Na ilha de Kós,
na Grécia, bem no centro da cidade,
há uma árvore milenar, Platano
orientalis, conhecida como A árvore de
Hipócrates. À sua sombra, segundo a tradição, Hipócrates reunia-se com seus
discípulos1. É hoje um local de visita obrigatória para os turistas.
Não importa saber se é ou não a mesma
árvore do século V a.C., à sombra do qual Hipócrates
fazia suas preleções. O importante é que ela é um símbolo do nascimento da
medicina racional e científica que sucedeu à medicina mágica e sacerdotal dos
povos primitivos e uma
lembrança do maior legado que nos deixou Hipócrates e sua escola - os
princípios éticos que constituiram as bases da deontologia médica e conferiram dignidade ao médico2.
Tal como a árvore
que resiste às intempéries e segue vicejante, assim também a medicina mantém
sua trajetória através dos séculos, vencendo as dificuldades e produzindo
frutos. Nem sempre a estrada percorrida foi retilínea. Falsos caminhos foram
trilhados e, a seguir, abandonados, com a correção de rumo, no firme propósito de
desvendar os mistérios da vida e os enigmas das doenças.
Nesta longa caminhada da medicina no
tempo, muitas foram as doutrinas e teorias que
embasaram a prática médica e muitos foram os episódios que marcaram a sua
história; episódios que refletem a centelha do gênio; que revelam a resistência
a toda idéia inovadora; que mostram a falácia do raciocínio lógico e as
limitações da inteligência humana; episódios que identificam as descobertas
feitas ao acaso, por intuição ou serendipidade;
episódios pitorescos e circunstâncias felizes que concorreram para o progresso
da medicina. E também episódios dramáticos oriundos dos atributos negativos do
ser humano, manifestados por incompreensão, inveja, ambição, intolerância,
arrogância e prepotência.
Em todo o percurso houve erros e
acertos, avanços e retrocessos.
Este livro é uma modesta coletânea
de crônicas que relatam alguns desses episódios, seus personagens, e as
concepções que nortearam o pensamento médico em cada época. São crônicas isoladas,
sem um ordenamento temático ou cronológico, muitas das quais já publicadas na
imprensa médica ou divulgadas através da Internet.
Em nenhum momento assumimos a
ingênua postura de críticar, com base nos
conhecimentos atuais, os fatos, teorias e doutrinas que imperaram no passado.
Narramos os acontecimentos de maneira objetiva, sem emitir elementos de juízo,
na certeza de que todos os participantes da jornada deram o melhor de si na
época em que viveram, convictos da correção dos
fundamentos que balizaram suas decisões e condutas.
Uma das qualidades essenciais do
médico é a humildade para compreender o passado e reconhecer que muitas
verdades do presente poderão ser renegadas como errôneas no futuro.
Referências bibliográficas
1. R.H. Major, A history of
medicine, 1954, p.138.
2. J.A.C. Aguirre, El legado de Hipocrates,
1938
J.M.Rezende
2004