HISTÓRIA DA MEDICINA 

SÍNDROME DE HIPOTENSÃO SUPINA DA GRAVIDEZ
Resenha histórica

Joffre Marcondes de Rezende
Prof. Emérito da Fac. de Medicina da Univ. Federal de Goiás
Prof. Honoris-Causa da Universidade de Brasília

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        Em 1950, quando ainda estudante do último ano do curso médico da Faculdade Nacional de Medicina, no Rio de Janeiro, e cumpria o internato na Maternidade Escola da citada Faculdade, observamos, em pacientes de ambulatório, intolerância de algumas gestantes no último trimestre de gravidez pelo decúbito dorsal. Não encontrando na literatura consultada referência explícita a esta síndrome, a batizamos de Hipotensão clinostática da gravidez. (Rezende, 1950) A mesma se caracteriza pela queda progressiva da pressão arterial, taquicardia, por vezes seguida de bradicardia e sintomas como dispnéia, palidez, sudorese, desconforto ou dor epigástrica, náuseas e, em alguns casos lipotímia. Todos os sintomas desaparecem e a pressão arterial e o pulso se normalizam com a simples mudança do decúbito dorsal para o decúbito lateral, de preferência esquerdo. As pacientes espontaneamente já evitam o decúbito dorsal. A fig. 1 ilustra um de
nooossos casos.

Fig. 1

        Na pesquisa bibliográfica que fizemos na época, não encontramos nenhuma referência a esta síndrome nos clássicos e modernos tratados de obstetrícia. Na busca de publicações indexadas escapou-nos o trabalho pioneiro de Rolf Hansen, publicado em 1942, sob o título de “desmaio e gravidez”, dada a dificuldade na ocasião de acesso às revistas alemãs.
        Ao mencionar nossas observações ao Prof. Léo Gouveia, foi-nos sugerido investigar melhor a síndrome. Para tanto, foram estudadas 50 gestantes internadas na Maternidade, no último trimestre da gravidez, medindo-se a pressão arterial e registrando a frequência cardiáca de minuto a minuto, durante de 15 minutos com a paciente no decúbito dorsal e 15 minutos em decúbito lateral.
        Em sete pacientes observou-se no decúbito dorsal queda progressiva da pressão arterial, acompanhada de taquicardia, e em cinco delas (10%) sintomas  de colapso vasomotor, semelhante à síncope vasovagal.(Rezende, 1950).
        Em seu artigo, Hansen relata suas observações em 93 gestantes, no início ou no final da gravidez, nas quais estudou o comportamento da pressão arterial e do pulso, tanto em posição ortostática como em decúbito dorsal. Em sete casos presenciou uma tendência ao colapso circulatório com a paciente deitada de costas.   Na patogênese da síndrome, valorizou os mecanismos de regulação e contra-regulação do sistema neurovegetativo.(Hansen, 1942)
        No ano de 1950, Brigden e col., em um estudo sobre alterações do fluxo sanguíneo  em indivíduos normais e em várias condições patológicas, verificaram que algumas gestantes nos últimos meses de gravidez podem desmaiar quando em decúbito dorsal. Admitiram como causa a obstrução das veias do abdome e citam Palmer e Walker que verificaram haver queda da pressão venosa em gestantes mantidas em posição supina. (Brigden e col, 1950).
        Em 1951, Mc Roberts descreveu seis casos da síndrome, a que chamou de choque postural na gravidez, dos quais quatro de início espontâneo e dois após raquianestesia. Admitiu como causa a compressão da veia cava inferior pelo útero grávido.(Mc Roberts, 1951).
        No mesmo ano, Howard e col. observaram 18 casos da síndrome dentre 160 gestantes a termo, o que equivale a 11,2%. Em diversos experimentos em humanos e em animais (cadelas) demostraram que não basta a oclusão da cava inferior para reproduzir a síndrome, e que a gravidez é condição essencial para a sua ocorrência. Chamaram a atenção para a importância clínica do conhecimento da síndrome e relatam um caso  em que o choque foi atribuído à provável rotura uterina e a paciente foi submetida desnecessariamente à laparotomia. (Howard e col., 1953) Os citados autores denominaram a síndrome, em inglês, de Supine Hypotensive Syndrome in Late Pregnancy, que poderia ser traduzido em português por Síndrome de Hipotensão Supina na Gravidez Tardia. A  denominação de Síndrome Hipotensiva Supina firmou-se na terminologia médica.
        Nestes trabalhos e na maioria dos que se seguiram, a síndrome foi atribuída principalmente a um fator mecânico decorrente da compressão da veia cava inferior e explicava-se porque a síndrome não ocorria em todas as gestantes com base em variações anatômicas.
        Uma série de fatos observados levou-nos a admitir a influência marcante do sistema nervoso autônomo na gênese da síndrome. Verificamos que, fazendo-se  o teste duas vezes consecutivas na mesma paciente, a queda tensional tornava-se mais lenta e retardada da segunda vez.
        Ao fazermos uma demonstração para o staff, em duas pacientes que haviam apresentado a síndrome, ficamos frustrados porque nada aconteceu. De modo geral, as investigações clínicas são realizadas pela manhã e o experimento fora feito à tarde,. Ambas as pacientes haviam se alimentado poucas horas antes com a refeição do almoço. Concluímos que a alimentação poderia interferir no aparecimento da síndrome. No dia seguinte pela manhã, ambas voltaram a apresentar a síndrome. Hansen, em seu trabalho pioneiro, já aconselhava realizar os experimentos pela manhã. A fig. 2 demonstra o registro do ocorrido.


Fig. 2

        Por outro lado, a administração de sulfato de atropina, na dose de 1,5 mg, via intramuscular, 15 minutos antes do experimento, impediu ou atenuou a queda
da pressão arterial, apesar da taquicardia. Ao contrário, a injeção intramuscular de prostigmine, na dose de 0,5 mg, desencadeou a síndrome já no primeiro minuto, com a queda da pressão arterial para 7,4x6,8 e elevação da frequência cardíaca para 120 b.p.m. Aos 3 minutos acentuou-se a taquicardia e a queda da pressão arterial e a paciente apresentou vômitos. O efeito da prostigmine ainda se fazia sentir após 45 minutos [fig.3]


Fig. 3

        Tais achados, sem dúvida, apontavam para um fator neurogênico importante na patogenia da síndrome. Decidimos, então, efetuar o bloqueio da inervação do plexo solar, o que foi feito em dois casos com o auxílio de um cirurgião, injetando-se 30 ml de novocaína a 1% segundo técnica de Albanese. A infiltração foi feita apenas do lado direito ao nível dos gânglios semilunares.
        Em ambos os casos houve abolição completa de todos os sintomas antes apresentados por estas pacientes  e boa tolerância pelo decúbito dorsal por mais de 24 horas (fig.4 - comparar o comportamento do pulso e da pressão arterial antes e após a infiltração).

Fig. 4

        Ficamos convencido de que a sindrome não poderia ser explicada somente por efeito mecânico da compressão da cava inferior pelo útero.
        Em 1958, H. Winzeler, de Zürich,  publicou um artigo com o título “A síndrome hipotensiva supina, uma forma específica de choque em  mulheres grávidas” . Neste artigo, o autor considerou, na patogênese da síndrome, não somente a compressão da cava, como “fatores neurogênicos”, tais como “medo, dor, trauma abdominal e, especialmente, raquianestesia.”
        Holmes, em 1960, publicou suas observações sobre o comportamento da pressão arterial no decúbito dorsal em 500 gestantes no final da gravidez. Conforme o percentual de queda da pressão sistólica durante seis minutos na posição supina,  classificou a hipotensão em seis graus. Nos graus V e VI, com redução da pressão sistólica igual ou acima de 40%, encontrou 18 pacientes, as quais apresentaram sintomas da síndrome hipotensiva. Este autor chama a atenção para o fato de que, ao aproximar-se a data do parto, após a 38ª.semana, a gestante passa a tolerar melhor o decúbito dorsal, o que atribui à descida da cabeça do feto para a pelve.[Holmes, 1960]
        Nos anos seguintes um grande número de casos foi publicado em vários países e idiomas, relatando a ocorrência da síndrome no período pré-natal ou durante o trabalho de parto, e em diferentes situações em que a gestante necessita permanecer em decúbito dorsal por algum tempo, tais como durante o exame ginecológico, versão fetal externa, operação cesariana, realização de ultrassonografia, cateterização vesical, amnioscopia e amniocentese, e outras. A incidência da síndrome relatada por vários autores varia de 2,5% a 20,6% com a média de 8,0%. Esta grande variabilidade é atribuída aos diferentes critérios utilizados na definição da síndrome (Kinsella e Lohmann, 1994).
        Como consequência do choque postural pode ocorrer descolamento prematuro da placenta, (Piorala,1960, Robbins e col.,1960), bem como sofrimento fetal caracterizado por taqui ou bradicardia, aumento de movimentos, passagem de mecônio, depressão neonatal. (Kinsella e Lohmann, 1994).
        A maioria dos autores já admite que o sistema nervoso autônomo tem uma participação importante na patogênese da síndrome. Lees e col. (1967) identificaram a síndrome com a síncope vasovagal. É óbvio que a compressão da veia cava e a gravidez são essenciais, mas não os únicos fatores na patogênese da síndrome.
        Atualmente a síndrome é bem conhecida e há uma vasta literatura sobre o assunto, especialmente em inglês, sob vários títulos como síndrome hipotensiva da gravidez, hipotensão supina da (ou na) gravidez, choque postural na gravidez, síndrome aorto-cava.
        Na literatura médica brasileira não encontramos publicações originais específicas sobre a síndrome, e, na base de dados LILACS, da BIREME, só há um único trabalho indexado, referente a repercussões da síndrome nos movimentos respiratórios do feto. (Peixoto e col., 1986).
        O nosso trabalho pioneiro é citado fora de nosso País e praticamente ignorado no Brasil. Na literatura médica brasileira há centenas de citações de Rezende, J. em conexão com a síndrome de hipotensão supina da gravidez, porém todas se referem ao eminente obstetra Jorge de Rezende, que menciona a síndrome nas sucessivas edições de seu notável Tratado de Obstetrícia.
 
 

Referências Bibliográficas



1. REZENDE, J.M. – Pressão arterial e pulso no final da gestação. Hipotensão clinostática e colapso vasomotor condicionados pelo decúbito dorsal. .Arch. Bras. Med. 40(11-12):375-414, 1950.
2. HANSEN, R. – Ohnmacht und Schwangerschaft. Klinik Wschr 21:241-253, 1942.
3. BRIGDEN, W.,HOWARTH, S., SHARP-SCHAFEI – Postural changes in peripheral blood flow of normal subjects with observations on vaso-vagal fainting reactions as a result of tilting, the lordotic posture, pregnancy, and spinal anaesthesia. Cin. Sci 9:79-91, 1950.
4. MC ROBERTS, W.A. – Postural shock in pregnancy. Am. J. Obst.  Gynecol. 62: 627-632, 1951.
5. HOWARD, B.K., GOODSON, J.H., MENGERT, W.F. – Supine hypotensive syndrome.Obstet. Gynecol 1:371-377,1953.
6. WINZELER, H. – Das “Supine hypotensive Syndrome” ein spezifisch Shockform der schwangeren Frau – Schweis Med Wochenschr 88:1075-1082, 1958.
7. KINSELLA, M., LOHMANN –Supine hypotensive  syndrome. Obstet. Gynecol.83:774-788, 1994.
8. HOLMES, F.- Incidence of the supine hypotensive syndrome in late pregnancy. J Obstet Gynecol Br. Emp. 67:254-258, 1960.
9. PYORALA, T., PYORALA; K. Supine hypotrnsive syndrome of late pregnancy and premature separation of the placenta. Acta Obstet Gynecol 39:100-105, 1960.
10. ROBBINS, R.A., ESTRARA, T.,RUSSELL, C. – Supine hypotensive syndrome and abruptio placentae. Am. J. Obstet Gynecol, 80:1207-1208, 1960.
11. LEES, M.M., SCOTT, D.B., KERR, M.G.., TAYLOR, SH. – The circulatory effects ofrecumbent postural changes in late pregnancy. Clin Sci 32:453-465, 1967.
12. PEIXOTO, M.A,P. e cols, Repercussões da síndrome de hipotensão supina nos movimentos.  respiratórios fetais. Relato de dois casos. J. bras. Ginec. 96(8):415-417, 1986.
 

ADRADECIMENTO:  O autor agradece ao Dr, Dvid Rassi a obtenção e a tradução do artigo de Hansen Ohnmacht und Schwangerschaft
 

Joffre M de Rezende
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26/11/2011