EDUARDO ETZEL
UMA VIDA DE RICAS VERTENTES
Eduardo Etzel foi, certamente, o
sócio fundador mais idoso da Sociedade Brasileira de História da Medicina e a
ele foi conferida a condição de Membro Honorário. Ao ser criada a Sociedade, em
1997, contava 91 anos de idade. Apesar da homenagem que a Sociedade lhe prestou,
foi um membro atuante, contribuindo financeiramente com as anuidades e
participando dos Congressos nacionais com trabalhos originais.
Etzel nasceu em São Paulo,
Capital, em 22/08/1906, e veio a falecer em 06/07/2003. Sua trajetória de vida
foi um exemplo de quanto pode o homem realizar com sua inteligência, seu
trabalho, perseverança e entusiasmo pelo que faz. E também uma demonstração da
capacidade do ser humano de adaptar-se a novas situações e desenvolver projetos
e atividades da maior relevância em áreas diversificadas do saber.
Etzel destacou-se como médico,
docente, pesquisador, cirurgião de tórax, psicanalista, historiador, literato e,
sobretudo, um estudioso e profundo conhecedor da arte sacra no Brasil. Em suas
memórias, intituladas "Um Médico do Século XX. Vivendo Transformações" narra-nos
como os acontecimentos e as circunstâncias o conduziram para estas diferentes
áreas nas sucessivas fases de sua vida. Sua narrativa é um retrato vivo da
medicina do século XX, especialmente em relação à cirurgia.1
Ao concluir o curso médico em
1931, defendeu tese de doutoramento sobre hematologia comparada e, em 1936,
prestou concurso para Livre Docente. De 1936 a 1939 foi Assistente-chefe de
Clínica Cirúrgica na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, ao
mesmo tempo em que trabalhava no Laboratório de Anatomia Patológica em pesquisas
de neuropatologia. Sua carreira docente foi interrompida por um desentendimento
com o professor Titular, o que o levou a demitir-se da Faculdade.
Como pesquisador, demonstrou, com
Moacyr Amorim e Alípio Correia Neto, que o megaesôfago e o megacólon endêmicos
no Brasil são uma só e mesma doença, cujo substrato anatomopatológico consiste
em lesões do plexo mioentérico de Auerbach ao longo de todo o trato digestivo.
Realizou diversos estudos clínicos e fisiopatológicos sobre esta afecção, de
etiologia até então desconhecida, e formulou a hipótese de que a causa fosse a
avitaminose B1, teoria que foi bem aceita nos meios científicos e perdurou até a
década de 50, quando se comprovou a etiologia chagásica. Publicou 29 trabalhos
sobre megaesôfago e megacólon, no Brasil e no exterior, dentre os quais cumpre
destacar Megaoesophagus and its neuropathology 2
Como cirurgião, especializou-se
em cirurgia torácica e dedicou-se à cirurgia da tuberculose durante 15 anos
(1940-1955), tendo ocupado o cargo de Chefe de Cirurgia do Serviço de
Tuberculose do Estado de São Paulo. Dirigiu também o Serviço de Cirurgia do
Instituto Clemente Ferreira, em São Paulo, e do Sanatório Vicentina Aranha, em
São José dos Campos. Foi ainda Chefe de Clínica da Cátedra de Tisiologia da
Escola Paulista de Medicina, de 1950 a 1955. Após estagiar em hospitais dos
Estados Unidos, Suíça, Suécia e Noruega, trouxe para o Brasil todos os avanços
tecnológicos que presenciara naqueles hospitais, o que muito contribuiu para o
progresso da cirurgia torácica em nosso País.
Com o advento dos antibióticos e
quimioterápicos no tratamento da tuberculose e conseqüente declínio do
tratamento cirúrgico, abandonou a cirurgia torácica e voltou-se para a
psicanálise, que lhe despertara interesse desde há algum tempo quando se
submetera à análise. Formou-se pela Sociedade Brasileira de Psicanálise e
exerceu suas atividades como psicanalista durante 13 anos (1957-1970).
A partir de 1970, por não
concordar com algumas normas de trabalho impostas por aquela Sociedade aos seus
filiados, abandonou a psicanálise e dedicou-se ao estudo da arte sacra
brasileira. Viajou muito pelo interior do País à cata de imagens e santos que
colecionava e chegou a possuir o maior acervo de arte sacra popular, que cedeu
posteriormente ao Museu de Arte Sacra do Estado de São Paulo.
Publicou nove livros sobre arte
sacra, que o tornaram conhecido e respeitado, no Brasil e no exterior, como
autoridade nessa área. 3
Em 1979 recebeu o prêmio Jaboti
por seus trabalhos sobre arte sacra e, em 1999, foi eleito sócio honorário do
Centro de Estudos da Imaginária Brasileira eda Associação Brasileira de Críticos
de Arte, que lhe tributou homenagem especial em 2001. Uma professora de Artes
perguntou-me certa vez se eu o conhecia e ficou surpresa ao saber que ele
também era médico.
Na
última fase de sua vida revelou suas qualidades de escritor e historiador.
Escreveu e publicou os livros "Arte Sacra Popular Brasileira", "O
Barroco no Brasil", "Escravidão negra e branca", "Filosofando com o Miró",
"O Guarujá e eu". Motivado pela sua condição de sócio honorário da SBHM reviu
toda a história do megaesôfago e da doença de Chagas e, mesmo não podendo
comparecer, inscreveu como temas livres seus estudos históricos, que foram
posteriormente transformados em três artigos, publicados entre 1999 e 2001.
Deixou inédito um trabalho sobre a história da tuberculose no Brasil, na qual
teve participação ativa.
Sua inteligência e lucidez não se
ofuscaram com a idade. Suas idéias eram claras, seu raciocínio lógico e
perspicaz, sua palavra iluminada por uma vasta cultura e excelente memória. Ao
todo, deixou 93 trabalhos publicados e um exemplo de vida para as futuras
gerações.
No transcurso do
primeiro aniversário de seu falecimento, prestamos à sua viúva, D. Odila Toledo
Etzel, e aos seus filhos Dra. Maria Helena, Maria Elisabeth e Fernando Toledo
Etzel a nossa homenagem de reconhecimento ao muito que representou e representa
para a cultura e a medicina brasileiras o nome do Prof. Eduardo Etzel.
Referências bibliográficas
1. ETZEL, E. "Um médico do século XX. Viventdo
transformações". Revista Goiana de
Medicina 27: 265-270,1981; 28:113-136; 28:193-200,1982;
29: 67-72; 183-187, 1983; 30: 79-85, 185-193, 1984; 31:65-79,1985; 32:185-189,
1986. Editado em 1987 (São Paulo, Ed.Nobel/Edusp).
2. ETZEL, E.
"Megaoesophagus and its neuropathology" Guy's Hospital Reports 87
(2): pp.158-174, 1937.
3. ETZEL, E. "Arte Sacra, berço da arte
brasileira". São Paulo, Melhoramentos/ INL, 1986
Publicado no Jornal brasileiro de História da medicina, 8(1):15, 2005
Joffre M de Rezende
Prof. Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade
Federal de Goiás
Membro da Sociedade Brasileira de História da Medicina
e-mail: pedro@jmrezende.com.br
http://www.jmrezende.com.br