiram o seu exemplo; como sanitarista,
indicou os caminhos a serem trilhados para o saneamento urbano e rural; como
homem público, esteve sempre pronto a servir o País, quando convocado.
O Instituto Oswaldo Cruz o
homenageou, dando o seu nome a um dos pavilhões do Instituto.
Referências bibliográficas
1. Renato Clark Bacellar. Brazil's contribution to tropical Medicine and
Malaria, pp.189-198.
2. Arthur Neiva; Belisário."Viagem cientifica pelo norte da Bahia, sudoeste
de Pernambuco, sul do Piauhí e de norte a sul de Goiaz". Memórias do
Instituto Oswaldo Cruz, 8(3) pp. 74-224. 1916.
3. Herman Lent. "Arthur
Neiva". In Leonídio Ribeiro. Medicina no Brasil, 1940, pp. 136-140.
4. Márcia Maria Rebouças. "Pelo resgate da memória documental das ciências e
da agricultura: o acervo do Instituto Biológico de São Paulo. História,
Ciências, Saúde - Manuinhos 13(4) pp. 995-1005, 2006.
5. Renato C. Bacellar, op. cit.
6, Arthur Neiva. Estudos da
lingua nacional, Cia. Editora Nacional, 1940.
Joffre M de Rezende
Prof. Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade
Federal de Goiás
Membro da Sociedade Brasileira de História da Medicina
e-mail: pedro@jmrezende.com.br
http://www.jmrezende.com.br