LINGUAGEM MÉDICA
CATÉTER, CATETER
Muito se tem polemizado sobre
a pronúncia da palavra cateter. Ca-té-ter
ou
ca-te-tér?
E, no caso da forma paroxítona, como seria o plural? Catéteres
ou
cateteres?
A palavra cateter já
existia em grego, com acento na última sílaba - kathetér
- e com o significado de algo que se introduz. Hipócrates
usou-a com o sentido de pessário[1] e Galeno
para designar instrumentos metálicos usados para esvaziar a bexiga.[2]
O fato do acento tônico
recair na última sílaba, em grego, tem servido de argumento
aos que defendem a forma oxítona em português. Do grego a
palavra passou para o latim, com recuo da sílaba tônica.
"No que toca aos vocábulos
de procedência grega, discutem muitas vezes os mais doutos. Nasce
a divergência, em muitos casos, de ser tomada como padrão
ora a acentuação grega, ora a latina", diz o filólogo
Machado Filho.[3] Catéter é um exemplo
típico dessa dificuldade.
O latim foi usado até
o século XVIII nos escritos médicos e, desse modo, muitos
termos gregos sofreram alteração prosódica ao serem
a ele incorporados. É compreensível, portanto, que a acentuação
latina tenha predominado nas palavras que transitaram pelo latim, ao contrário
daquelas de formação erudita, oriundas diretamente do grego,
que conservaram, de maneira geral, o acento tônico original.
As opiniões, no entanto,
são discordantes. Ramiz Galvão assim se refere ao acento
tônico da palavra cateter: "Os dicionários acentuam
cathéter;
mas, sendo este uso geral entre os cientistas, e contrariando tal prosódia
abertamente a quantidade da raiz, deve ser preferido cathetér,
como se proviesse regularmente pelo acusativo latino - catheterem
- tal como clister". "Os substantivos portugueses de origem erudita terminados
em er e derivados de substantivos gregos com a terminação
ér,
êros
(exceção feita de charácter) são oxítonos
como clister, alter, masseter, ureter, etc."[4]
Cândido de Figueiredo,
a propósito de cateter e outros vocábulos de origem
grega, terminados em er, justifica a forma paroxítona lembrando
que "a prosódia não nos veio da Grécia; veio de Roma"...
"em latim não há palavras oxítonas, à parte
os monossílabos".[5] Recomenda, no entanto,
para o plural, o acento tônico na penúltima sílaba,
que está de acordo com a prosódia grega e latina: cateteres,
ureteres, caracteres etc.
A mesma lição
nos dá Mendes de Almeida: "A palavra catéter é
grega, mas o latim obriga-nos a dizer catéter no singular
e catetéres no plural".[6] No caso de
éter
explica
o plural éteres (proparoxítono) por ser breve
a última sílaba em grego, representada pela letra épsilon
e não pela letra eta como no caso de catéter.
Plácido Barbosa[7],
além de advogar a acentuação latina - catéter-
aceita o plural catéteres, sem o deslocamento da sílaba
tônica, por ser a forma mais usual.
Os dicionários mais
antigos da língua portuguesa registram catéter(Constancio,[8]
Faria,
[9]
Lacerda,
[10]
Adolpho Coelho,[11]), enquanto os léxicos mais
modernos adotam a forma oxítona (Laudelino Freire,[12]
Nascentes,[13] Silveira Bueno,[14]
Aurélio Ferreira,[15]) assim como o VocabulárioOrtográfico
da
Academia Brasileira de Letras [16]. Entre os dicionários
especializados em terminologia médica, Mário Rangel [18]
e Rey [17] optaram por catéter; Pedro
Pinto [19]
e Paciornik [20] por
cateter(tér).
Estamos, assim, diante de
um impasse do ponto de vista linguístico. Na literatura médica
brasileira, especialmente na referente à comunicação
oral em Congressos e reuniões científicas, bem como na linguagem
coloquial dos médicos, a forma usual é catéter
no singular e catéteres no plural.
Havendo disputa entre os
doutos, manda o bom senso acolher a interpretação que mais
se aproxima do uso e da tradição. O que é preciso
é abandonar o farisaísmo de pronunciar uma palavra de um
modo e escrever de outro, simplesmente por respeito ao que está
no dicionário, esse bicho-papão de todos nós. A meu
ver, tanto neste caso como em outros semelhantes, o uso deve prevalecer.
Fiquemos, pois, com as formas
catéter
e
catéteres,
à semelhança do espanhol, e passemos a usá-las na
linguagem escrita com acento bem visível na segunda sílaba.
Referências bibliográficas
1. LIDDELL, H., SCOTT, -: A greek-english lexicon, 9.ed.,
Oxford, Claredon Press, 1983.
2. GALENO: Oeuvres anatomiques, physiologiques et médicales.
Trad. Ch. Daremberg. Paris, Baillière, 1854, p.682,
3. MACHADO FILHO, A.M.- Coleção "Escrever
Certo", 2.ed. (6 vol.). São Paulo, Boa Leitura Ed., 1966, p. 69
4. GALVÃO, B.F.R.- Vocabulário etymologico,
ortographico e prosodico das palavras portuguesas derivadas da língua
grega. Rio de Janeiro, Liv. Francisco Alves, 1909.
5. FIGUEIREDO, C.- Vícios da linguagem médica,
2.ed. Lisboa, Liv. Clássica Ed., 1922, p. 225
6. ALMEIDA, N.M.- Dicionário de questões
vernáculas. São Paulo, Ed. "Caminho Suave" Ltda., 1981.
7. BARBOSA, P.- Dicionário de terminologia médica
portuguesa. Rio de Janeiro, Liv. Francisco Alves, 1917.
8. CONSTANCIO, F.S.- Novo dicionário crítico
e etimológico da língua portuguesa, 3.ed. Paris, Angelo Francisco
Carneiro, 1845.
9. FARIA, E.- Novo dicionário da língua
portuguesa, 2 ed. Lisboa, Typographia Lisbonense, 1856.
10. LACERDA, J.M.A.A.C.- Dicionário enciclopédico
ou Novo dicionário da língua portuguesa. Lisboa, F. Arthur
da Silva, 1874.
11. COELHO, F.A.- Dicionário manual etimológico
da língua portuguesa. Lisboa, P. Plantier Ed., 1890.
12. FREIRE, L.- Grande e novíssimo dicionário
da língua portuguesa, 3.ed. Rio de Janeiro, José Olympio
Ed., 1957.
13. NASCENTES, A.-: Dicionário da língua
portuguesa. Academia Brasileira de Letras, 1961-1967.
14. BUENO, F.S.- Grande dicionário etimológico-prosódico
da língua portuguesa. São Paulo, Ed. Saraiva, 1963.
15. FERREIRA, A.B.H.- Novo dicionário da língua
portuguesa, 3.ed. Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, 1999.
16. ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS - Vocabulário
ortográfico da língua portuguesa, 3. ed. Rio de Janeiro,
Imprensa Nacional, 1999.
17. RANGEL, M.- Dicionário médico. Rio
de Janeiro, Irmãos Di Giorgio & Cia., 1951.
18. REY, L.- Dicionário de termos técnicos
de medicina e saúde. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan S.A., 1999.
19. PINTO, P.A.: Dicionário de termos médicos,
8. ed. Rio de Janeiro, Ed. Científica, 1962.
20. PACIORNIK, R.- Dicionário médico, 2.ed.
Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1975.
Publicado no livro Linguagem Médica, 4a. ed.,
Goiânia, Ed. Kelps, 2011.
Joffre M de Rezende
Prof. Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás
e-mail: pedro@jmrezende.com.br
http://www.jmrezende.com.br