BORDO, BORDA, REBORDO, REBORDA
Segundo a maioria dos léxicos,
tanto bordo como borda são de origem germânica.
O termo primitivo poderia ter sido baurd ou bort; em alemão
atual bord, tal como em francês.
O vocábulo parece
ter sido utilizado inicialmente em Marinha para designar a madeira com
a qual se construía o costado dos navios, madeira esta retirada
de uma árvore da família das aceráceas, denominada
bordo(ô),
muito usada para esse fim.
Do ponto de vista semântico
o termo evoluiu para uma abrangência maior, passando a significar
o próprio costado do navio (navio de alto bordo), o interior do
navio (estar a bordo) e o rumo da navegação.
Paralelamente ao seu emprego
em Náutica, o termo passou a designar o limite ou extremidade de
uma superfície ou objeto, adquirindo o sentido de margem, beira,
orla.
Alguns léxicos conferem
ainda um significado adicional a bordo - o de disposição,
ânimo, intenção, propósito.[1][2]
De bordo derivam o verbo
abordar e seus cognatos, como abordagem e abordável.
O francês bord
e o espanhol borde mantiveram apenas um gênero (masculino)
para todas as acepções. Em português o vocábulo
desdobrou-se em dois: bordo e borda.
Em Náutica firmou-se
o uso do masculino -
bordo. No sentido mais amplo de margem, beira,
orla, entretanto, têm sido usados as duas formas.
Em linguagem médica
tanto se usa bordo, como borda, para designar elementos anatômicos,
Vieira Romeiro, autor de um clássico tratado de Semiologia Médica,
empregava
borda: "... procura-se a vesícula no ângulo
formado pela união da borda externa do músculo grande reto
com a borda costal direita".[3] Já Arnaldo Marques preferia bordo:
"A mão sentirá com facilidade o seu bordo, cortante e duro".[4]
A Nomenclatura Anatômica
da Língua Portuguesa, aprovada pelo I Congresso da Sociedade
Luso-Brasileira de Anatomia, adotou bordo para traduzir o latim
margo:
bordo
medial do úmero, bordo interósseo do rádio, bordo
inferior do fígado.[5]
A Sociedade Brasileira de
Anatomia, no entanto, na versão para a língua portuguesa
da Terminologia Anatomica, publicada em latim em 1998, [6] preferiu
traduzir margo por margem. [7] Os dicionários de latim-português
aceitam tanto bordo como margem como tradução correta de
margo
em
latim. [8][9]
Pelo menos no que diz respeito
à linguagem de uso corrente em clínica médica, dificilmente
o médico irá referir-se a margem do fígado em lugar
de bordo ou borda do fígado.
Borda tem merecido
a preferência dos médicos brasileiros, na proporção
de 3:1, conforme se verifica da literatura indexada pela BIREME nos últimos
20 anos.
Rebordo é
palavra encontrada em apenas alguns poucos dicionários, significando
"borda revirada para fora". Somente Silveira Bueno registra o termo como
sinônimo de borda.[10]
Curiosamente, reborda
não aparece em nenhum léxico, nem mesmo no Vocabulário
Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira
de Letras.[11] Apesar disso, reborda é termo de longa data
usado em medicina, do qual existe equivalente em espanhol (reborde).
Vale citar que o
Dicionário Terminológico de Ciencias
Médicas de Cardenal, em espanhol, no verbete reborde,
indica o correspondente em português como sendo reborda.[12]
Rebordo e reborda
são compostos nominais formados com o prefixo re- +
bordo(a).
O prefixo latino re- tem significados diversos na
formação das palavras, podendo indicar repetição,
aumento, reciprocidade, ação contrária, negação,
ou servir para dar maior força à palavra a que se liga como
no caso de rebordo (a), em que o prefixo não modifica
o sentido da palavra bordo (a).[13]
Encontramos em escritos
médicos o emprego de rebordo com o mesmo sentido de bordo
e,
mais raramente, de reborda, em substituição à
borda.
Torna-se difícil
tomar partido nesta questão. Embora a melhor opção
seja bordo, como tradução do latim margo,
a tendência atual na linguagem médica é de preservar
a forma borda.
Referências bibliográficas
1. FERREIRA, A.B.H. - Novo dicionário da língua
portuguesa, 3.ed. Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, 1999.
2. MICHAELIS - Moderno dicionário da língua
portuguesa. São Paulo, Cia. Melhoramentos, 1998.
3. ROMEIRO, V. - Semiologia médica, 7.ed. Rio
de Janeiro, Liv. Francisco Alves, 1943 p. 207.
4. MARQUES, A. - Manual de semiologia. Rio de Janeiro,
Liv. Atheneu, 1958, p. 348
5. COMISSÃO LUSO BRASILEIRA DE NOMENCLATURA MORFOLÓGICA.
Nomenclatura Anatômica da língua portuguesa. Rio de Janeiro,
Guanabara Koogan, 1977, p.26, 59.
6. FEDERATIVE COMMITTE ON ANATOMICAL TERMINOLOGY - Terminologia
anatomica..Stuttgart, Georg Thieme Verlag, 1998.
7. SOCIEDADE BRASILEIRA DE ANATOMIA -Terminologia anatômica.
São Paulo, Ed. Manole Ltda., 2001.
8. SARAIVA, F. R. - Dicionário latino-português.
10.ed. Rio de Janeiro, Liv. Garnier, 1993.
9. TORRINHA, F. - Dicionário latino-português,
3.ed. Porto, Gráficos Reunidos Ltda., 1942.
10. BUENO, F.S. - Grande dicionário etimológico-prosódico
da língua portuguesa. São Paulo, Ed. Saraiva, 1963.
11. ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS - Vocabulário
ortográfico da língua portuguesa, 3. ed. Rio de Janeiro,
Imprensa Nacional, 1999.
12. CARDENAL, L.: Diccionario terminológico de
ciencias médicas, 5.ed. Barcelona, Salvat Ed., 1954.
13. GOES, C. - Dicionário de afixos e desinências,
3.ed. Liv. Francisco Alves, 1937.