HEMATOPOIESE, HEMATOPOESE
O verbo grego poiéo
significa
criar,
produzir, fazer, e primitivamente tanto se aplicava à criação
intelectual como ao trabalho artesanal.
Poiesis expressa
a ação de criar, produzir, fazer; e poietes,
o agente da ação, ou seja, o autor, criador ou artesão.[1]
Segundo Ernout et Meillet
[2] a transmissão oral do grego ao latim resultou na palavra latina
poesis,
is,
com perda da vogal i e com o significado de criação
literária em versos, que se manteve em português na palavra
poesia.
Do mesmo modo, de poietes, em grego, originou-se
poeta,
ae, em latim, e poeta em português.
Hematopoiese (do
gr. haîma, atos, sangue + poiesis)
quer dizer, portanto, formação do sangue, e é termo
bem antigo no vocabulário médico greco-latino. Riolan o empregou
em 1650 na seguinte passagem, escrita em latim como era de praxe na época:
"Heparsitprimarium
viscus haematopoeticum,
liensecundarius",
ou seja,
"o fígado é a principal víscera onde o sangue é
formado, vindo a seguir o baço".[3] Pensava-se, então, que
o fígado e o baço eram os principais órgãos
hematopoiéticos.
A descoberta da função
hematopoiética da medula óssea foi feita independentemente
por Giulio Bizzozero, na Itália, e Ernst Neumann, na Alemanha. Ambos
publicaram sua descoberta no ano de l868.[4]
Tanto se usa hematopoiese como
hemopoiese.
O
primeiro termo, entretanto, deve ser preferido por sua formação
regular a partir do genitivo.[5]
Na verdade, o termo mais
apropriado seria hemocitopoiese, pois somente as células
sanguíneas são formadas na medula óssea.[6]
A questão linguística
que se apresenta é saber se devemos escrever hematopoiese,
respeitando a grafia original do segundo elemento grego formador da palavra,
ou se optamos pela forma hematopoese, de procedência latina.
Em alemão escreve-se
haematopoiesis e
em inglês hematopoiesis.
Era de se esperar que as
línguas neolatinas acompanhassem o latim com a forma poesis,
o que não ocorreu. Em francês, Littré et Robin[7] recomendaram
esta forma nos verbetes hemopoèse e hematopoèse,
a qual, entretanto, não prevaleceu, cedendo lugar à hemopoïèsee
hematopoïèse.
Em italiano usa-se emopoiesi e
ematopoiesi,
consoante o trabalho original de Bizzozero: "Sulla funzione ematopoietica
del midollo delle ossa".[4]
Em língua espanhola
escreve-se hematopoyesis, substituindo-se a letra i grega
por y.
Somente em português
encontra-se dicionarizada a terminação poese nos vocábulos
hematopoese,
hemopoese e correlatos. Os dicionários de Aurélio e de
Houaiss, averbam hemopoiese e hematopoiese, porém,
com remissão para hemopoese e hematopoese, o que pressupõe
preferência para a forma sem o i.[8][9] O Vocabulário
Ortográfico da Academia Brasileira de Letras registra as duas formas,
com e sem i., em ambas as variantes do termo.[10]
Tratando-se de termo científico
formado diretamente de elementos gregos, sem passagem pelo latim, e atendendo
ao ideal de uniformidade internacional da terminologia médica, julgo
preferível a forma hematopoiese (com a manutenção
da vogal i).
Logicamente, da mesma forma
se escreverão todos os derivados e cognatos, tais como hematopoiético,
hemopoiético, hemocitopoiese, eritrocitopoiese, leucocitopoiese,
etc.
Referências bibliográficas
1. BAILLY, A. - Dictionnaire grec-français,
16. ed. Paris, Lib. Hachette, 1950.
2. ERNOUT, A., MEILLET, A. - Dictionnaire étymologique
de la langue latine. Histoire des mots, 4.ed. Paris, Ed. Klincksieck, 1979.
3. SKINNER, H. A. - The origin of medical terms, 2.ed.
Baltimore, Williams & Wilkins, 1961, p. 200
4. MORTON, Leslie T. - A medical bibliography (Garrison
and Morton), 4.ed. London, Gower, 1983.
5. GALVÃO, B.F.R. - Vocabulário etymologico,
ortographico e prosodico das palavras portuguesas derivadas da língua
grega. Rio de Janeiro, Liv. Francisco Alves, 1909.
6. REY, L. - Dicionário de termos técnicos
de medicina e saúde. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan S.A., 1999.
7. LITTRÉ, E., ROBIN, Ch. - Dictionnaire de médecine,
de chirurgie, de pharmacie, de l’art vetérinaire et des sciences
qui s'y rapportent, 13.ed. Paris, Baillière et Fils, 1873.
8. FERREIRA, A.B.H. - Novo dicionário da língua
portuguesa, 3.ed. Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, 1999.
9. HOUAISS, A., VILLAR, M.S. – Dicionário Houaiss
da língua portuguesa. Rio de Janeiro, Objetiva, 2001
10. ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS - Vocabulário
ortográfico da língua portuguesa, 3. ed. Rio de Janeiro,
Imprensa Nacional, 1999.