EPIDEMIA, ENDEMIA, PANDEMIA. EPIDEMIOLOGIA
Os termos epidemia e
endemia
são
dos mais antigos em medicina. No Corpus Hippocraticum há
sete livros com o título de Epidemias[1] e Galeno usou endemia
com
o mesmo significado atual. [2]
Quando se indaga sobre a
diferença entre epidemia e endemia, ocorre-nos, imediatamente,
a idéia de que a epidemia se caracteriza pela incidência,
em curto período de tempo, de grande número de casos de uma
doença, ao passo que a endemia se traduz pelo aparecimento
de menor número de casos ao longo do tempo.
A distinção
entre epidemia e endemia não pode ser feito, entretanto,
com base apenas na maior ou menor incidência de determinada enfermidade
em uma população. Se o elevado número de casos novos
e sua rápida difusão constituem a principal característica
da epidemia, para a definição de endemia já
não basta o critério quantitativo. O que define o caráter
endêmico de uma doença é o fato de ser a mesma peculiar
a um povo, país ou região.
A própria etimologia
da palavra endemia denota este atributo. Endemos,
em grego clássico, significa "originário de um país,
indígena", "referente a um país", "encontrado entre os habitantes
de um mesmo país".[3] Esse entendimento perdura na definição
de endemia encontrada nos léxicos de vários idiomas,
especializados em terminologia médica, como os que citamos a seguir:
Dicionário de
termos médicos, de Pedro A. Pinto: "doença que
reina habitualmente numa região, de causa local".[4]
Dicionário etimológico
e circunstanciado de biologia, de J. L. Soares: "doença
habitualmente comum entre pessoas de uma região, cuja incidência
se prende à ocorrência de determinados fatores locais".[5]
Diccionario terminológico
de ciencias médicas, de L. Cardenal: "Enfermedad,
generalmente infecciosa que reina constantemente en épocas fijas
en ciertos países por influencia de una causa local".[6]
Dictionnaire français
de médecine et de biologie, de A. Manuila e colaboradores: "Présence
habituelle de une maladie dans une région
geographique donnée. En distingue: 1. les endemies infectieuses,
telles que le trypanosomiasis en Afrique, le choléra dans l'Inde... et les endemies dyscrasiques, telles que le goître et certaines
avitaminoses liées à de facteurs climatiques et à
la alimentation".[7]
Dizionario dei termini
tecnici di medicina, de M. Garnier e V. Delamare (tradução
italiana): "malattia particolare de una regione, sia che vi regni constantemente,
sia che ritorni ad epoche determinate".[8]
Churchill's
medical dictionary: "a disease which occurs persistently in an area
or among a given population or group".[9]
Dorland's illustrated
medical dictionary: "any endemic disease; present or usuallly prevalent
in a population or geographical area at all times".[10]
Pandemia, palavra
de origem grega, formada com o prefixo neutro pan e demos,
povo, foi pela primeira vez empregada por Platão, em seu livro Das
Leis. [2] Platão usou-a no sentido genérico, referindo-se
a qualquer acontecimento capaz de alcançar toda a população.
No mesmo sentido foi também utilizada por Aristóteles. [3]
Galeno utilizou o adjetivo
pandêmico
em
relação a doenças epidêmicas de grande difusão.
[11]
A incorporação
definitiva do termo pandemia ao glossário médico firmou-se
a partir do século XVIII, encontrando-se o seu registro em francês
no "Dictionnaire universel français et latin", de Trévoux,
de 1771. [12] Em português foi o vocábulo dicionarizado como
termo médico por Domingos Vieira, em 1873. [13]
O conceito moderno de pandemia
é o de uma epidemia de grandes proporções, que se
espalha a vários países e a mais de um continente. Exemplo
tantas vezes citado é o da chamada "gripe espanhola", que se seguiu
à I Guerra Mundial, nos anos de 1918-1919, e que causou a morte
de mais de 20 milhões de pessoas em todo o mundo.[14]
Epidemiologia, etimologicamente,
significa estudo das epidemias. Com o tempo, epidemiologia adquiriu
uma segunda acepção, ampliando o seu campo semântico,
o que constitui fenômeno comum a todas as línguas. A nova
acepção de epidemiologia acha-se muito bem exposta
no dicionário de Manuila e colaboradores, já citado:
"Epidemiologief.
1. Traditionellement étude des maladies épidemiques. 2. Actuellemente,
discipline qui étudie l'influence
de divers facteurs, tels que millieux ambiant et social, mode de vie, constitution
bioanthropologique et autres facteurs individuels, sur les maladies (infectieuses
ou non) et notamment sur leurs fréquence, distribution et étiologie,
ainsi que sur tout autre phenomène biologique ou social determiné".[7]
Nesta segunda acepção,
Epidemiologia,
na
definição de Rouquayrol, deve ser conceituada como "a ciência
que estuda o processo saúde-doença na comunidade, analisando
a distribuição e os fatores determinantes das enfermidades
e dos agravos à saúde coletiva, sugerindo medidas específicas
de prevenção, de controle ou de erradicação".[15]
Neste sentido, a epidemiologia
estuda tanto as epidemias como as doenças e condições
morbígenas não epidêmicas.
Referências bibliográficas
1. HIPPOCRATE - Oeuvres completes (trad. Littré,
1861, 4 vol.). Paris, Javal et Bourdeaux, 1934.
2. MARCOVECCHIO, E. - Dizionario etimologico storico
dei termini medici. Firenze, Festina Lente, 1993.
3. BAILLY, A. - Dictionnaire grec-français, 16.
ed. Paris, Lib. Hachette, 1950.
4. PINTO, P.A. - Dicionário de termos médicos.
Rio de Janeiro, Ed. Científica, 8.ed., 1962.
5. SOARES, J.L. - Dicionário etimológico
e circunstanciado de biologia, São Paulo, Ed. Scipione, 1993
6. CARDENAL, L. - Diccionario terminológico de
ciencias médicas. Barcelona, Salvat Ed., 5.ed., 1954.
7. MANUILA, A., MANUILA, L., NICOLE, M., LAMBERT, H.
- Dictionnaire français de médecine et de biologie. Paris,
Masson et Cie., 1970.
8. GARNIER, M., DELAMARE, V. - Dizionario dei
termini tecnici di medicina., Roma, Marrapese, 4.ed. ital., 1979.
9. CHURCHILL¢ S MEDICAL
DICTIONARY. New York, Churchill Livingstone, 1990.
10. DORLAND'S ILLUSTRATED MEDICAL DICTIONARY, 28.ed.
Philadelphia, W. B. Saunders Co., 1994.
11. LIDDELL, H. G., SCOTT, R. - A greek-english lexicon,
9.ed., Oxford, Claredon Press, 1983.
12. DAUZAT, A., DUBOIS, J., MITTERRAND, H. - Nouveau
dictionnaire étymologique et historique, 3.ed. Paris, Larousse,
1964.
13. VIEIRA, D. - Grande diccionario portuguez ou Thesouro
da lingua portugueza. Porto, Ernesto Chandron e Bartholomeu H. de Moraes,
1871-1874.
14. CHIEN LIU. - Influenza. In HOEPRICH, P.D.
(Ed.): Infectious diseases, 3.ed. Philadelphia, Harper & Row Publ.,
1983, p. 323.
15. ROUQUAYROL, M.Z. - Epidemiologia e Saúde.
São Paulo, MEDSI, 1986, p.1