BASTÃO DE ASCLÉPIO E O VERME DA GUINÉ
O símbolo da medicina consiste em um bastão com uma serpente
em volta, em espiral, conhecido como bastão de Asclépio.(fig.1)
Fig. 1
Asclépio é
considerado o deus da medicina desde a antiguidade e seu culto teve início
na Grécia, de onde se espalhou por toda a Europa. Acredita-se que
existiu realmente um médico famoso, natural da Tessália,
na Grécia, por volta do século XIIa.C., o qual foi divinizado
pela mitologia grega. Segundo a lenda, Asclépio era filho do deus
Apolo e de uma jovem mortal de nome Corônis, filha de Flégias,
rei em Tessália.
Apolo era deus da medicina,
da música e das artes e tinha outras atribuições,
como o oráculo de Delphis, que o mantinham ocupado. Corônis
enamorou-se de um jovem chamado Ischys estando já grávida
de Apolo. O fato chegou ao conhecimento de Apolo por um delator, que era
um corvo branco. Apolo ficou tão furioso que mudou a cor do corvo
para negro e decidiu vingar-se atirando, por intermédio de sua irmã
Artemis, uma flecha mortal em Corônis. Quando o corpo de Corônis
já estava na pira para ser cremado, Apolo lembrou-se de seu filho
no ventre da mãe, e extraiu a criança ainda com vida por
cesariana, entregando-a, a seguir, ao centauro Quiron para que o criasse.
Os centauros, na mitologia
grega, eram seres híbridos, metade homem, metade cavalo, que viviam
na montanhas da Tessalia. Quiron, ao contrário de outros centauros,
além de força, era dotado de bondade, a serviço de
boas ações. Outros personagens ilustres da mitologia grega
foram cuidados por Quiron, como Jason, o herói dos argonautas, e
Aquiles, o herói da guerra de Tróia.
Asclépio herdou de
seu pai a vocação para a arte de curar e aprendeu com Quiron
o uso de plantas medicinais. Tornou-se um médico famoso, casou-se,
e teve os seguintes filhos: Podalírio, Macaon, Higieia, Panacea,
Egle, Áceso e Iaso. Podalírio e Macaon tomaram parte na guerra
de Tróia e são citados por Homero na Ilíada. Higieia
e Panacea participavam das lides de seu pai e deixaram seus nomes
na medicina: higiene, na prevenção das doenças, e
panacea, o que cura todas as doenças.
Asclépio ultrapassou
os limites da medicina e chegou a ressuscitar quem já estava morto
e por isso foi punido por Zeus, que o fulminou com um raio. A pedido de
Apolo, foi divinizado por Zeus e passou a ser cultuado como o deus da medicina.
Inicialmente em Epidauro, o culto a Asclépio espalhou-se por toda
a Grécia, o Império Romano e outras regiões. Ergueram-se
templos denominados Asclepíons, onde eram acolhidos os doentes para
tratamento com os Asclepíades, um mixto de médicos e sacerdotes.
Ali se empregavam procedimentos de natureza religiosa simultaneamente
com métodos terapêuticos racionais.
Em todas as esculturas procedentes
de templos de Asclépio, em achados arqueológicos e em moedas
antigas, o deus está portando o bastão com a serpente (fig2).
O significado de cada um desses elementos tem sido motivo de controvérsia.
Em relação ao bastão três interpretações
têm sido consideradas plausíveis: representação
da árvore da vida, símbolo do poder (de curar) e apoio e
defesa para as caminhadas, já que os médicos da época
eram itinerantes e percorriam grandes distâncias a pé
Fig. 2
Quanto à serpente,
a explicação se torna mais fácil. A serpente sempre
exerceu um fascínio entre todos os povos e civilizações
e tem sido associada ao poder de preservar a vida. Sua habilidade em
formar um círculo com seu corpo é visto como um símbolo
da eternidade e a mudança periódica da pele como um sinal
de rejuvenescimento. Como um ser ctônico que pode viver tanto na
superfície da Terra como em seu interior, entra em contato com o
mundo visível e invisível para o ser humano. A ela se atribuem
outros predicados como astúcia, prudência e sabedoria.A serpente
está ligada a outros deuses da mitologia grega como Atenas, Hera,
Demeter Hermes (e seus equivalentes romanos).
O culto a Asclépio
estava no auge por volta do século III d.C. Com o domínio
do cristianismo foram banidos os deuses pagãos e o bastão
de Asclépio ficou praticamente esquecido até o século
XVI, quando ressurgiu como símbolo universal da medicina.
O símbolo de Hermes, chamado caduceu, com duas serpentes e asas
na extremidade superior, tem sido erroneamente empregado nos Estados Unidos
como símbolo da medicina, quando, na verdade, é o símbolo
do comércio.
Nos últimos anos,
mais precisamente na última década, apareceu uma interpretação
esdrúxula, mais consentânea com a cultura popular, do significado
do símbolo da medicina, associando-o amento da parasitose causada
pelo nematódeo Dracunculus medinensis, conhecido popularmente como
serpente ardente, dragão ou filaria de Medina e verme da Guiné.
Este nematódeo tem
um ciclo biológico complexo. As larvas, em meio hídrico,
infectam inicialmente um crustáceo microscópico da classse
dos copépodes. O hospedeiro animal, inclusive o homem, se infectam
ingerindo água contaminada pelos crustáceos infectados. No
estômago do hospedeiro os crustáceos morrem, liberando as
larvas que são resistentes aos sucos digestivos. As larvas atravessam
a parede intestinal para a cavidade abdominal e sistema linfático,
dirigindo-se nas primeiras seis semanas para o tecido subcutâneo.
Ao final de um ano, as larvas evoluem para a forma adulta; os machos, mais
delgados que as fêmeas, morrem, enquanto as fêmeas sobrevivem
no tecido subcutâneo como vermes alongados que se deslocam lentamente,
de preferência em direção aos membros inferiores. Decorrido
algum tempo, o verme produz uma úlcera na pele por onde exterioriza
sua extremidade proximal. Como a úlcera é muito dolorosa
o doente procura alívio banhando a úlcera e, nessa ocasião,
o verme expele larvas pela boca que contaminam a água, que, por
sua vez, irá infectar novos crustáceos, fechando o ciclo
biológico. Morrendo o verme, forma-se um abscesso no local.
O verme pode ser extraído
ainda com vida antes da formação da úlcera pelo seguinte
processo: faz-se uma incisão na pele justo à frente do verme
e aguarda-se que ele aflore à superfície. Toma-se uma pequena
varinha e nela se enrola com o máximo cuidado a extremidade do verme
e aguarda-se sua progressiva exteriorização, que pode levar
dias. A cada dia, enrola-se na varinha o seguimento exteriorizado, até
a completa saída do verme. (fig 3)
A menos que se comprove a
posssibilidade de ser verídica a nova interpretação
do bastão de Asclépio, poderá ocorrer o mesmo que
aconteceu com o caduceu de Hermes, que por um equívoco passou a
ser aceito como símbolo da medicina. É de temer-se que, tratando-se
de mera especulação, sem base histórica, a nova interpretação
se propague e seja aceita como definitiva. Veremos, então, o bastão
de Asclépio ser reduzido a uma varinha e a serpente a um helminto.
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* Comunicação pessoal de Dr. Luiz Rassi Jr., que esteve
recentemente na Grécia.
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Referências
1. Dipgen, P. - Historia de la Medicina (trad.). Barcelona, 1932
2. Laignel-Lavastine. - Histoire Générale de la Médecine,
de la Pharmacie, de l’Art
dentaire e de l’Art vétérinaire. Paris,
Albin Michel Ed., 1936.
3. Castiglione, A. – Historia da Medicina (trad.). São Paulo,
Cia. Ed. Nacional, 1947
4. Major, R.H. – A History of Medicine. Oxford, Blackwell Scientific
Publ., 1954.
5. Sigerist, H.E – A History of Medicine. Oxford University Press,
1961.
5. Garrison, F. – Historia de la Medicina, 4ª. ed. (trad.), México,
1966.
6. Entralgo, L – Historia Universal de la Medicina. Barcelona, Salvat
Ed., 1971.
7. Edelstein, E.J., Edelstein, L. – Asclepius. Collection and interpretation
of the
testimonies. Baltimore, The Johns Hopkins University
Press, 1998.
8. Hart, G.D. – Asclepius the God of Medicine. Royal Society of Medicine,
2000.
Nota: O nome de Asclépio tem sido escrito de várias maneiras: Asclépio, Asclépios Asclepius, Asklepio, Asklepios, Asklepiós, Asklepius. Optamos pela mais simples, Asclépio, que é a adotada pela Academia Brasleira de Letras.
Joffre Marcondes de Rezende
Prof. Emérito da Fac. de Medicina da Univ. Federal de Goiás
10/01/2000