AUDIOFONE
Qualquer aparelho de uso
individual e colocação externa, destinado a facilitar a audição
em casos de surdez, recebe na língua inglesa a denominação
de hearing aid.
Aid, em inglês,
provém do francês antigo aiude, do verbo latino adjutare,
variante de adjuvare, ajudar, auxiliar, assistir.
Além de seu primitivo
significado genérico, equivalente a help (ajuda, auxílio),
aid,
por restrição semântica, passou a significar qualquer
dispositivo ou instrumento usado para compensar uma deficiência.
[1]
Na locução
hearing aid,
por conseguinte, aid não se refere genericamente a
qualquer tipo de ajuda à audição, e sim ao aparelho
que amplifica o som, melhorando a percepção acústica
do deficiente auditivo.
A expressão equivalente
em português seria, portanto, aparelho auxiliar da audição
e
não prótese auditiva, como tem sido usado.
O termo prótese,
de origem grega, é atualmente empregado em linguagem médica
para designar substitutos artificiais de partes do corpo que tenham sido
perdidas acidentalmente, retiradas intencionalmente, ou que estejam comprometidas
em sua forma ou função. Por extensão semântica
indica ainda a ação ou o ato de colocar os sucedâneos
artificiais, bem como a especialidade que se dedica ao seu estudo e aplicação
prática.
São exemplos de próteses:
dentes implantados, dentaduras, olho de vidro, válvulas cardíacas,
tubos de material sintético como o dacron, substituindo segmentos
arteriais, silicone em lugar de tecido mamário, membros artificiais,
etc. Está implícita na palavra prótese a idéia
de substituição ou troca da parte danificada ou defeituosa
do corpo por uma peça artificial, conforme definição
encontrada nos melhores dicionários médicos das línguas
de cultura. Se não, vejamos:
CHURCHILLS MEDICAL DICTIONARY,
1989.
Prosthesis. Any artificial
replacement
for a body part. It may be functional or cosmetic, and attached externally
or implanted surgically.[1]
DORLANDS ILLLUSTRATED MEDICAL
DICTIONARY, 26.ed., 1981
Prothesis. Any artificial
substitute
for a missing body part, such as an arm or leg, eye or tooth, used for
functional or cosmetic reasons, or both. [2]
DICTIONNAIRE FRANÇAIS
DE MÉDECINE ET BIOLOGIE (Manuila et al., 1970). Prothèse.
Appareil ou dispositif destiné a remplacer un organe, un
membre ou un fragment de membre, détruit ou gravemente compromis.
2.
Action de poser une pièce ou un appareil pour remplacer un
organe détruit ou un membre amputé.[3]
DIZIONARIO DEI TERMINI TECNICI
DI MEDICINA (Garnier e Delamare, 4a. ed., 1979). Protesi.
Parte della terapia che si propone di rimpiazzare un organo o un
membro, al totale o in parte, per mezzo di um apparecchio che ne riproduce
la forma e, se è possibile, le funzione. Ex. p. dentarie, p.
oculare. Si indica con protesi il pezzo o lapparecchio di rimpiazzo.[4]
KLINISCHES WÖRTERBUCH
(Pschyrembel, W., 1977).
Prothese, Prothesis.
Künstlicher Ersatz fehlender körperteile (Gobiss, Auge). (substituição
artificial de uma parte do corpo - dentes, olho) [5]
DICCIONARIO ENCICLOPÉDICO
DE MEDICINA (Léon Braier, 4.ed., 1980).
Prótesis.
1.
Rama de la terapéutica quirúrgica que tiene por objeto reemplazar
la falta de un órgano o parte. 2. Aparato que reemplaza,
temporal o permanentemente, la falta de un órgano o de parte del
mismo.[6]
DICIONÁRIO MÉDICO
(Rodolpho Paciornik, 2.ed., 1975).
Prótese. 1.
Substituição
de um órgão ou parte natural por uma peça artificial.
2.
Órgão ou parte do corpo artificiais, tais como um olho, uma
perna, uma mão, uma dentadura. [7]
DICIONÁRIO DE TERMOS
TÉCNICOS EM MEDICINA E SAÚDE (Luís Rey, 1999) Prótese.
Qualquer
dispositivo ou aparelho destinado a substituir um órgão,
um membro ou parte dele, que se encontra destruído ou gravemente
lesado. São exemplos: as próteses dentárias, oculares,
auditivas, osteoarticulares, cardíacas ou para os membros amputados.
[8]
Também os léxicos
não especializados, tanto os de língua portuguesa, como os
de outros idiomas, são unânimes na conceituação
de prótese, em nada diferindo dos dicionários médicos.
A única exceção é o Novo Dicionário
da Língua Portuguesa, de Aurélio Ferreira (1999), que acrescenta
mais uma acepção no verbete prótese: Qualquer
aparelho que auxilie ou aumente uma função natural (como,
p. ex., a da audição e da visão)". [9] Na sua preocupação
de modernidade, este léxico incorporou ao seu acervo um equívoco
em curso na linguagem médica. Com esta definição teríamos
de incluir entre as próteses os óculos e a muleta, que auxiliam,
respectivamente, a visão e a locomoção.
A denominação
de prótese auditiva seria adequada a qualquer dispositivo
artificial implantado no ouvido para substituir estruturas
anatômicas lesadas, como ocorre na estapedectomia, em que o estribo
é substituído por uma prótese, de que há vários
modelos (Schuknecht, Robinson, Shea, House). Não é, entretanto,
denominação apropriada aos aparelhos auxiliares da audição,
de uso externo, os quais ampliam as vibrações sonoras e as
transmitem ao labirinto e nervo auditivo. Tais aparelhos são um
recurso tecnológico de suplência da função auditiva,
e não próteses, no sentido exato do termo.
Se não são
próteses, como deveriam ser chamados?
Em nomenclatura científica
procura-se evitar, sempre que possível, as denominações
extensas, de caráter descritivo, substituindo-as por um único
vocábulo capaz de expressar a natureza, propriedades ou qualidade
da coisa designada, e que seja formado, de preferência, com elementos
da língua grega ou latina.
No caso dos aparelhos auxiliares
da audição, de uso individual e colocação externa,
não será necessária a criação de um
neologismo, pois já existe no vocabulário médico o
termo audiofone (do latim audire, ouvir + grego
foné).
Embora seja um composto híbrido, acha-se consagrado na literatura
médica, do mesmo modo que audiometria. Etimologicamente, expressa
com exatidão a principal finalidade do instrumento, que é
a da escuta da voz. Encontra-se averbado, com as adaptações
prosódicas e ortográficas próprias a cada idioma na
maioria dos dicionários médicos antigos e modernos.
Audiofone figura
como palavra-chave para indexação de artigos científicos,
ao lado de hearing aid e auxiliares da audição,
na lista de descritores da Biblioteca Regional de Medicina (BIREME). [10]
Aparentemente, o termo audiofone
deixou de ser usado na língua inglesa em razão da preferência
por hearing aid, o que explica a sua ausência
nas últimas edições dos dicionários médicos
em inglês. Este fato, entretanto, não invalida o seu uso em
outros idiomas.
O Vocabulário Ortográfico
da Academia Brasileira de Letras e outros léxicos de língua
portuguesa, não especializados em terminologia médica, oferecem
nada menos que seis variantes para o vocábulo: audifone, audifono,
audifônio, audiofone, audiofono, audifônio, às quais
devem ainda ser acrescentadas as formas audifónio e audiofônio
do português de Portugal.[11]
Acreditamos que a preferência
deve recair em audiofone por duas razões: a primeira é
de que já existem em nosso idioma outras palavras de composição
semelhante, que mantêm a terminação em e, como
telefone,
interfone, microfone, etc.; a segunda é de que
audiofone
é
a forma que mais se aproxima graficamente da de outros idiomas, o que atende
ao ideal de uniformidade internacional da nomenclatura científica.
A proposta final, que submetemos
à consideração dos otologistas e fonoaudiólogos,
é de que se use o termo audiofone para designar genericamente
todos os aparelhos auxiliares da audição, de uso individual
e colocação externa, reservando-se a denominação
de próteses auditivas somente para os implantes de sucedâneos
artificiais de estruturas anatômicas do ouvido.
Referências biblkiográficas
1. CHURCHILL'S MEDICAL DICTIONARY. New York, Churchill
Livingstone, 1989.
2. DORLAND'S ILLUSTRATED MEDICAL DICTIONARY, 28.ed. Philadelphia,
W. B. Saunders Co., 1994.
3. MANUILA, A., MANUILA, L., NICOLE, M. , LAMBERT, H.
Dictionnaire français de médecine et de biologie. Paris,
Masson , Cie., 1970.
4. GARNIER, M. , DELAMARE, V. - Dizionario dei termini
tecnici di medicina, 4.ed. (trad.). Roma, Marrapese, 1979.
5. PSCHYREMBEL, W. - Klinisches Wörterbuch. Berlim,
Walter de Gruyter, 1977.
6. BRAIER, León - Diccionario enciclopédico
de medicina, 4.ed. Barcelona, Editorial JIMS, 1980.
7. PACIORNIK, Rodolpho - Dicionário médico,
2.ed. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1975.
8. REY, Luís. Dicionário de termos técnicos
de medicina e saúde. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan S.A., 1999.
9. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda - Novo
dicionário da língua portuguesa, 3.ed. Rio de Janeiro, Ed.
Nova Fronteira, 1999.
10. BIREME. Descritores em Ciências da Saúde,
2.ed., São Paulo, OPAS, 1992).
11. ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS - Vocabulário
ortográfico da língua portuguesa, 3. ed. Rio de Janeiro,
Imprensa Nacional, 1999.
Joffre M de Rezende
Prof. Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás
Membro da Sociedade Brasileira de História da Medicina
José Augusto Fleury Curado
Otorrinolaringologista do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás
e-mail: pedro@jmrezende.com.br
http://www.jmrezende.com.br