ESTÁDIO E ESTÁGIO
Embora, com frequência,
sejam usados com idêntico significado, os termos estádio
e estágio não são sinônimos e têm,
cada um deles, significado próprio.
Estádio provém
do grego stádion,
através do latim stadium.
Stádion,
em
grego, era inicialmente uma medida itinerária equivalente a 125
passos, ou 1/8 de milha, ou ainda 600 pés gregos ou 625 pés
romanos, correspondendo a cerca de 180 metros.[1][10][14] Alguns léxicos
[3][4][5] dão a medida de 41,25 m, que é incorreta.
A medida de um stádion
era
utilizada na delimitação de uma pista destinada a competições
de corrida, ginástica e outras modalidades de atletismo. Por metonímia,
stádion
passou a designar o próprio local em que se realizavam essas práticas
esportivas. Esta acepção passou para o latim e perpetuou-se
em todas as línguas modernas até os nossos dias.
Uma terceira acepção
foi acrescentada posteriormente à palavra stadium, que
adquiriu o significado de período, fase, época, estação,
sem que se possa precisar como se deu essa transição semântica.[7]
Segundo Marcovecchio,[9] stadium foi tomado em sentido figurado
para expressar trajeto, carreira, percurso, e cita como exemplo uma passagem
de Cicero em que o grande tribuno incentivava os principiantes a se exercitarem
na arte oratória, como os que se iniciavam nas corridas (eis
qui ingrediuntur in stadium).
Stadium, em
latim, evoluiu para stade, em francês;
stadio em italiano,
estadio
em
espanhol, e estádio em português.
No sentido de período,
fase, o termo foi incorporado à linguagem médica para designar
o curso de uma doença ou as etapas de um fenômeno biológico.
Na definição de Manuila et al.,[8] o termo expressa "cada
uma das fases ou cada um dos períodos sucessivos que se pode distinguir
em um fenômeno, por exemplo, durante o desenvolvimento de um animal
ou de uma planta, na evolução de uma espécie, no curso
de uma doença".
Segundo Bloch e Wartburg,[2]
stade,
como termo médico, entrou para o vocabulário francês
em 1810. Em português, estádio já se encontra
averbado no dicionário de Domingos Vieira (1874) [18] e foi empregado
em textos médicos do final do século dezenove, como ilustra
o seguinte trecho de Torres Homem, extraído de seu livro Estudo
clínico das febres do Rio de Janeiro, de 1886: "A observação
demonstra entre nós que dos três estádios de um accesso
de febre intermitente, qualquer que seja o typo, o primeiro é o
que falta com mais frequência".[16]
Nas doenças infecciosas
tornou-se comum o emprego de estádio como sinônimo
de fase ou período para caracterizar o seu curso, conforme as manifestações
clínicas.
Na embriologia, o termo
é utilizado na descrição dos diferentes períodos
de desenvolvimento do embrião.
Em parasitologia designa
os intervalos que medeiam as sucessivas mudas na evolução
das larvas dos nematóideos.[12]
Em oncologia, o conceito
de estádio é utilizado para caracterizar a progressão
de uma neoplasia e deu origem à classificação dos
tumores malignos conhecida internacionalmente como TNM.[17]
De estádio
formou-se o verbo estadiar e, deste, um novo substantivo, estadiamento,
que vem a ser o ato de estadiar, já que o sufixo -mento,
neste caso, denota ação.[6]
Estágio,
segundo
a maioria dos etimologistas, provém do francês stage,
ou
do seu ancestral estage,
por sua vez oriundo do latim medieval
stagium.
Para
Nascentes,[11] entretanto,
stage deriva de staticu,
que
quer dizer "obrigação de residência", através
do baixo latim stagiu.
Primitivamente, referia-se
ao período de treinamento de um sacerdote para o exercício
de seu mister.[15] Era também utilizado em direito feudal para ressaltar
o dever do vassalo de permanecer nas vizinhanças do castelo de seu
senhor a fim de colaborar na defesa deste em caso de guerra.[2]
Por extensão, estágio
passou a designar todo período de aprendizagem ou treinamento em
uma profissão, cargo ou função. Expressa ainda qualquer
situação transitória ou cada uma das etapas de um
trabalho.[4]
Na língua inglesa,
a palavra
stage, importada do francês, adquiriu no vocabulário
médico o mesmo sentido de estádio, muito embora exista
nesse idioma a palavra
stadium. Dada a grande influência das
publicações de língua inglesa na área biomédica
e o pouco cuidado com que são feitas as traduções,
stage,
em inglês, tem sido traduzido por estágio com o significado
de estádio e, desse modo, estabeleceu-se a confusão
entre os dois termos.
O Prof. Luis Rey, em seu
excelente
Dicionário de termos técnicos de medicina e
saúde
define com exatidão os dois termos:
estádio
e
estágio.
Nada melhor para encerrar estes comentários do que transcrever as
definições contidas no citado dicionário.[13]
"Estádios.m. 1. Fase, período, época ou estação. 2. Cada uma das fases evolutivas através das quais se dá o desenvolvimento de um organismo. 3. Intervalo entre cada duas mudas consecutivas das formas larvárias de um nematóide ou de um artrópodo; instar. Inglês: stage."
"Estágio s.m. 1. Aprendizado, exercício, prática. 2. Tempo de aprendizado, capacitação ou especialização empregado por alguém, por um período determinado, em uma escola, laboratório, serviço médico, dentário etc. Inglês: training. 3. Cada uma das sucessivas etapas nas quais se realiza determinado trabalho. Inglês: step.
Não se deve, portanto,
confundir os dois termos e empregar estágio por estádio,
como se vê frequentemente.
Referências bibliográficas
1. BAILLY, A. Dictionnaire grec-français, 16. ed.
Paris, Lib. Hachette, 1950.
2. BLOCH, O. & VON WARTBURG, W. Dictionnaire étymologique
de la langue française, 7.ed. Paris, Presses Universitaires de France,
1986.
3. CUNHA, A. G. Dicionário etimológico.
Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1982.
4. FERREIRA, A. B. H. Novo dicionário da língua
portuguesa. Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, 1975.
5. FIGUEIREDO, C. Dicionário da língua
portuguesa, 13.ed. Lisboa, Liv. Bertrand, 1949.
6. GOES, C. Dicionário de afixos e desinências,
3.ed. Liv. Francisco Alves, 1937.
7. MACHADO FILHO, A.M. A palavra é de ouro. Belo
Horizonte. Veja Editora, 1979, p.92
8. MANUILA, A., MANUILA, L., NICOLE, M. & LAMBERT,
H. Dictionnaire français de médecine et de biologie. Paris,
Masson & Cie., 1970.
9. MARCOVECCHIO, E. Dizionario etimologico storico
dei termini medici. Firenze, Ed. Festina Lente, 1993.
10. MORAES SILVA, A. Dicionário da língua
portuguesa. Lisboa, 1813.
11. NASCENTES, A. Dicionário etimológico
da língua portuguesa. Rio de Janeiro, Liv. Francisco Alves, 1932.
12. PESSOA, S. B. Parasitologia médica, 5.ed.
Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1958.
13. REY, L. Dicionário de termos técnicos
de medicina e saúde. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan S.A., 1999.
14. SARAIVA, F.R. S. Novíssimo Dicionario latino-português,
10. ed., Rio de Janeiro, Livraria Garnier, 1993.
15 ROBERT, P.: Dictionnaire alphabétique et analogique
de la langue française. Paris, Dictionnaires Le Robert, 1987.
16. TORRES-HOMEM, J. V. Estudo clínico sobre as
febres do Rio de Janeiro, 2.ed. Rio de Janeiro, Lopes do Couto & c.
Ed., 1886, p. 64
17. UNIÃO INTERNACIONAL DE COMBATE AO CÂNCER.
TNM - Classificação dos tumores malignos, 4.ed. (trad.) Ministério
da Saúde, Brasília, 1989.
18. VIEIRA, Frei Domingos: Grande dicionário português
ou Tesouro da língua portuguesa. Porto, 1871-1874
Publicado no livro Linguagem Médica, 3a. ed., Goiânia, AB Editora e Distribuidora de Livros Ltda, 2004..
Joffre M de Rezende
Prof. Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal
de Goiás
Membro da Sociedade Brasileira de História
da Medicina
e-mail: pedro@jmrezende.com.br
http://www.jmrezende.com.br
10/9/2004.