CIRURGIA COMO SINÔNIMO DE OPERAÇÃO
Cirurgia provém
do latim chirurgia, que o tomou do grego kheirourgia,
de kheír, mão + érgon,
trabalho [1]. Etimologicamente, portanto, cirurgia significa trabalho
manual, arte, ofício, no qual se empregam as mãos para a
sua execução. Entende-se, assim, o seu uso em medicina para
designar os procedimentos terapêuticos que exigem trabalho manual.
Na Idade Média, a
cirurgia era considerada atividade menos nobre, o que deu ensejo a que
fosse exercida, até o século XVIII, por práticos sem
nenhuma formação acadêmica – os cirurgiões-barbeiros
– os quais se ocupavam quase exclusivamente de lesões e feridas
externas. Esta a razão por que ainda se utiliza a denominação
de patologia externa como sinônimo de patologia cirúrgica.
A partir do século
XIX, a cirurgia tornou-se parte da medicina oficial, exigindo daqueles
que a exercem, além de formação acadêmica, adestramento
especial. Com o contínuo progresso da medicina, a cirurgia subdividiu-se
em numerosas especialidades, como cirurgia geral, cirurgia torácica,
cirurgia plástica, neurocirurgia etc.
De acordo com os melhores
léxicos, especializados ou não em termos médicos,
define-se cirurgia como o ramo da medicina que se dedica ao tratamento
das doenças, lesões, ou deformidades, por processos manuais
denominados operações ou intervenções
cirúrgicas.
Todo procedimento cirúrgico,
idealizado e padronizado em sua técnica por determinado cirurgião,
é habitualmente designado pelo seu epônimo. Ex.: operação
de Heller, operação de Duhamel, operação de
Wertheim etc.
Verifica-se atualmente o
uso, cada vez mais freqüente, de cirurgia como sinônimo
de operação ou intervenção cirúrgica,
com
tendência a consolidar-se na linguagem médica; já
é comum dizer-se cirurgia de Heller, cirurgia de Duhamel, cirurgia
de Wertheim etc. Nas estatísticas hospitalares é comum
referir-se igualmente ao número de cirurgias realizadas em
determinado período, em lugar de operações.
Esta inovação
semântica não é exclusiva da língua portuguesa,
podendo encontrar-se também em outros idiomas. Na língua
inglesa, em um comentário publicado na revista Surgery, vol.
139, n. 2, os editores chamam a atenção para o fato. Interrogam:
"Does the patient undergo a surgery or an operation?" e concluem: "The
term surgery should be saved for our respected overall practice,
while operation defines only a part of what we do (in operating
room). Let's not denigrate our art by inappropriate use of the word surgery
to
describe one specific but limited aspect of our art. The patient is evaluated
surgically, but undergoes an operation" [2].
Dizer que a cirurgia tem
por fim a prática de cirurgias, em lugar de operações,
seria o mesmo que dizer que a obstetrícia tem por fim a prática
de obstetrícias (em lugar de partos). Chama-se a isso de tautologia.
A prevalecer o uso de cirurgia
como sinônimo de operação, é de se prever o
aparecimento de um novo verbo - cirurgiar. Será, então,
mais elegante dizer que o doente foi cirurgiado do que operado.
Possivelmente, estamos diante
do que os linguistas chamam de neologismo de significado; a mesma
palavra incorpora outro significado além do primitivo, tradicional.
Como a evolução semântica das palavras é imprevisível,
bem pode ser que tenhamos no futuro de acrescentar mais um significado
à palavra cirurgia. A boa linguagem, vernácula, correta,
no entanto, como ensina Becker em seu livro Nomenclatura biomédica
no idioma português do Brasil [3], não incorpora este
novo significado de cirurgia e manda dizer operação, reservando-se
cirurgia
para nomear o ramo da medicina que trata os enfermos por meio de operações.
Referências bibliográficas
1. PEREIRA, I.- Dicionário grego-português
e português-grego, 4. ed., Porto, Liv. Apostolado da Imprensa, 1969.
2. MARSHAW, A.I., SARR, M.G,(Editors-in-chief).
Surgery
:139:
173, 2006.
3. BECKER, Idel - Nomenclatura biomédica no idioma
português do Brasil. São Paulo, Liv. Nobel, 1968.