HISTÓRIA DA MEDICINA


DENGUE - UMA DOENÇA NEGLIGENCIADA

 

            A Organização Mundial de Saúde (OMS) reúne sob a rubrica de doenças negligenciadas  um grupo de doenças tropicais endêmicas que ocorrem especialmente entre as populações pobres da Ásia. África e América Latina. Em conjunto, essas doenças causam 500.000 a 1.000.000 de óbitos por ano. As principais são malária, dengue, doença de Chagas, esquistossomose, leishmaniose, doença do sono, tuberculose Elas afetam as populações mais empobrecidas nos países menos desenvolvidos do mundo, e, portanto, não constituem um mercado lucrativo para as indústrias farmacêuticas. Avalia-se que dos medicamentos produzidos entre 1975 e 2004, somente 1,3% se destinavam às doenças negligenciadas, embora elas representem 12% de toda a nosologia.

            O problema das doenças negligenciadas é tão sério que foi criada uma fundação com sede em Genebra, na Suíça, sem fins lucrativos, conhecida pela sigla DNDi (Drugs for Neglected Diseases initiative) destinada a financiar projetos de pesquisa e produção de novos medicamentos para essas doenças. A Fundação tem feito parceria com a Industria Farmacêutica, o que tem propiciado bons resultados. Graças a uma dessas parcerias o Laboratório francês SANOFI-AVENTIS vem de obter uma vacina para prevenção do dengue, vacina esta que já está sendo testada em seres humanos, como veremos adiante.

O dengue, como é sabido, é uma doença viral transmitida por um mosquito, o Aedes aegypti, o mesmo transmissor do vírus da febre amarela. São reconhecidos atualmente quatro tipos de vírus, designados abreviadamente por DEN-1, DEN-2, DEN-3 e DEN-4, o que vinha dificultando a obtenção de uma vacina tetravalente.

Do ponto de vista epidemiológico, se observarmos a distribuição geográfica da doença, verificamos que ela está presente na América Latina, do norte da Argentina ao México, nos países da África Central e no continente asiático, especialmente na Índia e Indonésia.

No Brasil o dengue se encontra espalhado por todo o território nacional. O número de casos notificados em 2009, segundo dados oficiais, foi de 529.000 , dos quais 44.871 em Goiás. A mortalidade por dengue no Brasil é considerada alta, sendo seis vezes maior que a tolerada pelos parâmetros da Organização Mundial de Saúde.

É oportuno lembrar que o Brasil, preocupado no passado com a febre amarela, havia extinguido o Aedes aegypti de seu território. A partir da década de 60, com a implantação do governo militar, houve relaxamento da vigilância sanitária e o mosquito foi reintroduzido no País.

           Não se pode negar que o Ministério da Saúde tem desenvolvido uma campanha intensa de combate ao vetor, com apreciável redução da incidência da doença nas áreas trabalhadas. É uma “tarefa monumental”, no dizer de Drauzio Varela, “capaz de reduzir o número de casos, mas não de acabar com eles.  Enquanto não for descoberta uma vacina será impossível eliminar o dengue.”

            Finalmente, uma luz ao fim do túnel. Em janeiro deste ano os Laboratórios Sanofi-Avantis anunciaram ter obtido, por engenharia genética, uma vacina tetravalente imunogênica, com ação sobre os quatro serotipos de vírus. A tolerância e a capacidade de formar anticorpos foram inicialmente testadas em 33 voluntários, não se registrando efeitos colaterais adversos, a não ser cefaléia, mialgia e mal-estar geral, e houve formação de anticorpos antivírais.

            Em setembro deste ano iniciou-se no Brasil uma experiência com a vacina sob a responsabilidade da Universidade Federal do Espírito Santo, estando programado vacinar 150 pessoas que serão acompanhadas durante 12 a 18 meses. Só depois de conhecidos os resultados, e sendo estes favoráveis, o Ministério da Saúde poderá liberar o uso da vacina.

            É animadora a perspectiva de controle do dengue em todo os mundo, e os  Laboratórios produtores da vacina prevêm que a mesma estará comercializada em 1913.

            O leitor que nos acompanhou nesta exposição deve ter ficado surpreso por atribuirmos à palavra dengue, doença, o gênero masculino, e não o gênero feminino, como comumente se ouve na televisão e se lê na imprensa.

            Dengue, doença, conforme a tradição médica brasileira, sempre foi do gênero masculino, tal como em espanhol, el dengue,  e em francês, le dengue.

Eminentes professores tropicalistas brasileiros, como Eugênio Coutinho, Otto Bier, Jayme Neves, Amato Neto e Ricardo Veronesi, sempre usaram em seus livros o dengue e não a dengue.

Em trabalhos científicos veiculados nos últimos anos em periódicos médicos dos mais importantes da imprensa médica brasileira, prevalece o uso do gênero masculino Exemplificamos com a Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, Anais da Academia Brasileira de Ciências, Revista Baiana de Saúde Pública, Cadernos de Saúde Pública, Revista de Patologia Tropical, entre outros. Instituições como a Escola Nacional de Saúde Pública, Instituto Oswaldo Cruz, Secretária de Saúde do Estado de São Paulo mantêm a tradição de “o dengue”

A mudança de gênero da palavra surgiu na mídia, sem mais nem menos, talvez por se tratar de palavra terminada em e, por analogia com outras doenças como tripanosomíase, leishmaniose, tuberculose, filariose, ancilostomose etc, todas terminadas pela letra e, e do gênero feminino.

O Ministério da Saúde que, no passado só usava “o dengue”, tem dado preferência ultimamente na campanha de combate ao Aedes aegypti, ao gênero feminino, acompanhando os meios de comunicação de massa, o que certamente poderá incrementar o uso do gênero feminino também na literatura médica.

O Dicionário de Aurélio registra os dois gêneros e faz referência ao pé do verbete, ao “dengue hemorrágico”.

 

 

Joffre M de Rezende
Prof. Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás
Membro da Sociedade Brasileira de História da Medicina
e-mail: pedro@jmrezende.com.br
http://www.jmrezende.com.br