LINGUAGEM MÉDICA
 

MEDICINA DESPORTIVA, MEDICINA ESPORTIVA

        Uma das especialidades médicas reconhecida pela Associação Médica Brasileira e pelo Conselho Federal de Medicina é a que se dedica a cuidar dos atletas, desde a sua formação e condicionamento físico até à assistência e recuperação de traumatismos resultantes de jogos e competições. Envolve, por isso mesmo, conhecimentos que abrangem vários setores da biomedicina, como a biomecânica, fisiologia cardiorrespiratória, metabolismo e nutrição, neurofisiologia, psicologia, ortopedia e traumatologia, cirurgia, fisiatria, etc.
        Se o seu campo de ação se encontra bem estabelecido, o mesmo não ocorre com a sua denominação. Emprega-se tanto medicina desportiva como medicina esportiva.
        Por vezes ambas as denominações são usadas em um mesmo texto, como ocorreu no Jornal do CFM, de abril de 1994. A página 9 do referido jornal traz a seguinte manchete: "Medicina esportiva atinge estágio de 1o. mundo" e logo abaixo uma declaração do conhecido especialista, Dr. Lídio Toledo: "O Brasil tem uma medicina desportiva de primeiro mundo".[1]
        Em Portugal, de longa data se publica a Revista Portuguesa de Medicina Desportiva.
        Qual seria a forma mais apropriada?
        A dualidade de formas decorre, obviamente, da vacilação existente em relação aos substantivos dos quais derivam os adjetivos desportivo (a) e esportivo (a). Desportivo provém de desporto ou desporte, enquanto esportivo deriva de esporte.
        Desporto é palavra bem antiga em português, já encontrada em documentos de século XV com o sentido de divertimento, jogo.[2] Segundo alguns léxicos origina-se do italiano dipòrto, e segundo outros, do francês antigo desport.
        Desporte, equivalente a desporto, é forma também aceita como vernácula.[3] Usou-se ainda, no passado, a forma deporte, idêntica ao castelhano, e considerada etimologicamente ligada ao italiano dipòrto.[4]
        Esporte, hoje de uso generalizado, é anglicismo de introdução mais recente na língua portuguesa, resultante da difusão de alguns jogos cultivados na Inglaterra, dentre eles o futebol (foot ball).
        A palavra inglesa sport, por sua vez, formou-se por aférese de um vocábulo anterior, disport, oriundo do antigo francês desport e que se tornou arcaica.[5]
        Pode-se admitir, portanto, que o francês antigo desport tenha dado origem a todos os termos atualmente em uso em ,outros idiomas: inglês, sport; espanhol, deporte; italiano, dipòrto; português, desporto.
        O termo inglês sport difundiu-se pelo mundo e passou a ser adotado em várias línguas de cultura, inclusive o francês e o alemão.
        Ao se criar no Brasil, em 1916, a Confederação Brasileira de Desportos (CBD), foi ressuscitado o termo desportos, por proposta do escritor e jornalista Coelho Neto, em substituição a esportes.[6]
        À semelhança da CBD, fundou-se, em 1939, a Confederação Brasileira de Desportos Universitários (CBDU).
        Esta opção por desportos foi posteriormente incorporada à linguagem oficial pelo Decreto-lei 3.199, de 11 de abril de 1941, que criou o Conselho Nacional de Desportos (CND), vinculado ao Ministério da Educação e Cultura.da época[7] Foi, assim, oficializado o termo desportos, muito embora a preferência popular seja por esportes.
        A entidade médica de âmbito nacional que confere o título da especialidade intitulava-se Federação Brasileira de Medicina Desportiva. A partir de novembro de 1998, com a reforma de seus estatutos, passou a chamar-se Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte. O Conselho Federal de Medicina, todavia, tanto em sua Resolução 879/78, como na  Resolução 1.634, de 11 de abril de 2002,  que regulamenta as especialidades médicas para efeito de registro naquele órgão, utilizou a denominação de Medicina Esportiva. Dessa maneira, o médico que obtém o título de especialista em Medicina Desportiva ou Medicina do Esporte é registrado no Conselho Federal de Medicina na especialidade de Medicina Esportiva.
        A nomenclatura oficial distanciou-se da linguagem popular e chegamos a esse impasse. Deve o Conselho Federal de Medicina manter a denominação de Medicina Esportiva ?
        Com a palavra os interessados, ou seja, os médicos especialistas em Medicina Desportiva, Esportiva ou do Esporte.
 

Referências bibliográficas

1. GALVÃO, R., RICÃO, R. - Medicina esportiva atinge estágio de 1o. mundo. Jornal do CFM, abril de 1994, p. 9.
2. MACHADO, J.P. - Dicionário etimológico da língua portuguesa, 3.ed. Lisboa, Livros Horizonte, 1977.
3. BARBOSA, P. - Dicionário de terminologia médica portuguesa. Rio de Janeiro, Liv. Francisco Alves, 1917.
4. MORAES SILVA, A. - Dicionário da língua portuguesa. Lisboa, Typographia Lacerdina, 1813.
5. OXFORD ENGLISH DICTIONARY (Shorter), 3.ed. Oxford, Claredon Press, 1978.
6. NASCENTES, A. - Dicionario etimológico resumido. Rio de Janeiro, INL, 1966.
7, GRANDE ENCICLOPÉDIA DELTA-LAROUSSE. Rio de Janeiro, Ed. Delta S.A., 1972. P.2.148
    Publicado no livro Linguagem Médica, 3a. ed., Goiânia, AB Editora e Distribuidora de Livros Ltda, 2004..  

Joffre M de Rezende
Prof. Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás
Membro da Sociedade Brasileira de História da Medicina
e-mail: pedro@jmrezende.com.br
http://www.jmrezende.com.br

31/10/2004.