JURAMENTO DE HIPÓCRATES
Em uma pequena ilha do mar
Egeu, na Grécia, próximo ao litoral da Asia Menor – a ilha
de Kós - floresceu no século V a.C. uma escola médica
destinada a mudar os rumos da medicina, sob a inspiração
de um personagem que se tornaria, desde então, o paradigma de todos
os médicos – Hipócrates.
A escola hipocrática
separou a medicina da religião e da magia; afastou as crenças
em causas sobrenaturais das doenças e fundou os alicerces da medicina
racional e científica. Ao lado disso, deu um sentido de dignidade
à profissão médica, estabelecendo as normas éticas
de conduta que devem nortear a vida do médico, tanto no exercício
profissional, como fora dele.
Na coleção
de 72 livros contemporâneos da escola hipocrática, conhecida
como Corpus hippocraticum, há sete livros que tratam exclusivamente
da ética médica. São eles: Juramento, Da lei, Da
Arte, Da Antiga Medicina, Da conduta honrada, Dos preceitos, Do médico.[1]
Sobressai dentre eles o
Juramento,
a ser proferido por todos aqueles considerados aptos a exercer a medicina,
no momento em que são aceitos como tal pelos seus pares e admitidos
como novos membros da classe médica. O juramento hipocrático
é considerado um patrimônio da humanidade por seu elevado
sentido moral e, durante séculos, tem sido repetido como um compromisso
solene dos médicos, ao ingressarem na profissão.
Textos manuscritos preservados
O texto do Juramento de Hipócrates que hoje se encontra em vários idiomas resultou de traduções oriundas de antigos e raros manuscritos. Embora sem comprovação, aceita-se que os citados manuscritos reproduzem o texto original de quando o mesmo foi escrito. Os mais antigos manuscritos conhecidos, segundo Bernardes de Oliveira, são:
1."O manuscrito Urbinas Graecus 64 da Biblioteca Apostólica Vaticana". "Está localizado entre os séculos X e XI. Suas palavras iniciais esclarecem: ‘Texto do Juramento Hipocrático que pode ser jurado pelos cristãos’. O interessante documento é escrito em forma de cruz para bem marcar o patrocínio religioso". "Inicia-se com a saudação laudatória habitual: ‘Bendito seja Deus, o Pai de Nossso Senhor Jesus Cristo; para sempre bendito seja...’ Sua redação acompanha o texto clássico com algumas variantes e alterações das quais a principal é a omissão da cláusula referente à operação da calculose".
2. "O segundo, por ordem de antigüidade, é o manuscrito Marcianus Venetus Z 269, do século XI, pertencente à Biblioteca de S. Marcos de Veneza. O juramento aí se acha como sendo o texto original. Inicia-se com a invocação dos deuses da mitologia grega, consoante sua origem pagã".
3. "Manuscrito do século XII da Biblioteca Apostólica Vaticana: Vaticanus Graecus 276, follio 1 recto.
4. "Manuscrito do século XII da Biblioteca Nacional de Paris."[2]
O último manuscrito
citado encerra a versão pagã, com a invocação
inicial dos deuses da mitologia grega e corresponde ao texto mais difundido
atualmente.
Os demais manuscritos conhecidos
do juramento de Hipócrates são todos dos séculos XIV
e XV. Embora sejam equivalentes, verificam-se mínimas diferenças
de redação.
Há atualmente na
ilha de Kós uma fundação, a Fundação
Hipocrática Internacional de Kós, que é, ao mesmo
tempo, Museu e Centro de Pesquisas sobre a medicina hipocrática.
Nesta Fundação preserva-se um texto idêntico
ao que se encontra no livro Ancient Medicine,
de Edelstein, que,
por sua vez, o transcreveu da obra Corpus Medicorum Graecorum,
ed.
Heiberg, 1927.[3][4]
Traduções do texto original
A partir dos manuscritos
já referidos, foram feitas traduções do juramento
de Hipócrates em latim, hebraico, árabe e nos demais idiomas.
Duas traduções
em inglês e duas em francês tornaram-se clássicas e
têm servido de referência para as versões em outros
idiomas.
As versões clássicas
em inglês são a de Francis Adams, de 1849, transcrita na coleção
Harvard
Classic, vol. 38, de 1910, e a de W.H.S. Jones, que se encontra na
coleção Loeb Classical Library, desde 1923 [5]/6]
As versões em francês são a de Littré, de 1844,
e a de Daremberg, de 1855[7][8]
Transcrevemos a seguir a
tradução de Adams, em inglês, e a de Littré,
em francês.
The oath by Hippocrates
(Translated by Francis Adams)
"I SWEAR by Apollo the
physician, and Aesculapius, and Health, and All-heal, and all the gods
and goddesses, that, according to my ability and judgment, I will keep
this Oath and this stipulation- to reckon him who taught me this Art equally
dear to me as my parents, to share my substance with him, and relieve his
necessities if required; to look upon his offspring in the same footing
as my own brothers, and to teach them this art, if they shall wish to learn
it, without fee or stipulation; and that by precept, lecture, and every
other mode of instruction, I will impart a knowledge of the Art to my own
sons, and those of my teachers, and to disciples bound by a stipulation
and oath according to the law of medicine, but to none others. I will follow
that system of regimen which, according to my ability and judgment, I consider
for the benefit of my patients, and abstain from whatever is deleterious
and mischievous. I will give no deadly medicine to any one if asked, nor
suggest any such counsel; and in like manner I will not give to a woman
a pessary to produce abortion. With purity and with holiness I will pass
my life and practice my Art. I will not cut persons laboring under the
stone, but will leave this to be done by men who are practitioners of this
work. Into whatever houses I enter, I will go into them for the benefit
of the sick, and will abstain from every voluntary act of mischief and
corruption; and, further from the seduction of females or males, of freemen
and slaves. Whatever, in connection with my professional practice or not,
in connection with it, I see or hear, in the life of men, which ought not
to be spoken of abroad, I will not divulge, as reckoning that all such
should be kept secret. While I continue to keep this Oath unviolated, may
it be granted to me to enjoy life and the practice of the art, respected
by all men, in all times! But should I trespass and violate this Oath,
may the reverse be my lot."
Serment d’Hippocrate
(Traduction de Littré)
"Je jure, par Apollon, médecin, par Esculape, par Hygie et Panacée, par tous les dieux et toutes les déesses, les prenant à témoin, que je remplirai, suivant mes forces et ma capacité, le serment et l'engagement suivants: je mettrai mon maître de médecine au même rang que les auteurs de mes jours, je partagerai avec lui mon avoir, et, le cas échéant, je pourvoirai à ses besoins; je tiendrai ses enfants pour des frères, et, s'ils désirent apprendre la médecine, je la leur enseignerai sans salaire ni engagement. Je ferai part des préceptes, des leçons orales et du reste de l'enseignement à mes fils, à ceux de mon maître, et aux disciples liés par un engagement et un serment suivant la loi médicale, mais à nul autre. Je dirigerai le régime des malades à leur avantage, suivant mes forces et mon jugement, et je m'abstiendrai de tout mal et injustice. Je ne remettrai à personne du poison, si on m'en demande, ni ne prendrai l'initiative d'une pareille suggestion; semblablement, je ne remettrai à aucune femme un pessaire abortif. Je passerai ma vie et j'exercerai mon art dans l'innocence et la pureté. Je ne pratiquerai pas l'opération de la taille, je la laisserai aux gens qui s'en occupent. Dans quelque maison que j'entre, j'y entrerai pour l'utilité des malades, me préservant de tout méfait volontaire et corrupteur, et surtout de la séduction des femmes et des garçons, libres ou esclaves. Quoi que je voie ou entende dans la société pendant l'exercice ou même hors de l'exercice de ma profession, je tairai ce qui n'a jamais besoin d'être divulgué, regardant la discrétion comme un devoir en pareil cas. Si je remplis ce serment sans l'enfreindre, qu'il me soit donné de jouir heureusement de la vie et de ma profession, honoré à jamais parmi les hommes; si je le viole et que je me parjure, puissè-je avoir un sort contraire!"
Em português há
várias traduções, a maioria baseada nos textos clássicos
em inglês ou francês, e outras feitas diretamente do texto
grego, hoje facilmente acessível em reproduções impressas.
Transcrevemos, a seguir,
a tradução em português de Bernardes de Oliveira, autor
do livro A evolução da medicina até o seculo XIX,
baseada
no texto inglês de Jones[9]
Juramento de Hipócrates
"Juro por Apolo Médico, por Esculápio, por Higéia, por Panacéia e por todos os deuses e deusas, tomando-os como testemunhas, obedecer, de acordo com meus conhecimentos e meu critério, este juramento: Considerar meu mestre nesta arte igual aos meus pais, fazê-lo participar dos meios de subsistência que dispuser, e, quando necessitado com ele dividir os meus recursos; considerar seus descendentes iguais aos meus irmãos; ensinar-lhes esta arte se desejarem aprender, sem honorários nem contratos; transmitir preceitos, instruções orais e todos outros ensinamentos aos meus filhos, aos filhos do meu mestre e aos discípulos que se comprometerem e jurarem obedecer a Lei dos Médicos, porém, a mais ninguém. Aplicar os tratamentos para ajudar os doentes conforme minha habilidade e minha capacidade, e jamais usá-los para causar dano ou malefício. Não dar veneno a ninguém, embora solicitado a assim fazer, nem aconselhar tal procedimento. Da mesma maneira não aplicar pessário em mulher para provocar aborto. Em pureza e santidade guardar minha vida e minha arte. Não usar da faca nos doentes com cálculos, mas ceder o lugar aos nisso habilitados. Nas casas em que ingressar apenas socorrer o doente, resguardando-me de fazer qualquer mal intencional, especialmente ato sexual com mulher ou homem, escravo ou livre. Não relatar o que no exercício do meu mister ou fora dele no convívio social eu veja ou ouça e que não deva ser divulgado, mas considerar tais coisas como segredos sagrados. Então, se eu mantiver este juramento e não o quebrar, possa desfrutar honrarias na minha vida e na minha arte, entre todos os homens e por todo o tempo; porém, se transigir e cair em perjúrio, aconteça-me o contrário".
Em todos os idiomas, as traduções
oferecidas diferem entre si em alguns aspectos relativos à linguagem
empregada, embora mantenham todas o núcleo central dos preceitos
que compõem o juramento.
Analisando-se o teor de
várias traduções, verificamos que as diferenças
existentes entre elas se encontram principalmente em algumas passagens
e no significado de determinadas palavras gregas, que não encontram
equivalentes em outros idiomas ou, o que é mais comum, na sua polissemia,
que permite um leque de opções na língua de chegada.
Selecionamos dez das mais
acreditadas versões em português, sendo oito do Brasil e duas
de Portugal para um estudo comparativo de como aquelas palavras foram traduzidas.
As versões utilizadas foram as seguintes:
Brasil
1. Flamínio Fávaro
- Livro de Medicina Legal
2. Ivolino de Vasconcelos
- Instituto Brasileiro de História da Medicina
3. René Laclete -
Livro História da Medicina, de Arturo Castiglioni (trad.)
4. Bernardes de Oliveira
- Livro A evolução da medicina até o século
XIX
5. Otacílio
Carvalho Lopes - Livro A medicina no tempo
6. Alexandre Correa
- Revista Paulista de Medicina, abril de 1974.
7. Conselho Regional de
Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP)
8. Universidade de Ribeirão
Preto (UNAERP)
Portugal
9. Tradução
baseada em Edelstein e F. Guerra
10. Tradução baseada em
Littré.
O primeiro exemplo encontramos
nas palavras dynamis kaí krísin, expressão
empregada em duas passagens, uma no primeiro parágrafo e outra no
terceiro parágrafo.
dynamis kaí krísin - No primeiro parágrafo | |
Expressão utilizada | No. de traduções |
habilidade e
julgamento |
2 |
poder
de
discernimento |
1 |
poder
e
razão |
3 |
conhecimento
e
critério |
1 |
força
e
aptidão |
1 |
força e inteligência | 1 |
capacidade
e
discernimento |
1 |
dynamis kaí krísin - No terceiro parágrafo | |
Expressão utilizada | No. de traduções |
habilidade
e
julgamento |
2 |
autoridade e discernimento | 1 |
saber e razão | 2 |
habilidade e capacidade | 1 |
força e juízo | 1 |
poder e entendimento | 1 |
força e inteligência | 1 |
melhor parecer | 1 |
O segundo exemplo temos na
expressão diaitémasi te khrésomai,
que
abre o terceiro parágrafo. Diaite, em grego, tanto
significa dieta como regime de vida.
diaitémasi te khrésomai - No terceiro parágrafo | |
Expressão utilizada | No. de traduções |
Aplicarei os regimes | 3 |
Seguirei
aqueles
regimes |
2 |
Adotarei o regime | 1 |
Prescreverei o regime | 1 |
Prescreverei o regime dietético | 1 |
Ordenarei a dieta | 1 |
Aplicarei os tratamentos | 1 |
Outro exemplo está
na expressão phármakon...thanásimon,
encontrada no quarto parágrafo. Phármakon,
em grego, expressa qualquer substância capaz de atuar no organismo,
seja no sentido benéfico ou maléfico, ou seja como remédio
ou como veneno. Nas dez versões em português deparamos com
as seguintes traduções:
phármakon...thanásimon - No quarto parágrafo | |
Expressão utilizada | No. de traduções |
remédio mortal | 4 |
medicamento mortal | 1 |
droga mortal | 1 |
venenos
mortais |
2 |
venenos | 2 |
A crítica que se pode
fazer neste passo diz respeito à expressão "remédio
mortal" ou "medicamento mortal". É uma incongruência a denominação
de remédio ou medicamento mortal. Se é reconhecidamente mortal,
deixa de ser remédio ou medicamento e passa a ser veneno.
A proibição
da prática do aborto no texto original refere-se ao uso de pessário,
naturalmente o recurso existente na época de Hipócrates,
que poderia ser empregado pelos médicos. Nas versões modernas,
a tradução por vezes foge ao original, com a intenção
de abranger outros métodos abortivos atualmente disponíveis.
Contexto de phármakon...thanásimon no quarto parágrafo | |
Expressão utilizada | No. de traduções |
pessário
abortivo |
6 |
medicação abortiva | 1 |
remédio
abortivo |
1 |
substância abortiva | 1 |
(sem
referência) |
1 |
Outra passagem que apresenta
diferenças marcantes nas diferentes versões é a do
antepenúltimo parágrafo, onde se lê no original grego:
aphrodisíon
érgon epi te gynaikeíon somáton kaì andreíon...
Nas dez versões em português foram usadas as seguintes traduções:
aphrodisíon
érgon epi te gynaikeíon somáton kaì andreíon... No antepenúltimo parágrafo |
|
Expressão utilizada | No. de traduções |
sedução de mulheres e de homens | 2 |
sedução de mulheres e homens | 1 |
sedução de mulheres e de rapazes | 1 |
sedução, sobretudo os prazeres do amor | 1 |
prazeres do amor com mulheres ou com homens | 2 |
contactos sexuais com mulheres e homens | 1 |
comércio voluptuoso, seja com mulher ou homem | 1 |
ato sexual | 1 |
Vemos que todas as versões
citadas afastaram-se da tradução literal. A expressão
aphrodision érgon tem o sentido de ato erótico,
e gynaikeion somáton kaí andreion "corpo de
mulher e de homem". A tradução mais próxima do texto
seria "ato libidinoso em corpo de mulher ou de homem". O
ato libidinoso difere de "sedução" e de "prazeres do amor"
e nem sempre culmina com o "ato sexual". Pode ser praticado com ou sem
participação da outra pessoa.
Das traduções
citadas, a que mais se aproxima do texto original é "comércio
voluptuoso, seja com mulher ou homem". "Comércio", no entanto, subentende
o concurso de ambas as partes, enquanto "ato" pode ser unilateral. Em traduções
francesas, usa-se a expressão entreprise voluptuese. Em
uma
versão em espanhol, o tradutor se refere tão somente
à
"seducción de las mujeres jóvenes, libres o
esclavas". No penúltimo parágrafo, a
expressão
bíon
anthrópon foi traduzida do seguinte modo:
bíon anthrópo... - No antepenúltimo parágrafo | |
Expressão utilizada | No. de traduções |
vida dos homens |
3 |
vida
do
homem |
1 |
comércio da vida | 2 |
convívio social | 1 |
convívio da sociedade | 1 |
(sem referência) | 2 |
Estas dificuldades e variações de tradução são comuns a todos os idiomas. O importante é que o tradutor consiga transmitir a idéia contida no texto original de forma expressiva e com a máxima exatidão. O juramento é simbólico e impregnado de sacralidade, qualquer que seja a sua tradução. O importante é o compromisso que o recém-formado assume perante sua própria consciência e a sociedade de cumprir os preceitos éticos contidos no juramento.
Formas resumidas do juramento
Textos abreviados do juramento
têm sido utilizados em diferentes países e idiomas, tendo
em vista a extensão do texto original para leitura durante uma solenidade
festiva como a da conclusão do curso médico.
Na França, é
corrente um modelo abreviado conhecido como juramento de Montpelier, certamente
oriundo de uma das mais antigas e celebradas escolas médicas da
França - a de Montpelier.
O texto original em francês
do juramento de Montpelier tem a seguinte redação:
"En présence des
maîtres de cette école et de mes condisciples, je promets
et je jure d'être fidèle aux lois de l'Honneur et de la Probité
dans l'exercice de la Médecine.
Je donnerai mes soins
à l'indigent et n'exigerai jamais un salaire au-dessus de mon travail.
Admis dans l'intérieur des maisons, mes yeux ne verront pas ce qui
s'y passe, ma langue taira les secrets qui me seront confiés et
mon état ne servira ni à corrompre les moeurs, ni à
favoriser le crime.
Reconnaissant envers
mes maîtres, je tiendrai leurs enfants et ceux de mes confrères
pour des frères, et s'ils devaient apprendre la Médecine
ou recourir à mes soins, je les instruirais ou les soignerais sans
salaire ni engagement.
Si je remplis ce serment
sans l'enfreindre, qu'il me soit donné de jouir heureusement de
ma vie et de ma profession, honoré à jamais parmi les hommes;
si je le viole et que je me parjure, puissé-je avoir un sort contraire."
Posteriormente surgiu um modelo ainda mais sintético com o seguinte texto:
"En présence des
Maîtres de cette Faculté, de mes chers condisciples et selon
la tradition d’Hippocrate, je promets et je jure d’être fidèle
aux lois de l’honneur et de la probité dans l’exercice de la Médecine.
Je donnerai mes soins
gratuits à l’indigent, et n'exigerai jamais un salaire au dessus
de mon travail. Admis dans l’intérieur des maisons, mes yeux ne
verront pas ce qui s’y passe, ma langue taira les secrets qui me seront
confiés et mon état ne servira pas à corrompre les
moeurs ni à favoriser le crime. Respectueux et reconnaissant envers
mes Maîtres, je rendrai à leurs enfants l‘instruction que
j’ai reçue de leurs pères.
Que les hommes m’accordent
leur estime si je suis fidèle à mes promesses. Que je sois
couverte d’opprobre et méprisé de mes confrères si
j’y manque." [10]
Observamos que no modelo
de Montpelier, um novo compromisso foi introduzido: o de atender gratuitamente
os pobres e o de ser moderado na cobrança dos honorários.
Por sua vez, outros preceitos enumerados no texto original não foram
mencionados, ficando subentendidos nas expressões genéricas
de "ser fiel às leis da honra e da probidade no exercício
da medicina" e de "não corromper os costumes, nem favorecer o crime."
Na língua inglesa
também se encontram formas abreviadas do juramento que não
seguem exatamente a mesma linha do modelo francês. Vamos citar, como
exemplo, o texto usado no New York Medical College[11]
"I do solemnly swear by
whatever
I hold most sacred, that I will be loyal to the profession of medicine
and just and generous to its members.
That I will lead my life
and practice my Art in uprightness and honor.
That into whatsoever
home I shall enter it shall be for the good of the sick and the well to
the utmost of my power and that I will hold myself aloof from wrong and
from corruption and from the tempting of others to vice.
That I will exercise
my Art, solely for the cure of my patients and the prevention of disease
and will give no drugs and perform no operation for a criminal purpose
and far less suggest such a thing.
That whatsoever I shall
see or hear of the lives of men and women which is not fitting to be spoken,
I will keep inviolably secret.
These things I do promise
and in proportion as I am faithful to this oath, may happiness and good
repute be ever mine, the opposite if I shall be foresworn."
No Brasil, a maioria das Faculdades utilizam um modelo simplificado, tradução de um texto latino que, segundo o Prof. Edmundo Vasconcelos, chegou a ser usado na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. A tradução vernácula desse texto é do seguinte teor:[12]
"Prometo que ao exercer
a arte de curar, mostrar-me-ei sempre fiel aos preceitos da honestidade,
da caridade e da ciência.
Penetrando no interior
dos lares, meus olhos serão cegos, minha língua calará
os segredos que me forem revelados, o que terei como preceito de
honra.
Nunca me servirei da
profissão para corromper os costumes ou favorecer o crime.
Se eu cumprir este juramento
com fidelidade, goze eu, para sempre, a minha vida e a minha arte, com
boa reputação entre os homens.
Se o infringir ou dele
afastar-me, suceda-me o contrário."
Uma variante desse texto tem livre curso em nossas Faculdades e é encontrado nos convites de formatura. Difere do primeiro em um pequeno detalhe de redação, que, entretanto, modifica inteiramente o sentido da frase. Está assim redigido:
"Prometo que ao exercer
a arte de curar, mostrar-me-ei sempre fiel aos preceitos da honestidade,
da caridade e da ciência.
Penetrando no interior
dos lares, meus olhos serão cegos, minha língua calará
os segredos que me forem revelados, os quais terei como preceito
de honra.
Nunca me servirei da
profissão para corromper os costumes ou favorecer o crime. Se eu
cumprir este juramento com fidelidade, goze eu, para sempre, a minha vida
e a minha arte, com boa reputação entre os homens.
Se o infringir ou dele
afastar-me, suceda-me o contrário."
Comparando-se as duas versões,
vê-se que a única diferença consiste na substituição,
no segundo parágrafo, da locução pronominal o que
pela
locução
os quais.
Na primeira versão,
o
que refere-se ao enunciado na frase anterior, ou seja, expressa
a intenção do médico de guardar sigilo em relação
aos "segredos que me forem revelados."
Na segunda versão,
a locução pronominal os quais, no plural, tem como
antecedente "os segredos que me forem revelados". Ora, não faz o
menor sentido fazer "dos segredos que me forem revelados" "preceito de
honra." É fora de dúvida que esta construção
está gramaticalmente incorreta e deve ser abandonada em favor da
primeira.
O juramento de Hipócrates nas escolas médicas brasileiras
No sentido de verificar como
se situa na atualidade o juramento de Hipócrates em nosso País,
realizamos uma pesquisa junto às escolas médicas brasileiras,
solicitando que nos fornecesse o texto utilizado na solenidade de formatura
do curso médico.
Enviamos uma carta-circular,
em nome da Sociedade Brasileira de História da Medicina, a 82 Faculdades
e recebemos resposta de 41. Destas, três não especificaram
o texto em uso, razão pela qual serão incluídas nesta
análise somente 38 Faculdades.
O resultado desta pesquisa
evidenciou que apenas três das 38 usam o juramento por extenso em
sua forma original e que a maioria utiliza o modelo simplificado de uso
corrente, conforme o quadro abaixo:
MODALIDADES DE TEXTO EM USO EM 38 FACULDADES
MODALIDADES DE TEXTO EM USO EM 38 FACULDADES | ||
Modalidade utilizada | No. de faculdades | % |
Texto
por
extenso |
3 | 07.9% |
Texto por extenso, modificado | 2 | 05.3% |
Textos próprios | 3 | 07.9% |
Texto simplificado | 23 | 60.5% |
Mais de um texto | 6 | 15.8% |
Declaração de Genebra | 1 | 02.6% |
Total |
38 |
Das seis Faculdades que utilizam mais de um texto, cinco incluem a forma simplificada, que é, assim, adotada em 28 Faculdades (73,7%). Destas, apenas nove (32,1%) usam a redação correta com a locução pronominal o que, enquanto 18 (64,3%) empregam a locução pronominal os quais e uma (3,6%) aos quais.
"Atualização" do juramento de Hipócrates
No século XX, o progresso
científico e o avanço tecnológico da medicina, aliados
à evolução do pensamento e dos costumes, trouxeram
novos conceitos e novos aspectos relativos à ética médica
e a validade do juramento de Hipócrates passou a ser questionada,
se não em seu significado simbólico, pelo menos em seu conteúdo.
Surgiram, então, numerosas propostas no sentido de "atualizar" ou
"modernizar" o texto do juramento. Esta tendência se acentuou nos
últimos anos.
As alterações
sugeridas visam, principalmente, a compatibilizá-lo com a Bioética
e adaptá-lo à problemática decorrente da prática
médica atual, com o objetivo de evitar a conivência dos médicos
com as falhas dos atuais sistemas de saúde, sempre que houver prejuízo
para os doentes, e com os interesses financeiros da indústria farmacêutica
e de equipamentos médicos, que procuram influenciar a conduta do
médico.
As modificações
introduzidas contemplam a autonomia do paciente, justiça social
e mercantilização da medicina; afrouxam as obrigações
dos discípulos para com seus mestres; substituem a proibição
por regulamentação do aborto, e suprimem o item referente
à operação de calculose vesical.
Deixando de lado as inúmeras
propostas de caráter pessoal, listamos apenas aquelas oriundas de
entidades de maior representatividade. As principais foram:
1. Declaração
de Genebra da Associação Médica Mundial - 1948
2. Texto de Brighton, U.S.A.
- 1995
3. Texto do Código
de Deontologia Médica da França - 1995
4. British Medical Association
- 1997
5. Carta do profissionalismo
médico – 2002
A Declaração de Genebra, a mais antiga e conhecida de todas, tem sido utilizada em vários países na solenidade de recepção aos novos médicos inscritos na respectiva Ordem ou Conselho de Médicina. A versão clássica em língua portuguesa tem a seguinte redação:
" Eu, solenemente, juro
consagrar minha vida a serviço da Humanidade.
Darei como reconhecimento
a meus mestres, meu respeito e minha gratidão.
Praticarei a minha profissão
com consciência e dignidade.
A saúde dos meus
pacientes será a minha primeira preocupação.
Respeitarei os segredos
a mim confiados.
Manterei, a todo custo,
no máximo possível, a honra e a tradição da
profissão
médica.
Meus colegas serão
meus irmãos.
Não permitirei
que concepções religiosas, nacionais, raciais, partidárias
ou sociais intervenham entre meu dever e meus pacientes.
Manterei o mais alto
respeito pela vida humana, desde sua concepção. Mesmo sob
ameaça, não usarei meu conhecimento médico em princípios
contrários às leis da natureza.
Faço estas promessas,
solene e livremente, pela minha própria honra."
Em 1994, a Assembléia Geral da Associação Médica Mundial modificou ligeiramente o texto. Sua versão em português ficou com a seguinte redação:
"No momento de me tornar
um profissional médico:
Prometo solenemente dedicar
a minha vida a serviço da Humanidade.
Darei aos meus mestres
o respeito e o reconhecimento que lhes são devidos.
Exercerei a minha arte
com consciência e dignidade.
A saúde do meu
paciente será minha primeira preocupação.
Mesmo após a morte
do pacienter, respeitarei os segredos que a mim foram confiados.
Manterei, por todos os
meios ao meu alcance, a honra da profissão médica.
Os meus colegas serão
meus irmãos.
Não deixarei de
exercer meu dever de tratar o paciente em função de idade,
doença, deficiência, crença religiosa, origem étnica,
sexo, nacionalidade, filiação político-partidária,
raça, orientação sexual, condições sociais
ou econômicas.
Terei respeito absoluto
pela vida humana e jamais farei uso dos meus conhecimentos médicos
contra as leis da Humanidade.
Faço essas promessas
solenemente, livremente e sob a minha honra."
O texto de Brighton foi elaborado
por um grupo de 35 eticistas, médicos e não-médicos,
reunidos em Brigton, EE.UU., em 1995[13]
O texto do Código
de Deontologia Médica da França foi estabelecido em lei pelo
Decreto n. 95-1000, artigo 109, de 6 de setembro de 1995.[14]
O texto proposto pela British
Medical Association em 1997 dá ênfase à autonomia do
paciente, admite o aborto, desde que permitido em lei e praticado dentro
de princípios éticos, e inclui o consentimento esclarecido
do paciente para a sua participação em qualquer investigação
científica[15]
O último documento
citado, a Carta do Profissionalismo Médico, não se destina
a substituir o juramento de Hipócrates; é, antes, um verdadeiro
código de conduta do médico. Foi elaborado em conjunto por
diversas instituições médicas norte-americanas e a
Federação Européia de Medicina Interna, tendo sido
divulgado em fevereiro de 2002 simultaneamente nas revistas Lancet
e
Annals
of Internal Medicine.[16] Compõe-se de três Princípios
e dez Compromissos, que se acham resumidos nos items abaixo:
PRINCÍPIOS
1
Prioridade
ao
bem-estar
do
paciente
2
Autonomia
do
paciente
3
Justiça
social
COMPROMISSOS
1.
Competência
profissional
2.
Sinceridade
com
os
pacientes
3.
Sigilo
profissional
4.
Apropriado
relacionamento
com
os
pacientes
5.
Qualidade
do
atendimento
6.
Facilidade
de
acesso
aos
cuidados médicos
7.
Distribuição
justa
de
recursos
financeiros alocados
à
saúde
8.
Atualização
científica
9.
Integridade
nos
conflitos
de
interesse
10.
Responsabilidade
profissional
A pergunta que se impõe
é: deve o juramento de Hipócrates ser modificado ou substituído
por outro documento?
Em 1984 foi feita uma pesquisa
na classe médica brasileira, por amostragem, sobre se o juramento
de Hipócrates deveria ou não ser modificado[17] O resultado
foi o seguinte:
Deve
permanecer
inalterado
80
%
Deve
ser
modificado
15
%
Deve
ser
ignorado
5
%
Também pensamos como
a maioria. Julgamos que o juramento de Hipócrates não deve
ser "atualizado", nem "modernizado", e sim complementado por outros instrumentos
hábeis, como Declarações, Regulamentos e Códigos
de Deontologia Médica.
Vimos que atualmente usa-se
de preferência uma versão simplificada do juramento que não
desce a normas específicas, porém mantém, em linhas
gerais, o espírito que presidiu a sua criação e os
fundamentos da ética médica, o que o torna válido
em qualquer época. Atualizá-lo seria violentá-lo.
O juramento de Hipócrates é uma obra de arte e sabedoria,
só comparável às mais altas criações
da espírito humano e, por isso mesmo, deve ser considerado patrimônio
da humanidade e permanecer intocável, como um marco na história
da medicina.
Fontes bibliográficas
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Payot, 1931, p. 131.
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A Physician Charter. Annals of Internal Medicine 136:243-246,
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17. RODRIGUES, L.A. – Juramento de Hipócrates.
Que seja eterno enquanto dure. Médico Moderno, nov./dez.
1984, p. 26-34.
Reproduzido da Revista Paraense de Medicina, vol. 17(1):38-47, abril-junho
de 2003.