OS CONSTRUTORES DA MODERNA MEDICINA
Recentemente foi publicado
um livro sob o título As dez maiores descobertas em medicina.
Seus
autores, Meyer Friedman e Gerald Friedland, admitem que a seleção
foi feita baseada em critérios subjetivos e que cada historiador
poderia organizar sua própria lista, diferente da que foi apresentada.
Preferimos comparar a moderna
medicina a uma grande construção, edificada durante séculos,
e nos perguntamos. O que é mais importante em um edifício
solidamente construído: as fundações, as pilastras
de sustentação, ou o acabamento e a decoração?
Concluímos que são as fundações e as pilastras.
Com essa visão, em
lugar de 10, selecionamos 20 personagens da História da Medicina
que, a nosso ver, forneceram as bases e contribuíram de maneira
decisiva para a construção da moderna medicina: dois são
da antigüidade, um do século XVI, um do século XVII,
três do século XVIII, sete do século XIX e seis do
século XX.
ANTIGUIDADE
1. Hipócrates (460-355 a.C.)
Colocamos
em primeiro lugar Hipócrates e sua escola, marco inicial da medicina
racional. Hipócrates separou a medicina da religião e da
magia, bem como da filosofia especulativa, e afastou a idéia de
causas sobrenaturais para as doenças, interpretando estas como fenômenos
naturais resultantes da condição biológica do homem
e de sua interação com o meio ambiente. Ressaltou a importância
da observação clínica para o diagnóstico e
o prognóstico e estabeleceu normas para a anamnese e o exame físico
do paciente. Com base unicamente na observação clínica
descreveu várias doenças e condições patológicas
diversas. A par disso, deu dignidade à profissão médica,
elaborando os preceitos éticos fundamentais indispensáveis
ao exercício da medicina.
2. Galeno (200-130 d.C.)
Cinco séculos separam Hipócrates de Galeno. Claudius Galenus
era um médico grego que viveu a maior parte de sua vida em Roma,
onde desenvolveu intensa atividade, exercendo a clínica, fazendo
dissecções e experimentos em animais e escrevendo sem cessar.
Calcula-se que tenha escrito cerca de 400 livros sobre vários assuntos,
70 dos quais sobre medicina. Parte de seus manuscritos se perdeu em um
incêndio no Templo da Paz, em Roma, onde os mesmos se encontravam.
Galeno era monoteista e considerava o corpo apenas como instrumento da
alma, ensinamento que lhe valeu o apoio da Igreja. Sua obra foi considerada
definitiva para o ensino e a prática da medicina e perdurou como
tal até a Idade Média, ou seja por 1.300 anos. Somente no
Renascimento todo o sistema de Galeno começou a ser questionado.
Apesar dos muitos erros que cometeu, sua contribuição mais
relevante diz respeito à anatomia e à fisiologia. Deve-se
a ele o importante princípio de que qualquer alteração
da função corresponde a uma lesão e vice-versa.
SÉCULO XVI
3. Vesalius (1514-1564)
Andreas
Vesalius era belga de nascimento, natural de Bruxelas; estudou em Louvain
e Paris e ensinou anatomia na Universidade de Pádua, na Itália,
na época a mais importante escola médica da Europa. Com base
na dissecção de cadáveres, demonstrou todos os erros
de anatomia cometidos por Galeno, que se baseava na dissecção
de animais., uma vez que era proibida a dissecção de corpos
humanos no Império Romano. Aos 29 anos de idade publicou sua monumental
obra intitulada De humanis corporis fabrica (A estrutura do corpo
humano), que lhe deu um lugar de destaque na História da Medicina
e lhe valeu a ira dos seus contemporâneos, os quais não aceitavam
que Galeno houvesse errado. Vesalius dissecava pessoalmente os cadáveres,
o que não era costume entre os professsores de anatomia, que permaneciam
sentados em uma espécie de púlpito (cátedra), de onde
assistiam a dissecção feita por auxiliares, geralmente cirurgiões
barbeiros, e comentavam o que se encontrava nos livros de Galeno. Em uma
das sessões públicas de dissecção, Vesalius
foi advertido de que uma de suas afirmações estavam em desacordo
com Galeno, ao que ele replicou que, nesse caso, o erro era de Galeno.
Os professores presentes retiraram-se da sala em protesto contra a arrogância
desse jovem pretensioso.
SÉCULO XVII
4. Harvey (1578-1657)
William
Harvey era natural da Inglaterra, estudou medicina em Pádua, na
Itália, e regressou ao seu país, onde realizou a maior descoberta
do século, que foi a da circulação do sangue. Até
então prevalecia o modelo proposto por Galeno para a irrigação
sangüínea dos órgãos, segundo o qual o sangue
difundia-se a todo o corpo pelas veias, regressando ao coração
pela mesma via. As artérias se destinavam a conduzir o ar
dos pulmões, de mistura com uma menor quantidade de sangue que passava
do ventrículo direito ao esquerdo através de poros existentes
no septo interventricular. Tais poros, na verdade, não existiam,
como provou Vesalius. Por meio da vivissecção nas mais diferentes
espécies animais verificou Harvey que o coração se
contrai durante a sístole, expulsando o sangue dos ventrículos
em direção à aorta e artéria pulmonar e dilata-se
durante a diástole, recebendo o sangue da veia cava e da veia pulmonar.
Calculou a quantidade de sangue ejetada em cada sístole e concluiu
matematicamente que a movimentação ininterrupta de tão
grande quantidade de sangue só seria possível se o sangue
circulasse através das artérias até os tecidos e retornasse
pelas veias ao coração. Como os capilares ainda eram desconhecidos,
Harvey admitiu a existência de anastomoses arteriovenosas ou simplesmente
a passagem do sangue através de porosidades nos tecidos. Harvey
foi o primeiro a empregar cálculos matemáticos na avaliação
de um fenômeno biológico. Foi tão revolucionária
a sua descoberta que o próprio Harvey previu a reação
dos seus contemporâneos, expressa na seguinte frase: "O que vou dizer
agora é de tal novidade que temo não só o ciúme
de alguns, mas a inimizade de todos."
SÉCULO XVIII
5. Morgagni (1682-1771)
Giovanni
Battista Morgagni foi o fundador da Anatomia Patológica. Foi professor
de anatomia na Universidade de Pádua durante 56 anos. Em 1761, aos
70 anos de idade, publicou sua monumental obra em cinco volumes De sedibus
et causis morborum (Da sede e causas das doenças), fruto de
seus estudos e observações em autópsias por ele realizadas
ou orientadas. Procurou correlacionar os sintomas apresentados em vida
pelos enfermos com as lesões anatômicas encontradas nos diferentes
órgãos. Dentre os seus relatos mais importantes cumpre destacar
os de aneurisma sifilítico da aorta, atrofia amarela aguda do fígado,
meningite secundária à otite, câncer do estômago,
úlcera gástrica, colelitíase, endocardite, estenose
mitral, insuficiência aórtica, estenose pulmonar, esclerose
das coronárias, tetralogia de Fallot, coarctação da
aorta e ileíte regional. Os seus contemporâneos não
alcançaram o verdadeiro significado de sua obra, uma das principais
fundações da medicina moderna.
6. Lavoisier.(1743-1794)
Antoine
Laurent Lavoisier, o fundador da química moderna, nasceu em Paris
e teve educação esmerada. Primeiramente estudou direito,
porém desde cedo sentiu-se atraído pela investigação
científica e montou seu próprio laboratório. Aos 25
anos já era membro da Academia de Ciências da França.
Acreditava-se até então que toda matéria orgânica
possuía uma substância denominada flogisto, que se
desprendia quando incinerada, gerando calor. Lavoisier verificou, inicialmente,
que o óxido de ferro, quando aquecido, se transformava em ferro,
perdendo peso e liberando gás com as mesmas propriedades do componente
do ar atmosférico, conhecido por "ar do fogo" ou "ar vital". Chamou
a esse gás oxigênio. Concluiu que o fenômeno
da combustão deveria ser interpretado ao contrário do que
ensinava a teoria flogística: em lugar de perder flogisto,
elemento imaginário que não deveria existir, os corpos quando
se queimam ou se oxidam, absorvem oxigênio. Teve a intuição
de que o calor animal resultava de uma combustão interna, lenta,
na qual seria consumido o oxigênio do ar inspirado, e desprendido
o "ar fixo", que identificou ao gás carbônico (CO2). Comparou
a produção do calor animal à queima do carvão,
em que há consumo de oxigênio e produção de
gás carbônico e água. Atribuiu a cor vermelha do sangue
arterial ao oxigênio. Admitia, e este foi o seu único erro,
que a combustão se desse nos pulmões, onde o sangue entra
em contato com o ar inspirado, e que o calor gerado nos pulmões
seria distribuído pelo sangue a todo o corpo. Lagrange, matemático
francês, com base em cálculos matemáticos, demonstrou
que se a combustão ocorresse somente nos pulmões, a produção
local de calor seria tão intensa que lesaria o parênquima
pulmonar. Defendeu a idéia de que o consumo de oxigênio e
a produção de gás carbônico se daria em todos
os órgãos, o que se comprovou posteriormente. Lavoisier,
um dos maiores gênios da humanidade, foi condenado pela Revolução
Francesa a morrer na guilhotina por suas ligações com a realeza,
tendo sido decapitado em 8/5/1794, quando contava 51 anos de idade.
7. Jenner (1749-1823)
Edward
Jenner nasceu em Berkeley, na Inglaterra. Decidido a estudar medicina,
Jenner freqüentou inicialmente o Serviço de um reputado médico,
Ludlow, em Sodbury, onde certa vez ouviu uma paciente dizer: "eu não
posso ter smallpox (varíola humana), pois já tive
cowpox
(varíola
bovina)". Esta frase ficou retida em sua memória e foi o leit-motiv
de todas as suas observações em anos posteriores Após
concluir seus estudos em Londres voltou a clinicar em Berkeley, onde durante
20 anos, pacientemente, colecionou observações que demonstravam
que os indivíduos previamente contaminados pela varíola bovina
ficavam refratários à varíola humana. Em maio de 1796
realizou a sua experiência crucial, inoculando a linfa de uma pústula
da mão de uma pessoa infectada pela varíola bovina no braço
de um menino de 8 anos. A criança desenvolveu a conhecida reação
eritêmato-pustulosa no local da escarificação e escassos
sintomas gerais. Decorridas 6 semanas Jenner inoculou o pus da varíola
humana na criança, com resultado negativo. Estava descoberta a vacina
antivariólica. Somente em 1798, depois de ter inoculado com sucesso
mais três pacientes, fez a sua primeira comunicação
à Royal Society, que não aceitou o seu trabalho. Decidiu
então publicar o resultado de suas observações por
conta própria, sem aprovação da Royal Society. Por
algum tempo houve muita resistência e crítica ao método
de Jenner. Parecia absurdo introduzir no corpo humano o germe de uma doença
de animal. Apesar disso, a vacinação antivariólica
difundiu-se por todo o mundo. Muito contribuiu para isso a decisão
de Napoleão Bonaparte de vacinar o exército francês,
que ficou imune à varíola. A palavra vacina
quer dizer
da
vaca.
SÉCULO XIX
8. Schwann (1810-1882)
Theodor
Schwann, anatomista alemão, foi professor de anatomia e fisiologia
em Berlim, Louvain e Liège. Influenciado pelo botânico Matthias
Schleiden, que havia descrito a estrutura celular das plantas, demonstrou,
em 1838, que os animais tinham estrutura semelhante. Embora reconhecendo
a importância do núcleo, tanto Schleiden como Schwann não
perceberam o processo de divisão celular. Schwann admitiu que novas
células poderiam formar-se a partir do material intercelular, a
que chamou de citoblastema. A descoberta da estrutura celular dos
animais abriu caminho para a patologia celular de Virchow. Schwann foi
um grande pesquisador: descreveu a bainha de mielina dos nervos ou neurilema,
conhecida pelo epônimo de bainha de Schwann; descobriu a pepsina
em 1835, e demonstrou experimentalmente que a bile é essencial à
digestão.
9. Virchow (1821-1902)
Rudolf
Virchow, patologista alemão, recebeu o grau de médico aos
22 anos de idade e aos 26 já era livre-docente e fundou a revista
Virchow
Archiv, um dos mais consagrados periódicos médicos até
os dias de hoje. Dotado de inteligência privilegiada e determinação
foi, a um só tempo, professor de anatomia patológica, pesquisador,
sanitarista, político, antropólogo, historiador e editor
da revista por ele fundada. Foi diretor do Instituto Patológico
de Berlim por mais de 40 anos. Publicou inúmeros trabalhos originais,
dentre os quais cumpre destacar seus estudos sobre tromboembolismo e endocardite.
Sua obra máxima, que o imortalizou, foi o livro Celular pathologie,
publicado em 1858. Neste livro desenvolveu a tese de que a célula
é a unidade fundamental dos seres vivos e que cada célula
provém de outra célula da mesma linhagem, seja ela normal
ou patológica. As doenças orgânicas indicam lesões
patológicas devidas a alterações celulares e não
humorais, como se acreditava. O conceito de patologia celular causou verdadeira
revolução no pensamento médico e sepultou de vez a
teoria dos quatro humores que orientou a prática médica por
mais de 2.000 anos. Além dessa obra magna escreveu um tratado sobre
tumores, no qual descreveu, classificou e deu nome a diversos tipos de
tumores.
10. Morton (1819-1868)
Embora
Crawford Long tenha sido o primeiro médico a usar a anestesia geral
pelo éter e Horace Wells o primeiro dentista a fazer extração
de dente sem dor, com a inalação de N2O,cabe ao
dentista William Thomas Green Morton a glória de haver introduzido
a anestesia geral em cirurgia. Long não divulgou o método
e o abandonou, temendo conseqüências desagradáveis. Wells
fracassou em uma demonstração pública, abandonou a
profissão de dentista e, após a divulgação
do sucesso de Morton, cometeu suicídio aos 33 anos de idade. Morton,
depois de utilizar a inalação de éter em extrações
dentárias teve a idéia de estender o método à
cirurgia e convenceu o cirurgião John Warren, do General Massachussets
Hospital, de Boston, a permitir que ele fizesse uma demonstração.
Idealizou e construiu um inalador para regular a quantidade de éter
administrada e realizou a primeira demonstração no dia 14/10/1846,
a qual foi bem sucedida. Aquilo que um grande cirurgião francês,
Velpeau, considerava uma quimera tornou-se realidade. Ao término
da operação, Warren, percebendo o grande significado daquela
descoberta, proferiu as seguintes palavras: Daqui a muitos séculos
os estudantes virão a este Hospital para conhecer o local onde se
demonstrou, pela primeira vez, a mais gloriosa descoberta da ciência.
A
sala de cirurgia foi conservada intacta como patrimônio histórico.
Com o sucesso alcançado, Morton sofreu uma campanha de descrédito
capitaneada por seu ex-professor de Química, Charles Thomas Jackson,
que reivindicava para si a prioridade da descoberta. Houve muitas reações
contra a anestesia, inclusive de ordem religiosa, porém insuficientes
para deter sua aceitação. Em dezembro do mesmo ano a anestesia
pelo éter já era usada na Inglaterra e na França e,
no ano seguinte, na Alemanha, na Rússia e em outros países,
inclusive o Brasil. Morton morreu pobre, de morte súbita, em uma
via pública de Nova York, aos 49 anos de idade. A denominação
de anestesia foi proposta pelo médico e poeta norte-americano Oliver
Wendel Holmes. A palavra já existia em grego e fora usada por Dioscórides
(de an, privado de + aisthesis, sensibilidade).
11. Lister (1827-1912)
Joseph
Lister nasceu em Londres e foi professor de cirurgia em Glasgow e Edinburgh.
Em Glasgow preocupava-se com a supuração das feridas operatórias
e com a alta mortalidade das amputações, que chegava a 45%.
Ao tomar conhecimento dos estudos de Pasteur que demonstravam que a fermentação
era causada por microorganismos, teve a intuição de que a
supuração e a gangrena nos hospitais fossem igualmente causadas
por micróbios existentes no ar. Ocorreu-lhe usar um anti-séptico
nas fraturas expostas e optou pelo ácido carbólico (ácido
fênico) de reconhecida ação desinfetante. Seu método
consistia em introduzir mechas de pano embebidas em ácido carbólico
nas feridas e recobrir estas para evitar contato com o ar atmosférico.
Em 1867 publicou no Lancet sua experiência com os primeiros
11 casos de fraturas expostas assim tratados, sem nenhum caso de gangrena
ou supuração. Os cirurgiões ingleses se opuseram às
idéias de Lister. Seu método, entretanto, difundiu-se no
continente europeu e foi adotado com entusiasmo na Alemanha e na Áustria.
Em 1869 Lister transferiu-se para Edinburgh onde permaneceu durante nove
anos como professor de Clínica Cirúrgica. Tendo observado
que a infecção pós-operatória localizava-se
de preferência nas suturas, passou a mergulhar o categute e outros
fios de sutura no ácido carbólico antes de usá-los.
Era costume o cirurgião exteriorizar as pontas do categute para
fora da ferida cirúrgica para drenar o pus que se formava e que
era considerado normal. Lister foi o primeiro a cortar o categute rente
ao nó, sem complicações. Por último, Lister
passou a utilizar um spray de ácido carbólico no campo operatório
durante o ato cirúrgico. Em 1877, com 50 anos de idade, retornou
a Londres como professor de clínica cirúrgica. Aos poucos,
os ingleses reconheceram o mérito de Lister e o cumularam de homenagens
e honrarias. As descobertas da anestesia geral e da anti-sepsia, posteriormente
substituída pela assepsia, tornaram possível a moderna cirurgia.
12. Pasteur (1822-1895)
Louis
Pasteur nasceu em Dôle, na França. Não era médico
e sim químico. Suas primeiras pesquisas referem-se ao ácido
tartárico. Aos 22 anos foi professor de Física em Dijon e
Strasburg e aos 32 professor e diretor da Faculdade de Ciências de
Lille, onde havia usinas de produção de álcool. Em
Lille interessou-se pela fermentação alcoólica e a
fermentação do leite. Em 1857 foi nomeado diretor científico
da Escola Normal de Paris, onde continuou seus estudos sobre fermentação.
Verificou que a fermentação se deve à ação
de microorganismos existentes no ar atmosférico. Demonstrou experimentalmente
que a geração espontânea era um mito que devia ser
abandonado. Em 1864 foi solicitado a estudar a fermentação
que ocorria no vinho e que estava arruinando a indústria vinícola
na França. Descobriu nessa ocasião que o aquecimento do vinho
à temperatura entre 50 e 60 graus centígrados destruía
os germes sem alterar a qualidade do vinho. Este método foi chamado
de pasteurização e utilizado também para a
cerveja e o leite. Solicitado a estudar a pebrina, uma doença do
bicho-de-seda, constatou que a mesma era produzida por germes que infectavam
os ovos e que poderia ser evitada pela seleção de ovos não
contaminados e destruição dos demais. Em 1877 voltou sua
atenção para o antraz, que dizimava os rebanhos de carneiros,
e para o cólera aviário. Isolou os micróbios responsáveis
e verificou que o do cólera perdia virulência em culturas
velhas, o mesmo ocorrendo com o do antraz quando aquecido a 42 graus centígrados.
Descobriu que a inoculação do micróbio com virulência
atenuada protegia o animal da doença e deu ao método a denominação
de vacinação, em homenagem a Jenner. Sua última
e notável contribuição à ciência e à
medicina foi a descoberta do tratamento da hidrofobia. As descobertas de
Pasteur, além de sua natureza científica, tiveram imediata
aplicação prática, que redundou em real benefício
para a humanidade. A motivação patriótica de seus
estudos proporcionaram ainda maior riqueza à França. Pasteur
foi glorificado em vida e apesar de não ser médico foi admitido
na Academia de Medicina da França. Uma subscrição
internacional, que teve a participação de D. Pedro II, Imperador
do Brasil, levantou a quantia de 2.500.000 francos para construção
do Instituto Pasteur de Paris, inaugurado em 1888. Já doente e hemiplégico,
Pasteur pouco utilizou os laboratórios do novo Instituo, vindo a
falecer em 1895.
13. Koch (1847-1910)
Robert
Koch, natural de Hanover, na Alemanha, foi um dos fundadores da bacteriologia.
Graduou-se em medicina em 1866 na Universidade de Götingen e, a partir
de 1870, foi médico distrital em Hollestein. Discípulo de
Henle, interessava-se pela microscopia. Montou um pequeno laboratório
em sua própria residência, onde desenvolveu novos métodos
de cultura e de coloração das bactérias. Em 1876 obteve
culturas puras do bacilo do antraz e descobriu o fenômeno da formação
de esporos, que poderiam reverter-se à forma infectante de bacilo.
Em 1878 publicou uma monografia sobre a infecção das feridas,
com a descrição de várias espécies diferentes
de bactérias. Em 1880 foi trabalhar no Instituto Imperial de Saúde
em Berlim, onde passou a dispor de um laboratório bem equipado e
de dois assistentes. Em 1882 descobriu o bacilo da tuberculose, o que lhe
valeu o respeito e a admiração de toda a comunidade científica
internacional. Na publicação sobre esta descoberta, Koch
estabeleceu os postulados, que se tornaram clássicos, para identificação
do agente etiológico das doenças infecciosas: 1) o microorganismo
deve estar presente em todos os casos da doença; 2) deve ser isolado
em culturas puras; 3) a inoculação da cultura em animais
susceptíveis deve reproduzir a doença; 4) deve ser encontrado
nos animais assim infectados e crescer em culturas puras. Em 1883 chefiou
a Comissão alemã enviada ao Egito e à Índia
para estudo do cólera, que grassava naqueles países. Na Índia
descobriu o vibrião do cólera e comprovou sua transmissão
pela água, alimentos e vestuário. Em 1890 Koch obteve a tuberculina
das culturas do bacilo da tuberculose e supôs que a mesma pudesse
ser usada no tratamento da tuberculose. A experiência demonstrou
sua ineficácia como remédio, porém útil para
o diagnóstico. Em 1891 Koch foi indicado para Diretor do recém-fundado
Instituto Imperial de Saúde de Berlim, cargo em que permaneceu até
1904. A pedido do Governo inglês dirigiu-se à África
do Sul, onde realizou estudos sobre a doença do sono, malária,
peste bubônica e endemias de interesse veterinário. Em 1905
recebeu o prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina. Tornou-se famoso
em todo o mundo e recebeu inúmeras láureas e títulos
honoríficos. Faleceu em 1910, aos 67 anos de idade. Depois dele
e graças ao seu trabalho pioneiro, a bacteriologia teve um grande
desenvolvimento, com a identificação dos agentes etiológicos
de várias enfermidades como a febre tifóide, pneumonia, erisipela,
difteria, tétano, meningite, peste e outras.
14. Roentgen (1845-1923)
Em
novembro de 1895, o físico alemão Wilhelm Conrad Roentgen
descobriu em seu laboratório de Física da Universidade Würzburg
um novo de tipo de radiação, a que chamou de raios-X por
desconhecer a sua natureza. Ao passar uma corrente elétrica por
uma ampola de Crooks recoberta por papel negro, em ambiente também
escuro, notou luminescência em uma placa de platinocianeto de bário
que se encontrava sobre a mesa. Verificou que essa radiação
tinha o poder de atravessar o papel, a madeira e outros objetos, e de impressionar
um filme fotográfico. Colocando a mão de sua esposa sobre
o filme, obteve com os raios-X uma fotografia dos ossos da mão com
o anel no dedo anular. Convencido da importância de sua descoberta,
apresentou à Sociedade de Física Médica de Würzburg,
para publicação, uma nota prévia com o título
Sobre
uma nova espécie de raios.
Em 23 de janeiro de 1896
fez uma demonstração perante àquela sociedade, fotografando
a mão do professor de anatomia da Universidade, Albert von Kolliker.
Kolliker propôs o nome de raios Roentgen para os raios-X. A notícia
espalhou-se pelo mundo, prevendo-se a aplicação imediata
dos raios-X em medicina. Roentgen não quis tirar patente de sua
descoberta e respondeu a propostas nesse sentido com as seguintes palavras:
"De acordo com a tradição dos professores universitários
alemães, sou de opinião que as descobertas e invenções
se destinam a servir à humanidade e não devem ter qualquer
exclusividade, nem proteção de patentes, licenças
ou contratos, nem devem ser controlados por qualquer grupo". Com esse propósito,
Roentgen deixava livre o caminho para que as empresas industriais construíssem
e aperfeiçoassem aparelhos de raios-X. Já em 1897 foram os
mesmos utilizados em cirurgia militar, na guerra da Grécia com a
Turquia e na guerra dos Canudos, no Brasil. Roentgen foi o primeiro a receber
o prêmio Nobel de Física em 1901. A partir de então
Roentgen sofreu uma campanha de descrédito por parte de alguns físicos
da época quanto a sua prioridade na descoberta, o que muito o amargurou,
apesar das muitas homenagens e honrarias que recebeu. Faleceu em Munich,
em 1923, aos 78 anos de idade. A descoberta dos raios-X assinala o início
da era tecnológica da medicina.
SÉCULO XX
15. Landsteiner (1868-1943)
A
partir do século XVII foram feitas várias tentativas de transfusão
de sangue, inicialmente de animal para o homem e, a seguir, de uma pessoa
a outra, braço a braço. Raramente a transfusão era
bem sucedida; na maioria das vezes provocava reações no receptor
ou mesmo a sua morte. Os riscos eram tão grandes que a transfusão
de sangue foi proibida ou abandonada. Coube a Karl Landsteiner esclarecer
a razão das desastrosas conseqüências da transfusão
de sangue, tornando-a um método terapêutico seguro e rotineiro.
Landsteiner era austríaco. Graduou-se em medicina na Universidade
de Viena em 1891, aos 23 anos de idade. Dedicou-se à pesquisa em
lugar da prática médica. Interessou-se particularmente pela
bioquímica e imunologia. Como professor assistente da Universidade
de Viena, aos 32 anos de idade, descobriu que havia no homem grupos sangüíneos
incompatíveis entre si. Usando a técnica da aglutinação
descreveu inicialmente três grupos, a que chamou A, B e C
e
divulgou sua descoberta em 1901 em um artigo de apenas três páginas.
O quarto grupo foi acrescentado um ano depois por seus colaboradores Alfred
von Decastello e Adriano Sturli. Em 1909 Emil von Dungern e Ludwick Hirsfeld
deram a este grupo a denominação de AB e mudaram o
nome do terceiro grupo para O. Em 1921 Landsteiner foi convidado
a trabalhar no Instituto Rockfeller, em Nova York, e transferiu-se para
os Estados Unidos, naturalizando-se cidadão norte-americano. Em
1930 recebeu o prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina. Landsteiner
era um pesquisador infatigável e de grande criatividade. Ao deixar
a Áustria já havia publicado 171 trabalhos sobre os mais
diversos temas ligados à hematologia, imunologia, bioquímica,
patologia e bacteriologia. Em 1940, aos 72 anos, fez outra descoberta importante
juntamente com seus colaboradores Alexander Wiener e Philip Levi – a do
fator Rh, que veio esclarecer a etiologia da eritroblastose fetal e evitar
a sensibilização do receptor.
16. Fleming (1881-1955)
Alexander
Fleming vinha já há algum tempo pesquisando substâncias
capazes de matar ou impedir o crescimento de bactérias nas feridas
infectadas. Essa preocupação se justificava pela experiência
adquirida na Primeira Grande Guerra (1914-1918), na qual muitos combatentes
morreram em conseqüência da infecção em ferimentos
profundos. Fleming fora um aluno brilhante no curso médico. Após
sua graduação, dedicou-se à bacteriologia, como assistente
de Almroth Wright no St. Marys’s Hospital, de Londres. Foram muitas suas
pesquisas, porém a descoberta da penicilina ofuscou as demais. Em
1921 Fleming descobrira uma substância antibacteriana existente nas
secreções como a lágrima, muco nasal e saliva, a qual
dera o nome de lisozima. Em 1928 Fleming desenvolvia pesquisas sobre estafilococos,
quando descobriu a penicilina. A descoberta da penicilina deu-se graças
ao acaso e ao espírito de observação de Fleming, confirmando
a sentença de Pasteur de que o acaso só favorece as mentes
preparadas. No mês de agosto daquele ano Fleming tirou férias
e, por esquecimento, deixou algumas placas com culturas de estafilococos
sobre a mesa, em lugar de guardá-las na geladeira ou inutilizá-las,
como seria natural. Quando retornou ao trabalho, em setembro, observou
que algumas das placas estavam contaminadas com mofo, fato que é
relativamente freqüente. Colocou-as então, em uma bandeja para
limpeza e esterilização com lisol, quando notou que havia,
em uma das placas, um halo transparente em torno do mofo contaminante,
o que parecia indicar que aquele fungo produzia uma substância bactericida.
Fleming decidiu fazer algumas culturas do fungo para estudo posterior.
O fungo foi identificado como pertencente ao gênero Penicilium, donde
deriva o nome de penicilina dado à substância por ele produzida.
Verificou que a penicilina inibia o crescimento das colônias de bactérias
Gram-positivas, como estafilococos e estreptococos, e passou a empregá-la
em seu laboratório para selecionar determinadas bactérias
que eram resistentes à sua ação. A descoberta de Fleming
não despertou inicialmente maior interesse e não houve a
preocupação em utilizá-la para fins terapêuticos
em casos de infecção humana até a eclosão da
Segunda Guerra Mundial, em 1939. Em 1940, Sir Howard Florey e Ernst Chain,
de Oxford, retomaram as pesquisas de Fleming e conseguiram produzir penicilina
com fins terapêuticos em escala industrial, inaugurando uma nova
era para a medicina - a era dos antibióticos. Em 1945, Fleming,
Florey e Chain receberam conjuntamente o prêmio Nobel de Fisiologia
e Medicina.
17. Francis Crick (1916-2004)
Crick,
físico inglês, interessou-se pela biologia e fez seu doutorado
em Cambridge, na Inglaterra, sobre estrutura das proteínas, utilizando
cristalografia e difração aos raios-X. Em 1951 associou-se
a um jovem americano, James Watson, que havia sido admitido no mesmo laboratório
como pós-graduando em Genética e Bioquímica. Ambos
se propuseram a realizar estudos sobre a estrutura tridimensional do DNA,
cuja composição já era conhecida. Sabia-se que o DNA
era uma macromolécula alongada, formada de nucleotídeos contendo
um açúcar (deoxirribose), fosfato e quatro bases (adenina,
citosina, guanina e timina). Sabia-se também que a quantidade de
adenina é exatamente igual a de timina e a quantidade de citosina
a mesma de guanina. Na mesma época, no King’s College, de Londres,
Maurice Wilkins e Rosalind Franklin desenvolviam pesquisas similares. Ao
contrário de Crick e Watson, Wilkins e Franklin trabalhavam individualmente
e não em colaboração. Rosalind Franklin era especialista
em cristalografia e desenvolveu técnica que permitiu usar a difração
aos raios-X para obter fotografias da molécula do DNA. Graças
às pesquisas de Wilkins, Franklin e outros investigadores tornou-se
evidente que o açúcar (ribose) ocupava a parte externa da
molécula, enquanto as bases ocupavam a parte interna. Por outro
lado, as fotografias obtidas por Franklin, especialmente uma que ficou
famosa e conhecida pelo número 51, indicavam que a molécula
de DNA tinha a forma helicoidal. Depois de rever todos os dados disponíveis
na literatura e tomar conhecimento dos achados de Franklin e Wilkins, Crick
e Watson puseram-se a construir modelos que fossem a réplica da
molécula do DNA. Após várias tentativas, concluíram
que o modelo que satisfazia todos os requisitos era o da dupla hélice,
antiparalela, em forma de escada em espiral, na qual os degraus seriam
formados por pares de bases, estando a adenina sempre ligada à timina
e a citosina à guanina. Cada base se manteria unida a seu par por
um átomo de hidrogênio. Convencidos de que haviam descoberto
a estrutura do DNA encaminharam a comunicação à revista
Nature,
que publicou o artigo em 25/04/1953. O mesmo número da revista publicou
também uma comunicação de Rosalind Franklin e outra
de Maurice Wilkins, com os resultados de suas pesquisas. Crick, Watson
e Wilkins receberam o prêmio Nobel de 1962. Rosalind Franklin não
foi incluída por haver falecido de câncer em 1958, aos 38
anos de idade. Difícil dizer a quem pertence o maior mérito
nessa descoberta. Crick e Watson foram os mais distinguidos, porém
o brilho do seu trabalho foi de certo modo apagado quando se soube que,
para a construção do modelo, haviam utilizado dados não
publicados e fotografias feitas por Franklin e Wilkins, sem autorização
e conhecimento destes, e sem a necessária referência.
18. Rosalyn Yallow (1921- )
Numa
época em que o curso de Física era freqüentado somente
por alunos do sexo masculino, Rosalyn Yallow foi a primeira mulher a obter
PhD em Física Nuclear, em 1945. Em 1950 associou-se ao médico
Salomon Berson, do Veterans Hospital, de Nova York, e juntos iniciaram
um amplo projeto de estudos sobre o emprego de radioisótopos em
medicina. Os conhecimentos de matemática e física de Yallow
e os de medicina de Berson se completavam para o programa que tinham em
mente. A parceria entre eles só foi interrompida em 1972, com a
morte de Berson. Iniciaram as investigações com estudos sobre
o diabetes do adulto. Injetaram insulina marcada com iodo radioativo em
indivíduos normais e em pacientes diabéticos e verificaram
que, ao contrário do que esperavam, a radioatividade permanecia
por mais tempo no organismo dos diabéticos do que nos indivíduos
normais. Atribuíram o fato à formação de anticorpos
antiinsulina. Para a quantificação desses anticorpos, os
métodos de dosagem disponíveis eram inadequados. Yallow desenvolveu,
então, um método extremamente sensível usando radioisótopos,
a que denominou de radioimunoensaio (RIA). Além da sua importância
no estudo do diabetes, o novo método, por sua alta sensibilidade,
proporcionou um avanço extraordinário da biologia, de um
modo geral, e da endocrinologia, em particular. Mostrou-se capaz de detectar
concentrações de proteínas um milhão de vezes
menor do que as menores concentrações que se poderiam dosar
pelos métodos convencionais. Em 1963, Yallow e Berson empregaram
o radioimuniensaio para dosar vários hormônios. Em 1970, Yallow
passou a chefiar o Serviço de medicina nuclear do Veterans Hospital
e, após a morte de Berson em 1972, prosseguiu nas pesquisas programadas
e dosou a colecistocinina. A importância do método se refletiu
de imediato no campo da imunologia na dosagem de antígenos e anticorpos.
Yallow recebeu diversos prêmios, títulos e homenagens, culminando
com o prêmio Nobel em 1977. Ao receber o prêmio Nobel reverenciou
a memória de Berson, a quem devia o sucesso de sua carreira. O método
do radioimunoensaio foi substituído posteriormente pelo imunoenzimático
(ELISA), baseado nos mesmo princípios.
19. Hirschowitz (1928-)
A endoscopia passou por
quatro fases: a das válvulas e espéculos, na antigüidade;
a dos endoscópios rígidos, no século XIX e início
do século XX; a dos endoscópios semiflexíveis, de
1932 a 1957, e a dos endoscópios flexíveis, a partir desta
data. Os endoscópios rígidos eram desconfortáveis,
de maior risco para os pacientes e de aplicação limitada.
A partir de 1932, Rudolf Schindler introduziu o gastroscópio semiflexível,
que permitia o exame parcial do estômago. A transmissão da
imagem através do segmento distal encurvado do aparelho se fazia
por sistema de pequenos espelhos incrustados no interior do tubo. A grande
revolução, que transformou a endoscopia em um método
de exame seguro e eficiente, ocorreu em 1957, com o emprego da fibra óptica
para iluminação e transmissão da imagem. A idéia
de construir um endoscópio com fibra óptica se deve a Basil
Hirschowitz, um pós-graduando sul-africano que estagiava em Ann
Arbor, nos Estados Unidos. Hirschowitz associou-se ao físico Larrey
Curtiss e trabalharam juntos de 1954 a 1957 na construção
do aparelho. A dificuldade maior por eles encontrada se devia à
dispersão da luz no feixe de fibras colocadas no interior do tubo,
ocasionando deformidade e baixa resolução da imagem. Em 1956,
Curtiss resolveu o problema, fabricando fibras ópticas revestidas
por outra capa de vidro de densidade diferente, que impedia a dispersão
da luz. Com essa modificação obtiveram a transmissão
da imagem com boa qualidade e sem deformação. Em 16 de março
de 1957, Hirschowitz e Curtiss apresentaram o protótipo do aparelho
e fizeram uma demonstração no Congresso de endoscopistas
reunido em Colorado Springs, ressaltando as vantagens do aparelho em ralação
ao modelo semiflexível então em uso. A inovação
não despertou entusiasmo entre os presentes e foi recebida com cepticismo.
Hirschowitz procurou interessar as indústrias de instrumentos ópticos
e somente a American Cystoscope Makers Inc. demonstraram interesse em sua
fabricação. Três anos após, em outubro de 1960,
finalmente a ACMI lançou no mercado o gastroscópio de fibras
ópticas. Sucessivos aperfeiçoamentos introduzidos posteriormente
por outros fabricantes fizeram do gastroscópio de Hirschowitz o
principal instrumento no diagnóstico das afecções
do esôfago, estômago e duodeno. Dentro dos mesmos princípios
foram construídos a seguir outros tipos de endoscópios, como
o colonoscópio e o broncoscópio. Na década de 80,
a fibroendoscopia foi substituída pela videoendoscopia. Hirschowitz,
apesar de não ter sido contemplado com o prêmio Nobel, foi,
sem dúvida, um dos construtores da moderna medicina.
20. Oswaldo Cruz (1872-1917)
Dentre
os grandes vultos da medicina brasileira que contribuíram para a
moderna medicina, nossa escolha recaiu em Oswaldo Cruz. Foi ele um gigante
que estava destinado a mostrar ao mundo a importância do saneamento
básico e da vacinação preventiva no combate às
epidemias. No início do século XX, o Rio de Janeiro, capital
do Brasil, era uma cidade imunda, doentia, infestada de ratos, de mosquitos,
onde grassavam as piores doenças epidêmicas da época:
febre amarela, peste bubônica, cólera e varíola. Os
navios procedentes da Europa recusavam-se a fazer escala no Rio de Janeiro
e iam diretos a Buenos Aires. Rodrigues Alves, eleito para presidente da
República em 1902, diante da situação calamitosa do
Rio de Janeiro, nomeou prefeito da cidade o engenheiro Francisco Pereira
Passos e diretor do Departamento Nacional de Saúde Pública
o médico Oswaldo Cruz, que lhe fora apresentado como o médico
sanitarista mais indicado para o cargo, ambos com amplos poderes e autonomia
de ação. Oswaldo Cruz era natural de Paraitinga, estado de
São Paulo. Concluiu o curso médico no Rio de Janeiro e, após
sua graduação, estagiou no Instituto Pasteur de Paris, onde
se especializou em microbiologia e saúde pública. Enquanto
Pereira Passos promovia a reurbanização da cidade, Oswaldo
Cruz atacava as doenças epidêmicas. Para o combate à
febre amarela, criou a Brigada Mata-mosquitos, que tinha a missão
de vistoriar todas as residências e eliminar os focos de reprodução
do Aedes egypti. Os mata-mosquitos iam acompanhados de policiais,
pois muitos moradores se recusavam a permitir a inspeção.
Para o combate à peste bubônica fazia-se mister a desratização
da cidade. Com esse fim, Oswaldo Cruz apelou para o auxílio da população,
orientando-a sobre a maneira de envenenar os ratos e pagando 100 reis por
rato vivo ou morto. Houve quem criasse ratos em casa para vender às
autoridades sanitárias. A prevenção do cólera
foi alcançada com as obras de saneamento básico e medidas
higiênicas. Restava a varíola. Para extinguí-la só
havia um meio – vacinação obrigatória, visto que parte
da população recusava a vacinar-se. A lei da vacinação
obrigatória desencadeou uma campanha contra Oswaldo Cruz. A população,
médicos homeopatas e muitos políticos de projeção
colocaram-se em oposição à lei, que foi taxada de
inconstitucional, pois feria liberdade individual. Em novembro de 1904
Rodrigues Alves foi pressionado a demitir Oswaldo Cruz, e se recusou a
fazê-lo, o que provocou um movimento armado, com a participação
de militares, para depor o presidente da República, episódio
que ficou conhecido como "Revolta da vacina". Revogada a lei, a população
foi, aos poucos, aderindo à vacinação ao constatar
a sua eficácia em prevenir a doença. A cidade tomou novo
aspecto com a remodelação urbana, a higienização
e o desaparecimento gradativo das doenças epidêmicas. O trabalho
de Oswaldo Cruz foi reconhecido internacionalmente. Após o sucesso
alcançado com o saneamento do Rio de Janeiro, Oswaldo Cruz lançou-se
à sua maior empresa, que foi a da institucionalização
da pesquisa médica científica no Brasil, com a fundação
do Instituto de Manguinhos, hoje Instituto Oswaldo Cruz. Oswaldo Cruz faleceu
em 1917, na cidade de Petrópolis, com 45 anos incompletos.
Vimos, assim, em vôo
de pássaro, a evolução da medicina desde Hipócrates
até os nossos dias e quem foram os construtores das pilastras de
sustentação dessa evolução. Devemos considerar
que as descobertas em medicina, como em todas as ciências, não
são fruto unicamente de mentes superdotadas, mas de um contexto
histórico que condiciona o ambiente, as circunstâncias e os
meios para sua eclosão. São como os frutos de uma árvore,
que só aparecem quando esta fixa suas raízes no solo e desenvolve
o tronco, que irá conduzir a seiva até os menores ramos.
Apresentado no XV Encontro Científico dos Academicos de Medicina. Goiânia, 18/09/2003.
Atualizado em 2006.
Joffre M de Rezende
Prof. Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade
Federal de Goiás
Membro da Sociedade Brasileira de História da Medicina
e-mail: pedro@jmrezende.com.br
http://www.jmrezende.com.br