HISTÓRIA DA MEDICINA
O DESAFIO DA FEBRE AMARELA
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O
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deste artigo foi publicado em 2009 no livro "À sombra do
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A febre amarela constituiu
durante quatro séculos um permanente desafio à medicina.
Desconhecida na antiguidade,
sua história coincide com a descoberta do Novo Mundo. Apesar da
controvérsia existente sobre sua origem, tudo indica tratar-se de
uma doença autóctone da América Central.
A denominação
de febre amarela foi empregada pela primeira vez por Griffith Hughes, em
seu livro Natural History of Barbadoes, publicado em 1750, em alusão
às duas manifestações clínicas mais características
da enfermidade: a febre e a icterícia. Antes, a doença era
conhecida pelos mais variados nomes.[1]
A febre amarela chegou ao
Brasil no século XVII, trazida por via marítima em embarcações
procedentes das Antilhas. A primeira epidemia ocorreu em Pernambuco, em
1685, e foi tema de um dos três primeiros livros de medicina escritos
no Brasil, intitulado Tratado Único da Constituição
Pestilencial de Pernambuco, de autoria de João Ferreira da Rosa,
publicado em Lisboa em 1694.
Em 1686 a febre amarela
irrompeu sob forma epidêmica na Bahia, causando muitas vítimas
conforme narra o historiador Rocha Pitta em sua História da América
Portuguesa, publicada em Portugal em 1730.
No século XVIII não
há registro de epidemias de febre amarela no Brasil, a qual ressurgiu
no século XIX, tanto sob a forma endêmica como epidêmica.[2]
A etiologia da febre amarela
foi objeto das mais variadas especulações. Antes da era microbiana,
as mais disparatadas causas foram apontadas, além de castigo divino
e punição dos pecados: eclipse do sol e da lua, condições
climáticas, falta de chuvas e de trovoadas, emanações
provenientes da decomposição de matéria orgânica,
contaminação da água por substâncias pútridas,
indigestão, exposição excessiva ao calor no verão,
fadigas do corpo e do espírito etc.[3]
Em relação
ao modo de transmissão havia duas doutrinas que dividiam as opiniões:
a que admitia o contágio direto de pessoa a pessoa e a que não
admitia esse contágio. Ambas contavam com defensores de prestígio
e renome.
Após os trabalhos
iniciais de Pasteur e Koch demonstrando a natureza infecciosa de muitas
doenças, era natural que também se procurasse um
micróbio
para a febre amarela.
Em 1878, em Filadélfia,
nos Estados Unidos, Richardson descreveu uma bactéria que seria
a causadora da febre amarela, denominando-a
Bacteria sanguinis febris
flavae.
Freire Júnior, no
Brasil, em 1880, responsabilizou um parasito por ele denominado
Cryptococcus
xanthogenicus, e chegou a preparar uma vacina com a qual inoculou 2.418
pessoas. Foi, portanto, um precursor da idéia de combater a febre
amarela por meio da vacinação preventiva. A vacina não
demonstrou eficácia e o
Cryptococcus xanthogenicus em realidade
não existia; os supostos germes eram apenas hemácias alteradas,
conforme comprovou Araújo Goes em 1885.
Outros possíveis
"micróbios" responsáveis pela febre amarela foram descritos
por diferentes pesquisadores, tais como o
Bacillus x havanensis,
por Sternberg nos Estados Unidos, em 1887, o
Bacillus icteroides,
por Sanarelli em Montevideo, em 1897, a
Leptospira icteroides, por
Noguchi em Guayaquil, em 1918.[3]
A idéia da transmissão
pelo mosquito ocorrera a Josiah Nott, nos Estados Unidos, já em
1848, e a Beauperthuy, na Venezuela, em 1853. Este último autor,
observando que a febre amarela ocorria em cidades litorâneas, admitia
que os mosquitos alimentavam-se de restos de peixes e da fauna existente
em pântanos, transmitindo ao homem "sucos sépticos" que produziam
hemólise.
No Brasil, Filogonio Utinguassu
foi quem primeiro defendeu a idéia da transmissão do agente
da febre amarela pelo mosquito, em sessão da Academia Imperial de
Medicina de 27 de outubro de 1885. Sua comunicação não
despertou maior interesse.[3]
Em Cuba, Carlos Finlay cedo
se convencera de que a transmissão se processava através
de uma única espécie de mosquito, o
Culex fasciatus (Aedes
aegypti). Na Conferência Sanitária Internacional, realizada
em Washington em 1881, Finlay defendeu pela primeira vez o combate aos
mosquitos como forma de
prevenção da febre amarela. Suas
idéias não foram levadas a sério.
Para comprovar sua teoria,
logrou transmitir a doença em cinco voluntários que se deixaram
picar por mosquitos que haviam sugado antes doentes de febre amarela. Comunicou
sua experiência à Academia de Ciências de Havana, que
a acolheu com desinteresse. No decurso de 19 anos, repetiu a experiência
em 102 pessoas, tendo conseguido a transmissão de formas benignas
da doença em várias delas. Em 1897 propôs ao Governo
dos Estados Unidos um plano detalhado para erradicar a febre amarela de
Havana pelo combate ao mosquito transmissor. Como das outras vezes, não
teve êxito.
Somente em 1900, após
o término da guerra hispano-americana, o Serviço de Saúde
do Exército Americano interessou-se pelo problema em decorrência
de mais de 200 óbitos por febre amarela ocorridos entre os seus
soldados sediados em Cuba. Foi nomeada uma Comissão, chefiada pelo
major-médico Walter Reed que, juntamente com James Carrol, Jesse
Lazear e Aristides Agramonte, deram início em Havana às experiências
que culminaram com a comprovação, em caráter definitivo,
do acerto da teoria de Finlay, de que a febre amarela não é
contagiosa e que sua transmissão se dá através do
mosquito por ele indicado. Jesse Lazear foi vítima de exposição
ao vetor e faleceu de febre amarela.
No Brasil, Emílio Ribas, então Diretor do Serviço
Sanitário do Estado de São Paulo, tomando conhecimento dos
trabalhos da Comissão Americana em Cuba, decidiu iniciar em 1901
uma campanha de combate ao mosquito em Sorocaba, onde se registrara uma
epidemia no ano anterior, com mais de 2.000 casos notificados. O mesmo
foi feito em São Simão e Ribeirão Preto, onde também
haviam sido registrados casos de febre amarela.
Como ainda houvessem críticas
e dúvidas sobre a validade das experiências realizadas em
Cuba, Emílio Ribas decidiu repeti-las com algumas variantes em São
Paulo, contando para isso com a colaboração de Adolfo Lutz,
Luiz Pereira Barreto, Adriano de Barros e Silva Rodrigues. Os experimentos
realizados em voluntários, dentre os quais os próprios médicos
e três imigrantes italianos recém-chegados ao Brasil, foram
de tal ordem que até os mais cépticos ficaram convencidos
da não contagiosidade da febre amarela e da responsabilidade do
mosquito Stegomya fasciata (Aedes aegypti) na sua transmissão. [4]

No século XIX a febre
amarela grassava na cidade do Rio de Janeiro sob forma endêmica,
com surtos epidêmicos. No período de 1850 a 1902 haviam sido
registrados na antiga capital federal, 58.063 óbitos por febre amarela
(Odair Franco).
A campanha contra a febre
amarela no Rio de Janeiro é uma das páginas gloriosas da
medicina brasileira, que consagrou o nome de Oswaldo Cruz e projetou o
nosso País no cenário internacional. A epopéia de
Oswaldo Cruz é bem conhecida e não será aqui relembrada.
O que, às vezes, deixa de ser mencionado é que o Presidente
Rodrigues Alves perdera uma filha vítima de febre amarela, o que
certamente deve ter contribuído para o apoio que ele dispensou a
Oswaldo Cruz.
Tinha-se a impressão
de que a febre amarela era uma doença essencialmente urbana, cujo
transmissor estava adaptado ao domicílio humano e, por isso, poderia
ser erradicada. Verificou-se, posteriormente, a existência de uma
forma silvestre da febre amarela, tendo como animais reservatórios
os primatas, e como transmissores outros flebótomos dos gêneros
Aedes
e Haemagogus.
[5]
Tornou-se evidente, portanto,
a impossibilidade de extinguir-se a febre amarela e surgiu o derradeiro
desafio: a obtenção de uma vacina que fosse eficaz e bem
tolerada.
Desde 1901 já se
sabia que o agente da febre amarela deveria ser um vírus e não
uma bactéria, pois James Carrol conseguira transmitir a doença
pela injeção subcutânea do filtrado do soro sangüíneo
de um enfermo.
A primeira vacina, após
a comprovação da transmissão vetorial, foi preparada
por William Gorgas em Havana, em 1901, a partir de mosquitos infectados.
Foram inoculadas 18 pessoas, das quais 8 adquiriram a infecção,
com 3 óbitos. Estes resultados levaram ao abandono da idéia
da vacinação com o mosquito.
Em 1927, Stokes demonstrou
que era possível infectar o macaco Rhesus com o vírus da
febre amarela. A dificuldade de obter e de trabalhar com esta espécie,
entretanto, constituía um entrave ao progresso dos estudos experimentais
.
Em 1930, Max Theiler, um
médico sul-africano que se dedicava ao estudo da febre amarela nos
Estados Unidos, conseguiu infectar camundongos, injetando diretamente no
cérebro desses animais tecido hepático de macaco Rhesus infectado.
O vírus obtido de camundongos conferia imunidade ao macaco e ao
homem, porém não pôde ser usado como vacina por sua
ação neurotrópica. Algumas pessoas inoculadas com
este vírus por pesquisadores franceses morreram com encefalite.Max Theiler e seus colaboradores
da Fundação Rockefeller passaram, então, a cultivar
o vírus em embriões de camundongos, dos quais antes se retirava
o sistema nervoso e, a seguir, em embriões de galinha também
desprovidos de sistema nervoso. Mantiveram vivo o vírus durante
3 anos, em sucessivas passagens em embriões assim preparados e obtiveram
um mutante conhecido por 17D, que se mostrou imunizante e sem qualquer
risco para o homem.[6]
Esta vacina foi testada
em grande escala no Brasil entre os anos de 1937 a 1940, com
bons resultados. Em 1947, durante a II Guerra Mundial, já haviam
sido utilizadas em todo o mundo 28 milhões de doses.
Max Theiler recebeu mui
justamente o prêmio Nobel de Medicina em 1951. Na ocasião,
respondendo a um reporter, disse muito modestamente; "É certo que
trabalhamos arduamente, mas também tivemos muita sorte".
Referências bibliográficas
1. ANDRADE, G.O., DUARTE, E. Morão, Rosa e Pimenta. Recife, Arquivo Público Estadual de Pernambuco, 1956
2. SANTOS FILHO, L. História Geral da Medicina Brasileira. São Paulo, Hucitec/dusp, 1991.
3. FRANCO, O. Hitória da febre amarela no Brasil. Rio de Janeiro, Ministério da Saúde, 1960.
4. BACELLAR, R.C. Brazil's Contribution to Tropical Medicine and
Malaria. Rio de Janeiro, Gráfica Olímpica Editora, 1963.
5. SOPER, F.L. Febre amarela silvestre: novo aspecto epidemiológico da doença. Bol. Hig. Saúde Públ. 10:31-70, 1936
6. SCHILLER, E.L. Max Theiler. In MAGIIL, F.N. Nobel prize Winners.Physiology or Medicine. Pasadena, Salem Press, 1991.
Joffre M de Rezende
Prof. Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade
Federal de Goiás
Membro da Sociedade Brasileira de História da Medicina
e-mail: pedro@jmrezende.com.br
http://www.jmrezende.com.br