FRITZ KOEBERLE E SEUS ESTUDOS SOBRE A DOENÇA DE CHAGAS
Discorrer sobre a pessoa e as realizações do Prof. Fritz
Koeberle é rememorar um passado recente, que presenciamos e do qual
eventualmente participamos.
O Prof. Zeferino Vaz, quando
organizava o corpo docente da Faculdade de Medicina de Ribeirão
Preto da Universidade de São Paulo, tinha, entre os seus objetivos,
criar um grande Centro de Pesquisa e Pós-Graduação.
Procurou ele recrutar professores do mais alto nível, pois, dizia
que o mais importante em uma instituição de ensino superior
não são os prédios e as instalações,
mas os recursos humanos. Recrutou a maior parte dos docentes em nosso País,
especialmente na Faculdade de Medicina da USP, porém, quando necessário,
buscou no exterior os professores de que necessitava para completar o corpo
docente. E, desta maneira, o patologista austríaco Fritz Koeberle
foi convidado a dirigir o Departamento de Patologia da recém-inaugurada
Faculdade.
Koeberle foi informado inicialmente
sobre a nova Faculdade pelo médico da Embaixada do Brasil em Viena.
Houve troca de correspondências e o convite foi formalizado.
Na sucinta exposição
que faremos sobre o Prof. Koeberle vamos considerar dois períodos
em sua vida: antes e após sua vinda para o Brasil.
PRIMEIRO PERÍODO: NA ÁUSTRIA
Koeberle nasceu em Eishgraben, pequena cidade próxima a Viena, em
1º de outubro de 1910, filho de Friedrich e Katharina Koeberle.
Toda a sua educação, desde o curso primário, até
o superior, deu-se em Viena. Após o curso primário, prestou
exame de admissão ao Ginásio Humanístico de Viena,
sendo aprovado com distinção. O curso secundário,
com oito anos de duração, exigia para a sua conclusão
uma dissertação sobre um tema da escolha do aluno. Koeberle
optou por um tema ligado à anatomia: "O coração, com
especial referência ao dos animais vertebrados e do homem", sendo
aprovado com distinção.
No mesmo ano em que terminou
o curso secundário ingressou na Universidade de Viena, matriculando-se
simultaneamente na Faculdade de Medicina e no curso de Educação
Física. Em dezembro de 1934 prestou os exames finais, classificando-se
em primeiro lugar, após o que recebeu o título de doutor
em Medicina (Doctoris Universae Medicine). Contava, então
24 anos de idade.
Durante o curso médico
foi estagiário voluntário no Instituto Patológico,
além de monitor de Pediatria e de Oftalmologia. Imediatamente após
o seu doutoramento em janeiro de de 1935, ingressou como Assistente voluntário
do Instituto Patológico da Universidade de Viena sob a direção
do Prof. R. Maresch. Em março do mesmo ano foi nomeado Assistente,
e em 1941, Professor Adjunto do referido Instituto, cargo que exerceu até
1946.
O Instituto Patológico
da Universidade de Viena mantinha convênio com outros hospitais de
Viena para a realização de autópsias e biópsias,
o que ensejou ao Prof. Koeberle a realização em 11 anos de
cerca de 4.000 autópsias.
Em 1939, com a anexação
da Áustria pela Alemanha nazista, Koeberle foi forçado a
ingressar no serviço militar, inicialmente como tenente médico
do Hospital Central do Exército em Viena e, a partir de março
de 1940, como patologista do XII Exército, tendo desempenhado esta
função na França, Bélgica, Polônia e
Rússia,. Na campanha da Rússia, em 1941, foi vítima
de malária, após o que foi transferido para Münster
como patologista do XIII Exército, com a patente de major-médico.
Finalmente foi admitido na Universidade de Münster, como Livre-Docente,
cargo que ocupou até o final da guerra.
Durante os anos que serviu
ao exército alemão, teve oportunidade, segundo relatou, de
praticar numerosas necrópsias de casos de disenteria bacilar, tifo
exantemático, febre tifóide, tularemia, malária, além
dos numerosos casos de morte por ferimentos bélicos.
A dramática experiência
de sua participação no front da II Guerra Mundial o marcou
para o resto de sua vida.
Em setembro de 1945
retornou ao Instituto Patológico da Universidade de Viena, onde
permaneceu até 31 de janeiro de 1946, quando foi nomeado chefe do
Instituto Bacteriológico e Sorológico do Hospital Geral de
St. Polten, cidade próxima à Viena, hoje capital da Baixa
Áustria. Nesse Instituto permaneceu até 1953, acumulando
as funções de Chefe do Serviço de Medicina Legal regional.
Sob sua direção, o Instituto foi remodelado, tornando-se
um dos mais modernos de Baixa Áustria. O número de exames
ali realizados elevou-se de 25.000 em 1946 para 93.000 em 1952.
Em setembro de 1953
requereu licença de 3 anos para atender ao convite do Prof. Zeferino
Vaz de organizar e dirigir o Departamento de Patologia da Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto. Um dos motivos que pesaram em sua decisão
de vir para o Brasil, segundo suas próprias palavras, foi o desejo
de dedicar-se à pesquisa, uma vez que em St. Polten tinha uma grande
sobrecarga de trabalho de rotina que ocupava a maior parte de seu tempo.
Durante sua carreira docente
na Europa, apesar das dificuldades decorrentes da II Guerra Mundial, pôde
realizar vários estudos que se materializaram na publicação
de 18 trabalhos científicos e 49 conferências e cursos sobre
diferentes temas de patologia, inclusive sobre as doenças epidêmicas
que acometeram os exércitos e as populações civis
durante a guerra, como disenteria bacilar, tifo exantemático e malária.
Antes de vir para o Brasil,
encontrou-se em Munich com o Prof. Henrique Rocha Lima, cientista brasileiro
residente na Alemanha e ex-pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz. Rocha
Lima, autor de pesquisas originais importantes sobre a Tripanosomíase
americana, despertou em Koeberle o desejo de estudar as doenças
inexistentes e desconhecidas na Europa, especialmente a doença de
Chagas, que ele, Rocha Lima, considerava um campo fértil para novas
pesquisas.
Em sua vida familiar casou-se
em 1936 com Elizabeth Koeberle e quando de sua vinda para o Brasil, em
1953, o casal tinha quatro filhos (Gottfried, com 16 anos; Roland, com
15 anos; Krista, com 12 anos, e Erika, com 7 anos de idade).
Três de
seus filhos seguiram a carreira universitária; Gottfried na Faculdade
de Medicina da Universidade de Campinas, Roland, como físico
na Universidade de São Carlos, no Estado de São Paulo e Erika
na Faculdade Íbero-americana de Letras, de tradutore e de
intérpretes nas línguas portuguesa, inglesa e alemã.
SEGUNDO PERÍODO: NO BRASIL
Em 20 de outubro de 1953 teve início o segundo período da
vida do Prof. Koeberle quando, recém-chegado com a família
ao Brasil, assumiu o cargo de Prof. Contratado de Patologia da Faculdade
de Medicina de Ribeirão Preto.
"Em Ribeirão Preto",
diz ele "encontrei o que realmente almejava: meios, ambiente, tempo e material
abundante para pesquisa nos mais diversos setores da patologia, destacando-se
o fascinante problema da moléstia de Chagas."
E a licença de 3
anos para sua estada no Brasil transformou-se em sua transferência
definitiva com toda a família para o nosso País, sua naturalização
como cidadão brasileiro, revalidação de seu diploma
de médico e prestação de concurso para Professor Titular
na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto em 1962, cargo que ocupou
até sua aposentadoria em 1976. Entusiasmado com a oportunidade de
estudar uma doença para ele inteiramente nova a doença
de Chagas - procurou antes inteirar-se da literatura médica brasileira
existente sobre a mesma. Com seus conhecimentos de latim, cujo estudo integrava
o ensino secundário na Áustria, não lhe foi difícil
o domínio da língua portuguesa. Dois anos após sua
vinda para o Brasil já redigia, ele próprio, os seus artigos
escritos em português
Megaesôfago, megacólon e doença de Chagas
A questão da possível relação etiológica
entre a doença de Chagas e o megaesôfago e megacólon
endêmicos no Brasil, que vinha sendo debatida de longa data, tornou-se
o núcleo central de suas pesquisas. De um lado, os trabalhos de
Amorim e Correa Neto, Etzel, Correa Neto e Etzel, demonstravam que o megaesôfago
e o megacólon eram uma mesma doença, na qual o achado histopatológico
mais característico consiste na degeneração do plexo
mientérico de Auerbach, encontrada em todo o trato digestivo, e
não apenas nos segmentos dilatados.[1-3]
De outro lado, os dados
clínicos, epidemiológicos e sorológicos não
deixavam dúvida quanto à relação etiológica
entre a doença de Chagas e o megaesôfago e megacólon
endêmicos.[4-7] Restava provar que aquelas lesões eram primitivas
e a dilatação secundária e que as mesmas eram produzidas
pela infecção por Trypanosoma cruzi
Tinha-se a idéia,
na época, de que seria indispensável o achado do parasito
nas paredes do esôfago e do cólon dilatados para a comprovação
anatomopatológica da etiologia chagásica. Por esta razão,
Koeberle se preocupou inicialmente com o achado de um ninho de amastigotas
na parede do megaesôfago. Depois de exaustivas buscas passou a examinar
todos os esôfagos de chagásicos autopsiados, até que
o encontrou em um caso. Seu primeiro trabalho publicado no Brasil teve
a colaboração de seu assistente Estêvão Nador
e foi divulgado em novembro de 1955 sob a forma de Nota Prévia [8]
Desde sua primeira publicação,
Koeberle jamais deixou de fazer referência aos pesquisadores brasileiros
que haviam anteriormente descrito as lesões do plexo mientérico
no megaesôfago e megacólon endêmicos. O objetivo de
suas investigações era demonstrar que tais lesões
são produzidas pela doença de Chagas e são responsáveis
pelas alterações motoras que levam à dilatação.
Logo compreendeu que o achado
do parasito no órgão comprometido não era a questão
principal. O fundamental era demonstrar que as formações
megálicas são seqüelas do processo infeccioso, às
quais chamava de "patias" chagásicas, ao contrário de "nósos",
a infecção em si..
"De fato", indaga, "quem
procuraria verificar a natureza reumática de um vício cardíaco
examinando casos de estenose valvular calcificada? Ou, examinando casos
de cicatrização da pele, verificar a natureza estafilocócica
da supuração primitiva?".[8] Em uma conversa que tivemos
comparou o mega já estabelecido com uma cidade devastada pela guerra,
onde já não se encontram os soldados que promoveram a devastação.
O importante seria estudar quando e como se processa a desnervação,
o que poderia ser feito nas autópsias dos chagásicos, com
e sem megas, em animais naturalmente infectados, e na infecção
experimental em animais de laboratório. Utilizou os três métodos.
Um dos argumentos que se
antepunham à etiologia chagásica era de que somente um reduzido
número de chagásicos evoluía com alterações
megálicas do tubo digestivo. Koeberle teve, então, a idéia
de realizar estudo quantitativo dos neurônios do esôfago em
indivíduos normais e em chagásicos com e sem megas.
A técnica utilizada
consistia na contagem do número de neurônios em segmentos
transversais de um anel abrangendo toda a circunferência da víscera,
com 1 mm de altura. Os cortes eram realizados em segmentos deste anel,
com a espessura de 7 micra e contava-se um neurônio em cada
7 cortes, tendo em vista a dimensão de um neurônio, a fim
de que a mesma célula não fosse contada duas vezes. [9]
Ramos e Oria, [19] em 1940, haviam descrito lesões do sistema nervoso
autônomo do coração em pacientes com megaesôfago,
estabelecendo, assim, um vínculo etiopatogênico desta afecção
com a cardiopatia crônica a que está freqüentemente associada
e cujas alterações eletrocardiográficas são
superponíveis às descritas na cardiopatia chagásica
crônica. [20]
Era evidente que a cardiopatia
encontrada nos pacientes com megaesôfago e megacólon e a cardiopatia
chagásica, tão bem descrita por Chagas e Villela[21] e individualizada
por Laranja e col.,[22] eram uma só e única entidade.
Koeberle estudou em detalhes
a desnervação do coração na doença de
Chagas, encontrando-a na fase aguda da doença, tal como no trato
digestivo. Convenceu-se da importância da desnervação
na patogenia da cardiopatia chagásica crônica, considerando-a
como o fator principal das alterações morfológicas
e funcionais próprias desta cardiopatia, tais como os bloqueios
do sistema de condução, as arritmias, a morte súbita
por fibrilação ventricular, o aneurisma de ponta e a cardiomegalia
encontrada nos casos de descompensação cardíaca. [23,24]
Em sua visão, a cardiopatia
chagásica seria, essencialmente, uma cardiopatia neurogênica.
Na desnervação encontrada em corações de chagásicos,
o parassimpático é mais atingido que o simpático.
Tal fato gera um desequilíbrio na regulação neural
da freqüência e ritmo cardíacos, com maior consumo de
oxigênio em condições de esforço e hipersensibilidade
do miocárdio às catecolaminas. Os bloqueios do sistema excitocondutor
e o aneurisma de ponta seriam explicados como resultado de lesões
hipoxêmicas e consequentes microinfartos, independentemente da miocardite.
Conforme estudos quantitativos que realizou, a redução média
de neurônios encontrada em corações de chagásicos
foi de 55% em relação ao parassimpático e 35% em relação
ao simpático (gânglio estrelado).[24]
Em alguns de seus trabalhos,
Koeberle referiu-se à cardiopatia chagásica crônica
como "cardiopatia parassimpaticopriva".[25] Reconheceu, entretanto, que
era mais fácil detectar o parasito no músculo cardíaco
do que na parede do trato digestivo.
Um novo conceito sobre a doença de Chagas
Entusiasmado com os seus achados histopatológicos, estabeleceu uma
nova visão para a doença de Chagas, conceituando-a como enfermidade
do sistema nervoso autônomo. Este conceito abriu novos horizontes
para as pesquisas que se seguiram, não apenas sobre a fisiopatologia
da doença, como também sobre o participação
do sistema nervoso autônomo periférico nos mecanismos de regulação
fisiológica dos diferentes órgãos e sistemas.
Nas investigações
realizadas em animais de experimentação, utilizando a cepa
Y do Trypanosoma cruzi, verificou Koeberle que o processo degenerativo
das células nervosas dos plexos intramurais tem início na
fase aguda da enfermidade e com tal intensidade que o levou a formular
a frase freqüentemente citada de que "o destino do chagásico
se decide na fase aguda".[26]
Embora conceituando a doença
de Chagas como enfermidade do sistema nervoso autônomo por suas manifestações
tardias, reconhecia o tropismo do Trypanosoma cruzi para o tecido
muscular, tanto de fibras estriadas, como lisas, donde o aparecimento da
miocardite na fase aguda da infecção e do parasitismo do
tecido muscular estriado e do tecido muscular liso. O plexo mientérico
é o mais atingido, exatamente por sua situação topográfica,
entre as camadas longitudinal e circular da parede visceral e, assim, em
íntimo contato com as células musculares parasitadas que
se rompem, liberando os parasitos, com o aparecimento de um processo inflamatório
localizado.
Uma vez estabelecida e aceita
a etiologia chagásica do megaesôfago e megacólon endêmicos,
o passo seguinte seria explicar a patogenia das lesões, o processo
de agressão aos neurônios. De pronto afastou o parasitismo
dos próprios neurônios ou das células de Schwann, dada
a raridade com que estas células albergam o parasito.
A primeira idéia
que lhe ocorreu foi da ação de uma possível neurotoxina,
que seria liberada pelas formas incompletamente desenvolvidas do parasito
e que se desintegravam após a rotura das células musculares
parasitadas.[27]
A idéia da existência
de toxinas provenientes do parasito, independentemente de sua ação
sobre as células nervosas, não era original. Chagas, em 1916,
em seu artigo Processos patojenicos da tripnozomiase americana já
aventara esta possibilidade. São suas as seguintes palavras: "Dos
processos patojenicos da tripanozomíase alguns correspondem a localizações
específicas do parasito na intimidade dos sistemas orgânicos;
outros são atribuíveis à ação de toxinas,
cuja existência bem se evidencia em alterações orgânicas
e funcionais que permaneceriam, de outro modo, inexplicáveis"[28]
Em 1974, em uma discussão
sobre a patogênese da doença de Chagas, Koeberle substituiu
seu conceito inicial de neurotoxina pelo de uma citotoxina ou citolisina,
entendendo-se como tal uma substância de natureza enzimática
de ação membranolítica[24]
Como foram recebidos os trabalhos de Koeberle
Enquanto os médicos e pesquisadores que trabalhavam em regiões
endêmicas da doença de Chagas, convivendo diariamente com
os pacientes chagásicos, receberam com entusiasmo as pesquisas do
Prof. Koeberle, os grandes Centros Científicos, especialmente do
Rio de Janeiro e de São Paulo receberam com críticas e desconfiança
a contribuição de Koeberle.
Até então
a doença de Chagas era vista como importante causa de cardiopatia,
sem vínculo comprovado com os megas digestivos. Koeberle forneceu
o elo que nos faltava na cadeia etiopatogênica entre as lesões
neuronais já anteriormente descritas no trato digestivo e a doença
de Chagas.
O Professor José
Lima Pedreira de Freitas, autor de uma tese sobre a alta positividade da
reação sorológica para doença de Chagas em
portadores de megaesôfago e megacólon,[7] por ocasião
do VIII Congresso Médico do Triângulo Mineiro e Brasil Central,
realizado em Uberaba, de 3 a 8 de setembro de 1956, teceu os seguintes
comentários em relação a este fato.
Koeberle integrou-se
de tal maneira à sua nova pátria que, quando lhe perguntavam
sua nacionalidade respondia com orgulho "Sou brasileiro".
Apreciava a natureza e viajava
sempre que se oferecia oportunidade pelo interior para melhor conhecer
o nosso País, seu povo e seus costumes. Conheceu o Brasil de norte
a sul. Interessou-se pela cultura dos nossos indígenas e foi pessoalmente,
acompanhado da esposa e das filhas, visitar a aldeia dos Xavantes, em Mato
Grosso, e dos Carajás, na ilha do Bananal.
Tivemos ocasião de
acompanhá-lo em algumas de suas incursões pelo interior de
Minas Gerais e Goiás. Entusiasmava-se com a riqueza potencial do
Brasil e com os nossos recursos naturais. Quando conheceu as fontes hidrotermais
de Caldas Novas, ao tempo em que a nascente do Rio Quente ficava no meio
do mato e ali se chegava por uma estrada de terra, fez o seguinte comentário:
"Se fosse na Europa teria de se pagar caro para conhecer esta maravilha".
Previu que ali seria um grande centro turístico, o que realmente
se concretizou alguns anos depois.
Certa vez desejou possuir
uma roda de carro-de-boi, autêntica, para dela fazer uma mesa para
o seu jardim. Conseguimos a roda, que lhe demos de presente, o que muito
o alegrou. Infelizmente, esta mesa lhe foi roubada em sua ausência.
Mais de uma vez referiu-se
à hospitalidade do brasileiro e à maneira cordial com que
os nossos "caboclos", como os chamava, tratam as pessoas desconhecidas
e se mostram sempre prontos a colaborar diante de qualquer dificuldade.
Por vezes criticava alguns
hábitos que observava no Brasil, como o desperdício de alimentos.
Ao ver-me retirando a camada superficial de alguns pedaços de queijo
em uma lanchonete, perguntou-me o que seria feito com aquilo. Respondi-lhe
que seria jogado fora. Inconformado, comeu todas aquelas sobras, dizendo:
"Vocês nunca tiveram uma guerra.!"
Viajava muito para o exterior
a fim de atender convites ou por conta própria.
À primeira vista,
Koeberle dava a impressão de ser uma pessoa autoritária,
de uma franqueza rude e por vezes agressiva. Conhecendo-o mais de perto
e por mais tempo, via-se que por trás daquela aparência havia
um ser humano sensível, sincero e prestativo.
Um amigo de Goiás
Inúmeras vezes, Koeberle foi a Goiânia para proferir conferências,
participar de cursos e congressos, ou acompanhando visitantes ilustres
de outros países.
Interessava-se e valorizava
sobremaneira os estudos de natureza clínica sobre a doença
de Chagas, notadamente em relação à fase aguda, à
cardiopatia e ao megaesôfago e megacólon, realizados pelos
"bugres de Goiás", como ele nos chamava, troçando, a mim
e ao colega Anis Rassi.
Foi um colaborador permanente
da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás e seu
laboratório em Ribeirão Preto sempre esteve à disposição
dos docentes da referida Faculdade para a realização de exames
histopatológicos em trabalhos de pesquisa sobre a doença
de Chagas. Participou de mais de um trabalho feito em colaboração.
Prestigiou a Revista Goiana
de Medicina, nela publicando vários artigos de sua autoria ou de
seus colaboradores, a partir de 1956, inclusive sua tese para Professor
Titular. O apoio que emprestou à citada revista muito contribuiu
para o prestígio da mesma e sua projeção no cenário
internacional.
Modificado da Rev. Soc. Bras. Med. Trop. 35 (supl III):25-34, 2002