UM NOME FESTEJADO NA AUSTRÁLIA
HENRIQUE ARAGÃO (1879-1956)
Dentre os pesquisadores do
Instituto Oswaldo Cruz, Henrique de Beaurepaire Rohan Aragão é um nome de
destaque na comunidade científica internacional por duas grandes descobertas: o
ciclo exoeritrocitário do parasito da malária e a mixomatose do coelho, que
permitiu o controle biológico desse roedor na Austrália.
Seu sobrenome francês é de origem
materna em terceira. geração. Seu avô materno, Marechal Henrique de
Beaurepaire Rohan, já era brasileiro e teve ativa participação na vida política
e cultural da Nação, tendo sido cartógrafo e autor de um "Dicionário de
Vocábulos Brasileiros".1
A vida de Henrique Aragão é parte
da história de Manguinhos. Nascido em Niterói em 1879, concluiu o curso médico
na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1905. A exemplo de Carlos Chagas,
desenvolveu sua tese de doutoramento no Instituto Oswaldo Cruz, ao qual ligou-se
desde 1903, ainda como estudante, ali permanecendo até sua aposentadoria,
galgando todas as posições naquela Instituição, desde assistente, chefe de
serviço, professor e, finalmente, diretor.2
Em 1907, quando contava 28 anos
de idade, ao estudar a malária aviária no pombo realizou sua primeira grande
descoberta, a do ciclo exoeritrocitário do hematozoário (Haemoproteus
columbae), antecipando a ocorrência de idêntico ciclo na malária humana, o
que foi comprovado, 30 anos depois, pelo cientista inglês Percy Garnham ao
descrever o ciclo hepático do plasmódio.3
Olympio da Fonseca Filho narra
que, ao visitar o Instituto de Medicina Tropical de Hamburgo, em 1952, ouviu do
decano dos protozoologistas alemães, Prof. Reichnow, palavras de elogio e
admiração pelo trabalho de Henrique Aragão, "tão jovem e já famoso".4
Em 1909 e 1910 Aragão realizou
estudos na França e na Alemanha, especialmente no Instituto Zoológico de Munich.
Ao retornar ao Brasil, dedicou-se inteiramente à pesquisa, interessando-se por
diversos campos do conhecimento. Sua produção científica é abrangente e
diversificada nas áreas da parasitologia, virologia e biologia em geral.
Ocupou-se tanto da pesquisa aplicada aos problemas de saúde pública da época,
conforme a orientação do Instituto, quanto da pesquisa básica, quando dispunha
de tempo.
Trabalhou na profilaxia
da malária e desenvolveu estudos sobre a leishmaniose tegumentar, amebíase
intestinal, parasitoses do homem e dos animais, febre amarela e outras viroses.
Em 1911 teve sua atenção
despertada para o mixoma do coelho, doença letal que acomete esta classe de
roedores e que havia sido descrita por Sanarelli em Montevidéo, em 1896.
Estudando-a em coelhos de seu laboratório, verificou ser a mesma produzida por
um vírus que poderia ser transmitido de um animal a outro pela picada de
insetos. Essa descoberta teve repercussão internacional e beneficiou
especialmente a Austrália.5
Para compreender o alcance da
identificação e isolamento do vírus do mixoma do coelho, é necessário conhecer
um pouco da história da introdução desse roedor na Austrália e suas
conseqüências.
Em 1859, um
inglês, Thomas Austin, que se mudara para a Austrália,
importou da Inglaterra 24
coelhos silvestres para que se reproduzissem e ele pudesse continuar a
praticar
seu esporte preferido - a caça. Os coelhos encontraram na
Austrália clima e
condições ideais para se reproduzirem e proliferaram de
maneira incontrolável,
tornando-se uma praga. Devastavam as plantações e a
vegetação nativa, competindo
com outros mamíferos herbívoros, causando
redução dos rebanhos de carneiro e
declínio da produção da lã, provocando
erosões do solo e diminuição da
produção
agrícola. A população os combatia pela caça,
armadilhas, envenenamento, sem
qualquer resultado prático.
Em
1919, Henrique Aragão escreveu ao Governo da Austrália, sugerindo o controle
biológico, inoculando alguns coelhos com o vírus do mixoma, que ele havia
isolado e que se prontificava a fornecer, introduzindo no país uma doença
altamente letal para o coelho. As autoridades sanitárias da Austrália relutaram
por muitos anos a importar o vírus, temendo consequências imprevistas. Somente
em 1950, graças a persuasão de cientistas australianos, o Governo decidiu
autorizar o método proposto por Aragão. Ao final de dezembro de 1950 foram
inoculados alguns coelhos que foram soltos. O vírus se espalhou rapidamente pelo
País, causando verdadeira epidemia de mixomatose entre os coelhos. A população
de roedores, estimada em 600 milhões de animais, foi rapidamente reduzida para
cerca de 100 milhões, permitindo a revegetação do solo e o restabelecimento do
equilíbrio ecológico em muitas regiões. Posteriormente, verificou-se queda da
mortalidade dos coelhos infectados em 50%, ou por mutação do vírus ou pela
imunidade adquirida dos animais.6
Em seus estudos sobre a
leishmaniose tegumentar, Aragão demonstrou, pela primeira vez, a possibilidade
de sua transmissão por flebótomos; ao estudar as doenças eruptivas virais da
infância, comprovou que a varicela e o alastrim são causados por vírus
distintos; descreveu parasitos de plantas e ainda desenvolveu uma vacina contra
a espiroquetose aviária.
Em 1928 surgiu nova epidemia de
febre amarela no Rio de Janeiro e Aragão, embora sem êxito, trabalhou
exaustivamente na tentativa de produzir uma vacina antiamarílica, chegando a
passar noites em seu laboratório em Manguinhos.
Para coroamento de sua carreira,
Henrique Aragão foi Diretor do Instituto Oswaldo Cruz de 1942 a 1949. Em sua
administração, o Instituto, dando continuidade às propostas do Serviço de Estudo
das Grandes Endemias criado por Evandro Chagas, expandiu suas atividades no
interior do País com a criação do posto de saúde para estudo da esquistossomose
em Pernambuco e o posto para estudo da doença de Chagas, em Bambuí, MG, hoje
"Centro Avançado de Estudos Emmanuel Dias". Neste Centro foram feitos
importantes estudos clínicos e epidemiológicos sobre a Tripanosomíase e
iniciadas as primeiras experiências de combate aos triatomíneos pela borrifação
das casas com inseticidas de ação residual.
Também na sua administração, no
período da II Guerra Mundial, o Instituto ampliou sua produção industrial de
medicamentos e iniciou a fabricação da penicilina. Com a penicilina ali
produzida, em ampolas de apenas 300 unidades, Nery Guimarães descobriu a cura da
bouba, hoje praticamente extinta do País.
Aposentado compulsoriamente por
idade em 1950, Aragão dedicou os últimos anos de sua vida ao estudo e
classificação dos ixodídeos (carrapatos). Permaneceu em atividade até uma semana
antes de seu falecimento, que se deu a 26 de fevereiro de 1956, aos 77 anos de
idade.7
O Instituto de
Medicina Tropical de Hamburgo outorgou-lhe a medalha Nocth, láurea só concedida
a cientistas que tenham se destacado por contribuições relevantes à medicina
tropical.
O Instituto Oswaldo
Cruz possui um pavilhão com o seu nome e o homenageou com dois seminários em sua
memória, o primeiro em 1979, no centenário de seu nascimento, e o segundo em
2007, em comemoração ao centenário de sua descoberta do ciclo exoeritrocitário
do parasito da malária.
Referências bibliográficas
1. Mário B. Aragão. "Henrique de Beaurepaire Rohan Aragão". Cadernos
de Saúde Pública 2 (3): pp. 375-379, 1986
2. Renato Clark
Bacellar. Brazil's contribution to tropical Medicine and Malaria,
1940, pp.185-188.
3. Henrique B. A. "Sobre o ciclo evolutivo e a transmissão
do hemoproteus culumbae". Revista Médica de S. Paulo, 11(20): 409-416,
1908
4. Olympio da Fonseca, filho. "A Escola de Manguinhos". In Edgard C. Falcão.
Oswaldo Cruz Monumenta historica, t. II, p. 43
5. Renato Clark
Bacellar, op. cit.
6. Wikipedia. Rabbits in Australia.
Internet. Disponível em http://en.wikipedia.org/wiki/Rabbits_in_Australia.
7. Mário B. Aragão, op. cit.
Joffre M de Rezende
Prof. Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade
Federal de Goiás
Membro da Sociedade Brasileira de História da Medicina
e-mail: pedro@jmrezende.com.br
http://www.jmrezende.com.br