NEOLOGISMOS
Define-se neologismo
como toda palavra ou expressão de criação recente.
Também se considera neologismo uma nova acepção atribuída
a uma palavra já existente no léxico. [1][2]
O neologismo pode ser criado
na própria língua ou importado de uma língua estrangeira,
como ocorre frequentemente em linguagem técnica.
Exemplo de neologismo criado
em nossa própria língua pelo acréscimo de significado
a uma palavra já existente é o da palavra cirurgia,
que vem sendo utilizada ultimamente como sinônimo de operação:
cirurgia de Blalock-Taussig, cirurgia de Heller, cirurgia de Billroth II,
cirurgia de Wertheim etc.[3]
Há neologismos de
cunho popular ou literário, restritos a um determinado idioma, e
outros, como os termos científicos, que são internacionais e devem ser adaptados morfologicamente a cada idioma.
Os neologismos podem ser
léxicos e sintáticos. Os primeiros, quando corretamente adaptados
à língua, enriquecem o vocabulário sem ferir o gênio
da língua; os sintáticos, também chamados de construção,
abastardam a língua por atentarem contra a estrutura desta e devem
ser evitados.[2]
Nas ciências em geral
e na linguagem médica em particular, em decorrência do progresso
científico e tecnológico, há necessidade constante
da criação de neologismos que expressem com exatidão
novas descobertas, novos fatos e novos conceitos.
Há três maneiras
de atender a essa necessidade: formar uma palavra nova, importar um termo
de língua estrangeira, ou conferir um novo significado a uma palavra
já existente.[4]
No passado, os neologismos
importados, em sua maioria, tinham origem na língua francesa. Atualmente,
em virtude da hegemonia da língua inglesa como canal de comunicação
no meio científico, os mesmos surgem quase sempre em inglês,
devendo ser morfologicamente adaptados aos demais idiomas.
A língua inglesa
é considerada a que tem o maior acervo lexical e este fato decorre
de sua própria história.
A língua inglesa
teve início a partir de um estrato teutônico que se sobrepôs
aos idiomas nativos da ilha britânica. Com a invasão da Inglaterra
pelos normandos no século XI, foi a mesma enriquecida pelo manancial
latino carreado pelo francês medieval dos invasores, acrescido posteriormente
de termos eruditos introduzidos por escritores e cientistas.[5]
Como resultado desse hibridismo,
embora tenha mantido uma estrutura sintática própria, a língua
inglesa tem hoje maior número de palavras de procedência latina
do que propriamente anglo-saxônica.[5]
A nomenclatura científica
e técnica é quase toda baseada nas línguas grega e
latina e, assim, os neologismos criados em inglês na terminologia
médica utilizam, em sua maioria, radicais gregos e latinos, o que
facilita a sua adaptação às línguas neolatinas
como o português.
Ao ser feita a adaptação
correta do inglês para o português, devemos nos lembrar de
que o inglês usa ortografia etimológica, enquanto o português
usa ortografia fonética simplificada e que determinados sufixos
em inglês têm os seus correspondentes em português.
Há neologismos que
são, na realidade, palavras latinas adaptadas ao inglês. Neste
caso, os mesmos não devem ser considerados anglicismos e é
lícito recriá-los em português a partir do latim. É
o caso, por exemplo, de
predictive, adaptação do latim
predictivus,
que corresponde a preditivo em português. Não importa
que o termo ainda não esteja nos dicionários.
Maior dificuldade surge
quando se trata de palavras autóctones e expressões idiomáticas
da língua inglesa que devem ser traduzidas para o português.
É o caso, por exemplo, de scanner, shunt, stress, stent, straddling,
hand grip, swing heart, wedge pressure, etc. Nesta eventualidade, cada
caso deve ser analisado de per si e nem sempre há consenso sobre
a melhor solução. Uma alternativa válida é
a de usar-se, por empréstimo, o termo ou a expressão em sua
forma original, com destaque por meio de aspas ou itálico.
Há neologismos que
são acrônimos formados com as letras iniciais da expressão
designativa de uma doença, como AIDS (Acquired Immune
Deficiency Syndrome), de um método de exame laboratorial,
como ELISA (Enzyme-Linked Immuno Sorbent
Assay) ou de uma nova tecnologia, como LASER (Light
Amplification by Stimulated Emission of Radiation).
É discutível, nesses casos, se as letras devem estar dispostas
na sequência das palavras do idioma de origem ou de sua tradução
vernácula.
Outra dificuldade reside
nos chamados falsos cognatos: palavras morfologicamente semelhantes ou
idênticas, porém, que adquiriram acepções diferentes
nos dois idiomas.
Neste particular, deparamos
com os mais desastrados barbarismos, decorrentes de pseudotraduções
nas quais se levam em conta a forma e o som da palavra, mas não
o seu conteúdo semântico. Criam-se neologismos de sentido[2],
utilizando-se de palavras já existentes na língua portuguesa.
Muitos de tais neologismos, à força de sua repetição
na linguagem falada e escrita, terminam sendo incorporados ao léxico.
Podemos citar como exemplos
doença
severa
(grave),
corrente de injúria (lesão),
envelope
viral (envoltório),
clareamento do esôfago
(remoção
do refluxo ácido),
imagem consistente
(compatível),
broncoprovocação
(broncoestimulação),
mal
funcionamento (disfunção)
pesquisa elegante
(bem
fundamentada), aderência do paciente
(adesão),
hipótese
assumida (admitida), tratamento suportivo (de manutenção),
lesão
concorrente
(simultânea),
medicação descontinuada
(interrompida),
etc.
A aceitação
de um neologismo importado só se justifica quando absolutamente
necessário por não haver palavra vernácula equivalente
e, neste caso, é imprescindível sua correta adaptação
morfológica; do contrário, é preferível usar-se
a palavra no idioma de origem, por empréstimo.
É frequente
a introdução na linguagem médica de palavras inglesas
do vocabulário geral, ou por desconhecimento da existência
de palavras equivalentes em português, ou com a intenção
de dar maior relevo à frase. Estão nesta categoria, por exemplo,
borderline
(limítrofe,
fronteiriço), plop (chape),
notching
(sulco), cleft
(fenda),
pump
(bomba), like
(semelhante) etc.
O registro de um neologismo
nos dicionários assegura a sua incorporação definitiva
ao léxico e nos dá a tranquilidade necessária para
o seu uso.[6]
O neologismo sintático
importado do inglês constitui uma aberração que descaracteriza
o nosso idioma e decorre, quase sempre, de traduções literais
e despreparo dos tradutores. O hábito da leitura de textos médicos
em inglês também contribui, subconscientemente, para a aceitação
e utilização de expressões e construções
sintáticas próprias da língua inglesa, travestidas
em roupagem vernácula.
Exemplos:
é dito ser (it
is said to be)
tem sido mostrado (it
has been shown)
é enfatizado (it
is emphasized)
em adição
(in addition)
Referências bibliográficas
1. COUTINHO, I. L. Pontos de gramática histórica,
5.ed. Rio de Janeiro, Liv. Acadêmica, 1962
2. DUBOIS, J. e col. Dicionário de lingüística
(trad.). São Paulo, Ed. Cultrix, 1998
3. REZENDE, J.M. Linguagem médica, 2.ed., Goiânia,
Universidade Federal de Goiás, 1998
4. ULLMANN, S. Semântica. Uma introdução
à ciência do significado, 4.ed. Lisboa, Fundação
Calouste Gulbenkian, 1964.
5. BODMER, F. O homem e as línguas (trad.).
Rio de Janeiro, Ed. Globo, 1960
6. GUILBERT, L. La créativité lexicale.
Paris, Lib. Larousse, 1975
Joffre M de Rezende
Prof. Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal
de Goiás
Membro da Sociedade Brasileira de História
da Medicina
e-mail: pedro@jmrezende.com.br
http://www.jmrezende.com.br